Crónica
Fernando Correia
SEGREDOS DE CONFESSIONÁRIO
- Partilhar 13/02/2023
A Comissão
constituída para analisar e quantificar os
abusos sexuais na Igreja Católica apresentou
as suas conclusões e deu a conhecer que
existem cerca de cinco mil vítimas
(conhecidas) de padres e de outros membros
da Igreja.
É um rosário
impressionante de factos que vão desde as
insinuações às carícias, masturbação, sexo
oral e penetrações consumadas, tanto em
rapazes como em raparigas, numa idade média
preferencial de onze anos!
A situação
mereceu de D. José Ornelas a qualificação de
dramática e, muito naturalmente, justifica
uma ponderação atenta e cuidada de um
problema que não é novo, como se sabe, mas
que desde 1995 foi inscrito como crime no
Código Penal e desde 2007 tornado público, o
que contribuiu para as dimensões trágicas
atingidas e agora divulgadas.
É
preciso fazer notar que a Comissão apenas
contabilizou e analisou os crimes sexuais
dos quais teve conhecimento, porque grande
parte das vítimas refugiou-se num silêncio
temente a Deus e à exposição pública, o que
se percebe e justifica.
Perante os
factos conhecidos e sabendo-se que muita
coisa ficou por dizer, a questão que se
coloca tem a ver com o facto de vários
homens sentirem o chamamento de Deus e
optarem pela vida eclesiástica.
Porque razão o fazem?
Por vocação?
Porque a família assim o deseja? Por
qualquer desgosto sofrido? Como alimento de
alma? Como solução de vida?
Responder
a estas questões é essencial, muito mais do
que criticar a Igreja Católica por não
permitir o casamento dos sacerdotes.
Porquê?
Porque nada obriga a ser
Padre e porque ao iniciar os estudos
eclesiásticos, os que os seguem saberem
muito bem ao que andam, ao que vão e ao que
os espera.
Sendo assim e
prevaricando, não há desculpa!
O
reconhecimento da tragédia não chega. O Papa
pedir perdão pelos crimes cometidos não
desculpa. O servir-se do Confessionário ou
da Sacristia para cometer abusos sexuais,
não tem qualquer enquadramento nas tentações
e na fraqueza humanas, sendo actos
repulsivos e aberrantes.
Por isso
torna-se fundamental analisar os candidatos,
estudar o seu comportamento, perceber a
razão da escolha, avaliar a sua
disponibilidade mental para uma entrega
total à religião professada, entender as
razões espirituais que os vão conduzir ao
sacerdócio e, sobretudo, acompanhar o seu
comportamento, a sua progressão e o seu
crescimento na Igreja Católica.
Não o
fazer é permitir que os abusos sexuais sejam
continuamente praticados, até mesmo quando
já se desempenham altos cargos e se atingem
divisas eclesiásticas do mais elevado grau.
Não se sabe se Deus está disposto a
perdoar a quem comete crimes destes, quando
se deixa uma criança de onze anos marcada
para toda a vida.
Creio que não.
FERNANDO CORREIA
(Jornalista e Escritor)
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- n.45 • fevereiro 2023