Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

Podemos parodiar o Astérix?

«Por Toutatis!» Lewis Trondheim realiza uma releitura dos heróis de Goscinny e Uderzo sem autorização… 

O autocolante exibido de forma proeminente no álbum dá o tom: “Atenção! Isto não é um álbum de Astérix. Parodix!” No entanto, a capa mergulha o leitor num mundo familiar: vemos Obélix e as suas curvas generosas, podemos ver o venerável Panoramix, e no fundo podemos ver as cabanas da famosa aldeia gaulesa. Mas alguns pormenores curiosos farão muita impressão ao leitor: Astérix tem uma cabeça de coelho, orelhas grandes e pernas longas! Por Toutatis! é uma banda desenhada desconcertante, a primeira do seu género na história da lendária série de Goscinny e Uderzo, que começou em 1959. Enquanto o pequeno gaulês é um vencedor para as Éditions Albert René (Hachette), o lançamento deste “objeto impresso” suscita muitas questões. O autor desta variação não autorizada, Lewis Trondheim, não é um desconhecido. Co-fundador, em 1990, da editora L'Association, este artista talentoso sempre gostou de provocações. Mas com o Astérix, muda de roupa. O seu personagem favorito, Lapinot (um coelho), é impelido, para seu grande espanto, para as calças do pequeno herói gaulês, e descobre que a morte também existe nesse mundo supostamente encantado. Sob o seu olhar horrorizado, Obélix esmaga os cérebros dos legionários romanos entre os seus punhos de ferro – “Isso! É a guerra”.

O álbum está centrado na impostura de um pseudo-deus gaulês com tons melancólicos, que veio roubar o segredo da poção mágica para resolver a crise ecológica e as desigualdades sociais e económicas que se banqueteiam no mundo real. Mas, entre a homenagem e a paródia, o uso da violência que Goscinny odiava é bastante perturbador. Para Trondheim, “Asterix já é uma paródia às Guerras das Gálias de Júlio César, e uma paródia de uma paródia significa fazer algo “realista”. Portanto, se há uma guerra entre romanos e gauleses, há sangue e morte. A violência que utilizo está lá para surpreender e fazer rir o leitor através do choque transgressivo, mas também para questionar a violência na ficção”.

A edição francesa desta obra em 2022, não teve o acordo dos detentores dos direitos autorais de Astérix, as Éditions Albert René. Segundo o autor, foram enviadas todas as páginas como cortesia ao diretor das Éditions Albert René, para que não descobrisse o livro no último momento. Trondheim perguntou ao seu advogado se o álbum era de facto uma paródia, uma prática autorizada, embora não utilizada com frequência, e ele respondeu sim, sem ambiguidade. Quando questionado sobre isto, Surugue, diretor das Éditions Albert René confirmou, lembrando que esse jogo pode ser perigoso: “Relativamente ao álbum Lapinot, as Éditions Albert René não deram absolutamente nenhuma autorização. Todavia, não hesitaremos em tomar todas as medidas necessárias contra qualquer obra que utilize indevidamente elementos específicos do universo Asterix, crie confusão ou seja semelhante à contrafação.”. Depois do Astérix, Trondheim pensa ainda mais: “Se eu tiver uma boa ideia com o Tintin, não hesitarei. Afinal, ainda sou um pirralho…

A Edição portuguesa d’As novas aventuras de Lapinot, estarão à venda a partir de 18 de abril de 2023 através da editora Ala dos Livros. Confira aqui:
https://www.aladoslivros.com/index.php/loja/vm-portutatis-detail 

 *com Romain Brethes