Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

Arte Digital: Práticas artísticas inovadoras e novas tecnologias

Situada na categoria mais vasta de arte dos novos média, a arte digital é definida como qualquer prática criativa que utilize a tecnologia digital como parte essencial do processo artístico. Tal como as belas-artes tradicionais, a arte digital oferece múltiplos meios e estilos que os artistas podem utilizar para se exprimirem, desde a fotografia digital, a computação gráfica e a pixel art até meios mais experimentais, como a arte gerada por Inteligência Artificial (IA) e a arte de realidade aumentada (AR Art), tudo se enquadra no espectro da arte digital.

Envolvendo técnicas que não são apenas distintivas da expressão criativa, a arte digital está em constante evolução e é radical na forma como é produzida, distribuída e vista.

Mas não só a arte digital emprega diferentes tecnologias eletrónicas, como também resulta num produto final digital, seja ele uma imagem vetorial, uma colagem em Photoshop, um ambiente virtual ou um NFT(1), só para mencionar alguns. Como a tecnologia digital está cada vez mais presente no modo de vida quotidiano, também no campo das artes, se abrem novos caminhos e a caixa de ferramentas do artista é hoje mais vasta do que nunca.

Os novos desenvolvimentos na criação artística, incorporam tecnologias de Inteligência Artificial (IA) e de aprendizagem automática. Para criar arte com IA, o artista escolhe um conjunto de imagens para alimentar o algoritmo. O algoritmo imita então as entradas visuais, produzindo uma série de imagens de saída, que são finalmente selecionadas e aprovadas pelo artista. Os algoritmos utilizados para produzir arte com este processo são designados por GAN (Generative Adversarial Networks), ao passo que a classe de algoritmos designada por AICAN (Artificial Intelligence Creative Adversarial Network) – que é quase autónoma no processo criativo – funciona com base em duas forças opostas: por um lado, o algoritmo aprende estilos existentes memorizando a sua estética reconhecível; por outro, é penalizado se, ao produzir uma nova obra, imitar demasiado uma peça de arte existente. Este princípio garante que o resultado será inovador sem se afastar demasiado do que já conhecemos. É provável que esta classe de algoritmos se baseie nas tendências mais recentes da história da arte.

Mario Klingemann é um dos nomes mais conhecidos do género de arte com Inteligência Artificial (IA). Em 2017, criou uma série de seis impressões utilizando modelos de IA, onde fez experiências com os dados que alimentam o algoritmo. Para este trabalho, o artista centrou-se no corpo humano, treinando os seus modelos de IA para explorar a postura, transformando stick figures (figuras humanas representadas por uma simples linha) em pinturas. Pela sua pintura The Butcher's Son, Klingemann recebeu o Prémio Lumen como a melhor arte criada com tecnologia.


Em 2018, uma obra de arte criada por Edmond de Belamie com a ajuda de um algoritmo autónomo de IA foi leiloada por mais de 400 mil dólares na casa de leilões Christie's. Tratava-se de um retrato humano gerado por um algoritmo que foi alimentado com retratos famosos da história da arte.

Outro nome notável no espectro da arte digital e da IA é Refk Andadol. É um artista turco-americano conhecido pelos seus projetos que consistem em algoritmos baseados em dados que criam ambientes abstratos e oníricos. O seu último projeto, intitulado Machine Hallucinations: Nature Dreams é uma exploração contínua da estética de dados baseada em memórias visuais coletivas do espaço, da natureza e de ambientes urbanos. Anadol e a sua equipa recolhem dados de arquivos digitais e recursos publicamente disponíveis, processando depois os milhões de memórias fotográficas com modelos de aprendizagem automática. As imagens ordenadas são depois agrupadas em categorias temáticas para melhor compreender o contexto semântico do universo de dados.

A Realidade Aumentada (RA) é outro meio digital popular que os artistas contemporâneos estão a utilizar para expressar a sua criatividade. A realidade aumentada envolve uma experiência em que o mundo da vida real e o mundo digital interagem entre si. Os objetos do mundo real são melhorados por informação percetiva gerada por computador que afeta o sentido. O principal valor da realidade aumentada é a forma como os componentes do mundo digital se misturam na perceção que uma pessoa tem do mundo real.

Grandes nomes da cena artística incorporam a Realidade Aumentada (RA) na sua prática. Só para mencionar alguns: Olafur Elisson estava a utilizar a RA para trazer objetos naturais raros para as casas das pessoas através do ecrã; Kaws exibiu 25 esculturas de Realidade Aumentada (RA) da sua famosa personagem Companion em áreas metropolitanas de todo o mundo durante 2020; Trevor Jones é um pintor tradicional a óleo e tela que começou a explorar camadas digitais nas suas pinturas, primeiro com a pintura de códigos QR e, mais tarde, explorando a RA; A dupla artística australiana, radicada em Nova Iorque, Tin Nguyen & Edward Cutting tem vindo a utilizar a RA para animar as suas reconhecíveis instalações espaciais insufláveis, a fim de explorar melhor a relação entre o físico e o digital, o humano e o não humano, que está no centro da sua inspiração artística.

A tecnologia digital está continuamente a abrir novas perspetivas para a experimentação artística. Para os artistas que estão dispostos a explorar e brincar com novos meios, as possibilidades de expressão criativa são infinitas. Além disso, a arte digital mudou radicalmente a forma de ver, apreciar e partilhar arte, uma vez que esta pode ser facilmente transportada e vista através de diferentes tipos de dispositivos digitais. O potencial de um público novo e alargado também permitiu que os artistas construíssem as suas próprias carreiras e dessem a conhecer o seu trabalho sem a necessidade de representação. Mas há uma outra camada recente na arte digital, que explica a crescente atenção dada a este tipo de prática artística nos meios de comunicação social, cada vez mais frequente com títulos como “Obra de arte digital é vendida por um preço recorde” ou “A imagem digital mais cara de sempre”. Isto tem algo a ver com o mercado da arte e os seus estranhos valores nas transações e a propriedade da arte digital.

O desenvolvimento da tecnologia blockchain, das criptomoedas e dos tokens não fungíveis permitiu a propriedade de algo que, de outra forma, seria impossível de possuir. Foi assim que o mercado de NFT(1) cresceu quase 300 por cento em 2020. As vendas de NFT de arte criptográfica e colecionáveis, segundo estimativas, atingiram mais de 3 mil milhões de dólares em 2021, conforme relatado no comércio de arte Hiscox. Em comparação com o mercado de arte tradicional, o mercado NFT está oferecendo certos benefícios, como viabilidade para obras digitais como arte e ativos, autenticidade e transparência, autenticação mais precisa, mais barata e mais rápida e royalties para vendas futuras – um contexto que vê os artistas numa posição muito melhor em comparação com o sistema tradicional, onde eles não ganham dinheiro com as vendas no mercado secundário. No entanto, a maior revolução dos NFT no sector da arte está relacionada com a propriedade da arte digital. Apesar de muitos argumentarem que possuir uma obra de arte digital não faz sentido com tantas cópias por aí, acessíveis a todos, quando se trata do mercado, possuir uma obra de arte original, seja ela física ou digital, está associado a um valor monetário e social. Afinal de contas, ter uma cópia de um quadro de Picasso não é exatamente o mesmo que possuir o quadro original. Parece ser isso que, em última análise, que torna o mercado de arte NFT tão valioso. É claro que quando se fala em mercados, estamos a falar de processos de compra e venda. O estranho mundo dos negócios, está num outro universo, longe dos processos de criação e produção artística. Mas, como já aconteceu no passado, quando um movimento surge em oposição à cultura dominante, o mais provável é que em pouco tempo seja absorvido e se torne mais um produto comercial. Não é em vão que, segundo os censos recentes, a profissão com mais trabalhadores é a dos vendedores, num mundo onde somos todos consumidores
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(1) - NFT é a sigla para a “Non Fungible Token”, que, simplificando o seu significado, vem dar a quem a possui um direito sobre uma coisa. A NFT funciona como um certificado digital de unicidade, que garante ao seu detentor a propriedade sobre o original de uma coisa não fungível, isto é, uma coisa cujo valor não pode ser reposto ou substituído por outra, ainda que materialmente igual. Utilizemos como exemplo um desenho de um artista em formato digital. Este desenho pode ser vendido como uma NFT e o hipotético comprador passará a obter a titularidade da versão original deste desenho. O mesmo pode acontecer com um músico, que pode vender a titularidade sobre o ficheiro original da faixa em forma de NFT.

Com Lucija Bravic, artland.