Fernando Correia

Crónica

Fernando Correia

CR7 NA ARÁBIA SAUDITA

Tenho lido e ouvido e, por certo, vou continuar a ler e a ouvir, as mais diversas opiniões sobre o contrato celebrado entre Cristiano Ronaldo e o AL-NASSR da Arábia Saudita, por valores inusitados e invulgares, mesmo para grandes figuras do futebol.

Os comentários andam todos à volta da “má opção” feita pelo futebolista português; da perda de visibilidade que vai ter; do facto de ignorar os graves problemas sociais e humanos da Arábia, ou colaborar neles; do volume de dinheiro que vai ganhar; de “vender a sua alma ao diabo”; de ser um mau fim de carreira para ele; e por aí fora, ao sabor do critério emocional de cada analista.

Mesmo considerando que têm todo o direito de dizer o que pensam, não posso deixar de alertar esses comentadores para a realidade de Cristiano Ronaldo que deixou de ser o menino madeirense à procura de uma vida melhor, através do futebol, para ser a marca CR7, ao chegar aos trinta e tal anos de idade.

Sendo uma marca não pensa, apenas, como um Ser Humano, nem reage como tal.

Vive num Mundo completamente à parte, de valores diferentes, construído com critérios sociais diferentes e, por vezes, até artificiais, onde o dinheiro tem um valor que não conhecemos nem entendemos e onde uma joia, vale o mesmo que um chocolate ou meia dúzia de caramelos para os mortais comuns.

Ou seja: por imperativo da vida, dos caminhos que percorreu, do seu talento para o futebol e pelo dinheiro que ganhou, Cristiano tornou-se órfão de si próprio, para passar a ser um símbolo de qualquer coisa ou mesmo a marca CR7, que não pensa como nós, não vive como nós, não age como nós, mas actua, existe e comporta-se, dentro de parâmetros completamente diferentes que são, simplesmente, os exigidos pela importância da própria marca.

E nesse caso vale quase tudo.
É verdade que se dá, nestes casos, como que uma desumanização da pessoa, para se criar um automatismo robotizado do símbolo.

Aos 38 anos de idade, multimilionário, cheio de automóveis, palácios, negócios, aviões, barcos, joias, boa roupa, mulheres que gostam dele, família que ele ampara e que ampara, sobretudo, os seus filhos, CR7 chegou a Riade para se apresentar como uma das maiores marcas, senão mesmo a maior, do futebol mundial.

Neste momento, já não é um Ser Humano igual a nós.
É outra coisa qualquer que pode jogar, não jogar, treinar, não treinar, despedir treinadores, orientar a equipa em campo, não apertar a mão a ninguém, ser mais do que um Príncipe (talvez mesmo Rei), encher o estádio com a sua figura atlética, constituir-se como Embaixador de uma candidatura mundial e rir-se um bocado com as críticas negativas que lhe fazem.

Tenho muita pena de vos dizer que o Cristiano Ronaldo já não existe como nós. Não é igual a nós.

Não é mais a criança que saiu da Madeira, a chorar pobreza, mas determinada em ser alguma coisa de invulgar neste Mundo.

E conseguiu. Por ele e pelo destino.

Agora é o CR7. É uma marca. É um símbolo. É uma história de vida, para contar aos mais pequenos, como se fazia antigamente com os contos de fada.

FERNANDO CORREIA
(Jornalista e Escritor)