Crónica
Fernando Correia
PERDI MAIS UMA FEIRA
NA FEIRA DA MINHA VIDA
- Partilhar 11/07/2022
O Presidente da
Câmara Municipal, Carlos Moedas, anunciou a
desistência de Lisboa do projecto da Feira
Popular, em Carnide.
Segundo ele (e
só ele) é uma desistência por falta de
investidores e porque hoje em dia já não há
quem procure este tipo de equipamento, como
acontecia na nossa juventude (estou a falar
de nós, os mais velhos), elevando – nos ao
plano da escolha da diversão, da brincadeira
graúda, do petisco ocasional, da fartura, do
algodão doce, do carrossel, do comboio
fantasma, da grande roda, do poço da morte e
do jogo dos espelhos que nos fazia mais
gordos ou mais magros, consoante o formato,
fazendo – nos rir que é algo de muito
saudável que hoje é quase proibido fazer.
Estamos em tempo de guerra, de carestia
de vida, de inflação galopante, de
desemprego, de greves, de fome, de desespero
para conseguir sobreviver, juntamente com o
nosso agregado familiar.
Mal seria
que tentássemos ultrapassar, nem que fosse
por uma tarde ou por uma noite, esse
desespero, com uma ida à Feira Popular de
Lisboa a troco de um bilhete de ingresso
simbólico, ou de uma bifana e um copo de
cerveja, embrulhados em luzes e cobertos
pelo único som que nos protege as dívidas: o
som da vida!
Para além disso havia
emprego e trabalho para muita gente e havia
os carrinhos de choque, talvez o circo de
feira e o comboio fantasma, e uma mulher
para ler a sina.
Havia restaurantes e
artesanato, exposições, vendas solidárias e
livros…
Também havia o lago, o
comboio, a montanha russa (ou ucraniana), o
passeio de charrete e a imaginação…
Ah! A imaginação!...
Mas imaginação
sem investidor, não é possível, porque na
actual Câmara de Lisboa não há quem imagine!
O Presidente não quer.
O
Presidente nunca foi criança.
O
Presidente nunca teve um balão.
O
Presidente de feiras só conhece a “Ovibeja”.
O Presidente não avalia a dimensão e a
importância do investimento popular, nem
sabe rir de olhos arregalados para a
primeira surpresa da infância das
descobertas.
O Presidente já nasceu
apreensivo e tantas contas fez que lhe
falharam as contas da alma, porque não havia
investidor para elas.
Estou triste e
ofendido.
Triste, por mim, pelos meus
filhos, pelos meus netos, pelas crianças da
minha cidade.
Ofendido, porque me
andam a esconder a verdade e me relegam para
uma posição de subalternidade intelectual que não mereço, enquanto homem livre e
cidadão de Lisboa.
FERNANDO CORREIA
(Jornalista e Escritor)
- n.38 • julho 2022