
Crónica
Fernando Correia
CR7 NA ARÁBIA SAUDITA
- Partilhar 23/01/2023
Tenho lido e ouvido
e, por certo, vou continuar a ler e a ouvir,
as mais diversas opiniões sobre o contrato
celebrado entre Cristiano Ronaldo e o
AL-NASSR da Arábia Saudita, por valores
inusitados e invulgares, mesmo para grandes
figuras do futebol.
Os comentários
andam todos à volta da “má opção” feita pelo
futebolista português; da perda de
visibilidade que vai ter; do facto de
ignorar os graves problemas sociais e
humanos da Arábia, ou colaborar neles; do
volume de dinheiro que vai ganhar; de
“vender a sua alma ao diabo”; de ser um mau
fim de carreira para ele; e por aí fora, ao
sabor do critério emocional de cada
analista.
Mesmo considerando que têm
todo o direito de dizer o que pensam, não
posso deixar de alertar esses comentadores
para a realidade de Cristiano Ronaldo que
deixou de ser o menino madeirense à procura
de uma vida melhor, através do futebol, para
ser a marca CR7, ao chegar aos trinta e tal
anos de idade.
Sendo uma marca não
pensa, apenas, como um Ser Humano, nem reage
como tal.
Vive num Mundo
completamente à parte, de valores
diferentes, construído com critérios sociais
diferentes e, por vezes, até artificiais,
onde o dinheiro tem um valor que não
conhecemos nem entendemos e onde uma joia,
vale o mesmo que um chocolate ou meia dúzia
de caramelos para os mortais comuns.
Ou seja: por imperativo da vida, dos
caminhos que percorreu, do seu talento para
o futebol e pelo dinheiro que ganhou,
Cristiano tornou-se órfão de si próprio,
para passar a ser um símbolo de qualquer
coisa ou mesmo a marca CR7, que não pensa
como nós, não vive como nós, não age como
nós, mas actua, existe e comporta-se, dentro
de parâmetros completamente diferentes que
são, simplesmente, os exigidos pela
importância da própria marca.
E nesse
caso vale quase tudo.
É verdade
que se dá, nestes casos, como que uma
desumanização da pessoa, para se criar um
automatismo robotizado do símbolo.
Aos 38 anos de idade, multimilionário, cheio
de automóveis, palácios, negócios, aviões,
barcos, joias, boa roupa, mulheres que
gostam dele, família que ele ampara e que
ampara, sobretudo, os seus filhos, CR7
chegou a Riade para se apresentar como uma
das maiores marcas, senão mesmo a maior, do
futebol mundial.
Neste momento, já
não é um Ser Humano igual a nós.
É outra coisa
qualquer que pode jogar, não jogar, treinar,
não treinar, despedir treinadores, orientar
a equipa em campo, não apertar a mão a
ninguém, ser mais do que um Príncipe (talvez
mesmo Rei), encher o estádio com a sua
figura atlética, constituir-se como
Embaixador de uma candidatura mundial e
rir-se um bocado com as críticas negativas
que lhe fazem.
Tenho muita pena de
vos dizer que o Cristiano Ronaldo já não
existe como nós. Não é igual a nós.
Não é mais a criança que saiu da Madeira, a
chorar pobreza, mas determinada em ser
alguma coisa de invulgar neste Mundo.
E conseguiu. Por ele e pelo destino.
Agora é o CR7. É uma marca. É um
símbolo. É uma história de vida, para contar
aos mais pequenos, como se fazia antigamente
com os contos de fada.
FERNANDO CORREIA
(Jornalista e Escritor)
- n.44 • janeiro 2023