
Contemplações
Francisco Gil
Atahualpa Yupanqui, alma crioula argentina
- Partilhar 31/01/2023
Celebra-se em
2023, 0 115º aniversário do nascimento
de Atahualpa Yupanqui, o guitarrista,
poeta e cantautor argentino considerado
um dos grandes divulgadores da música
crioula argentina, cuja extensa obra
musical foi compilada por Carlos
Martínez num álbum de seis volumes, que
fala sobre o seu valioso legado.
Héctor Roberto Chavero, conhecido
artisticamente como Atahualpa Yupanqui,
nasceu a 31 de Janeiro de 1908 em Campo
de la Cruz, província de Buenos Aires.
Filho de um casal crioulo, aos seis
anos de idade começou a estudar violino
com o padre da aldeia até se virar para
a guitarra, tendo aulas com o maestro
Bautista Almirón em Junín. Aí descobriu
a música de Sor, Albéniz, Granados e
Tárrega, bem como transcrições para
guitarra de obras de Schubert, Liszt,
Beethoven, Bach e Schumann.
O
seu pseudónimo Atahualpa nasceu em 1913
durante um trabalho escolar em
homenagem ao último soberano inca, e
anos mais tarde acrescentou-lhe
Yupanqui. A tradução do seu nome
significa aquele que veio de terras
distantes para contar; derivado dos
seguintes termos quíchua: Ata "para
vir*, Hu "de longe", Alpa "terra" e
Yupanqui "para contar". Em 1917
mudou-se para Tucumán com a sua família
e aos 19 anos compôs a sua canção
popular "Camino del indio". Durante a
sua juventude, viajou por grande parte
da Argentina experimentando costumes e
sons que mais tarde incorporou nas suas
composições.
Em 1931 casou com a
sua prima María Alicia Martínez e
instalaram-se em Entre Ríos, onde
nasceu a sua filha Alma Alicia Chavero.
Um ano mais tarde, Atahualpa teve que
se exilar fora do país depois de
participar numa tentativa de golpe de
estado.
Em 1942, conheceu a
pianista Antoinette Paule Pepin
Fitzpatrick, apelidada de Nenette,
nascida em França e musicalmente
influenciada pela música argentina.
Casou com Nenette em Montevideo,
tiveram um filho, Roberto Chavero, e
mantiveram uma relação durante 48 anos.
Assinou com o pseudónimo de Pablo del
Cerro, sendo co-autora de 65 canções de
enorme sucesso entre elas as populares
"El arriero" e "Luna tucumana".
Devido à sua filiação no Partido
Comunista, Yupanqui foi censurado no
seu país natal, pelo que não podia
gravar, actuar ao vivo ou em programas
de rádio. Nessa altura, viajou para
França para actuar em Paris como
convidado especial da cantora Edith
Piaf, e lá assinou um contrato com a
companhia discográfica Chant du Monde
tendo gravado o seu primeiro LP na
Europa intitulado "Minero soy" com o
qual ganhou o primeiro prémio de melhor
disco folclórico da Academia Charles
Cros. Em 1952, demitiu-se do Partido
Comunista e em 1953 pode voltar a
gravar de forma sustentada na Argentina
efetuando numerosas actuações em Buenos
Aires e no interior do país.
Na
década de 1960 estabeleceu-se na cena
internacional, dando concertos na
Colômbia, Japão, Marrocos, Egipto,
Israel, Espanha e França, onde
finalmente se estabeleceu. Com visitas
esporadicas à Argentina, apresentou
várias obras no famoso concerto e
galeria do café La Capilla. Ao longo da
sua carreira, tocou com inúmeros
músicos e partilhou créditos com
grandes compositores, gravando mais de
1200 canções, 300 das quais da sua
autoria. Além disso, como escritor,
publicou o livro "Piedra Sola" (1941) e
o romance Cerro Bayo (1947) que
inspirou o filme "Horizontes de Piedra"
(1956).
O palco do Festival
Folclórico de Cosquín (o mais
importante da Argentina) recebeu o seu
nome em 1972; foi nomeado Cidadão
Ilustre no Estado de Vera Cruz, México
em 1973; foi condecorado pelo Governo
da Venezuela em 1978; foi nomeado
Presidente Honorário da Associação de
Trovadores de Medellín, Colômbia, em
1979; recebeu o Diploma de Honra do
Conselho Interamericano de Música da
OEA em 1983, o Prémio Konex Platinum
como autor folclórico em 1985, o Prémio
Knight of Arts and Letters do
Ministério da Cultura francês em 1986,
o título de Doutor Honoris Causa na
Universidade Nacional de Córdoba,
Argentina em 1990, a distinção de
Cidadão Distinto da Cidade de Buenos
Aires em 1991.
Em 1989, criou a
"Fundación Yupanqui", na sua casa no
Cerro Colorado, um refúgio utilizado
pelo maestro quando regressava das suas
viagens pelo mundo. Nesse ano,
Atahualpa foi hospitalizado em Buenos
Aires devido a uma doença cardíaca,
participando ainda no Festival Cosquín
em Janeiro de 1990. A 14 de Novembro
desse ano Nenette morreu, e alguns dias
mais tarde Yupanqui teve um compromisso
artístico em Paris. Em Dezembro de 1991
actuou em Buenos Aires, no que viria a
ser o seu último concerto na Argentina.
Don Ata, como foi carinhosamente
chamado, morreu a 23 de Maio de 1992 em
Nimes, França. As suas cinzas descansam
nos jardins da sua Casa Museo no Cerro
Colorado, à sombra de um carvalho junto
aos de Santiago Ayala "El Chúcaro",
onde também estão os seus livros, os punhais do seu
avô, ponchos, ferramentas e presentes
que lhe foram oferecidos por pessoas
nas suas digressões pelo mundo.
- n.44 • janeiro 2023