Fernando Correia

Crónica

Fernando Correia

SEGREDOS DE CONFESSIONÁRIO

A Comissão constituída para analisar e quantificar os abusos sexuais na Igreja Católica apresentou as suas conclusões e deu a conhecer que existem cerca de cinco mil vítimas (conhecidas) de padres e de outros membros da Igreja.

É um rosário impressionante de factos que vão desde as insinuações às carícias, masturbação, sexo oral e penetrações consumadas, tanto em rapazes como em raparigas, numa idade média preferencial de onze anos!

A situação mereceu de D. José Ornelas a qualificação de dramática e, muito naturalmente, justifica uma ponderação atenta e cuidada de um problema que não é novo, como se sabe, mas que desde 1995 foi inscrito como crime no Código Penal e desde 2007 tornado público, o que contribuiu para as dimensões trágicas atingidas e agora divulgadas.

É preciso fazer notar que a Comissão apenas contabilizou e analisou os crimes sexuais dos quais teve conhecimento, porque grande parte das vítimas refugiou-se num silêncio temente a Deus e à exposição pública, o que se percebe e justifica.

Perante os factos conhecidos e sabendo-se que muita coisa ficou por dizer, a questão que se coloca tem a ver com o facto de vários homens sentirem o chamamento de Deus e optarem pela vida eclesiástica.

Porque razão o fazem?

Por vocação? Porque a família assim o deseja? Por qualquer desgosto sofrido? Como alimento de alma? Como solução de vida?

Responder a estas questões é essencial, muito mais do que criticar a Igreja Católica por não permitir o casamento dos sacerdotes.

Porquê?

Porque nada obriga a ser Padre e porque ao iniciar os estudos eclesiásticos, os que os seguem saberem muito bem ao que andam, ao que vão e ao que os espera.

Sendo assim e prevaricando, não há desculpa!

O reconhecimento da tragédia não chega. O Papa pedir perdão pelos crimes cometidos não desculpa. O servir-se do Confessionário ou da Sacristia para cometer abusos sexuais, não tem qualquer enquadramento nas tentações e na fraqueza humanas, sendo actos repulsivos e aberrantes.

Por isso torna-se fundamental analisar os candidatos, estudar o seu comportamento, perceber a razão da escolha, avaliar a sua disponibilidade mental para uma entrega total à religião professada, entender as razões espirituais que os vão conduzir ao sacerdócio e, sobretudo, acompanhar o seu comportamento, a sua progressão e o seu crescimento na Igreja Católica.

Não o fazer é permitir que os abusos sexuais sejam continuamente praticados, até mesmo quando já se desempenham altos cargos e se atingem divisas eclesiásticas do mais elevado grau.

Não se sabe se Deus está disposto a perdoar a quem comete crimes destes, quando se deixa uma criança de onze anos marcada para toda a vida.

Creio que não.

FERNANDO CORREIA
(Jornalista e Escritor)
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