Memórias do Futuro
Fábio d'Abadia de Sousa
Homofobia na política brasileira (Parte 1)
Bolsonaro prova do próprio veneno
- Partilhar 13/12/2021
Uma das características
mais marcantes do atual presidente do Brasil
é o seu preconceito contra homossexuais,
algo que ele sempre fez questão de ressaltar
e ostentar. Quando ainda era deputado
federal e o Congresso brasileiro discutia
uma lei para criminalizar a homofobia, em
1997, ele afirmou, conforme vídeo que
circula na internet: “Ninguém gosta de
homossexual, a gente suporta”. Em outro
vídeo, feito no mesmo ano, ele também
destilou o seu veneno contra a comunidade
LGBTQIA+: “Você contrataria um motorista gay
para levar seu filho à escola? Tá na cara
que não!” Bolsonaro, inclusive, quando
candidato à presidência da República, foi
condenado a pagar indenização por danos
coletivos, por ter dito anos antes, em
entrevista ao programa CQC, da Band, o que
faria se tivesse um filho gay: “Eu fui um
pai presente, então não corro esse risco”.
Em 2019, quando já ocupava o Palácio
do Planalto havia um ano e meio e o Supremo
Tribunal Federal (STF) tornou crime atos
preconceituosos contra homossexuais, o
presidente do Brasil afirmou à imprensa que
o STF estaria “transformando em insuportável
a nossa convivência no Brasil em virtude
dessas decisões”. Em 2020, quando
governadores e prefeitos passaram a defender
o isolamento social, por pausa da pandemia
de Covid-19 que se alastrava pelo país,
entre os vários absurdos que disse,
Bolsonaro ressaltou: “O Brasil tem que
deixar de ser um país de maricas”.
Quando se preparava para concorrer às
prévias do PSDB, partido aparentemente de
centro direita, no início do segundo
semestre de 2021, o atual governador do Rio
Grande do Sul, Eduardo Leite,
surpreendentemente, assumiu sua
homossexualidade em uma entrevista a um
talk-show da Rede Globo, o Conversa
com Bial. No outro dia, o assunto foi um
dos principais destaques no Jornal
Nacional, o telejornal de maior
audiência no País. “Nesse
Brasil, com pouca integridade nesse momento,
a gente precisa debater o que se é, para que
se fique claro e não se tenha nada a
esconder. Sou um governador gay”. Leite não
disse, mas nos bastidores da política,
sabe-se que a frase “Nesse Brasil, com pouca
integridade nesse momento” tem endereço
certo: Jair Bolsonaro e aliados. Leite sabe
que o atual ocupante da cadeira de
presidente do Brasil seria implacável com
ele, em virtude de sua orientação sexual. Ao
procurar a mídia e se assumir, Leite tomou
um antídoto contra o veneno de Bolsonaro
numa eventual disputa presidencial. A prova
de que esse veneno viria, foi a entrevista
coletiva de Bolsonaro no dia seguinte ao
outing (ato de sair do armário) de
Leite. Com uma risada de escárnio, desprezo
e frustração, o presidente da República do
Brasil ainda fez chacota em relação ao ato
de Leite de se assumir gay: “O cara ontem –
não vou falar aqui não, porque dá problema –
estava se achando o máximo, bateu no peito,
olha, eu assumi. É o cartão de visita para a
candidatura dele! Ninguém tem nada contra a
vida particular de ninguém, mas querem (sic)
impor o seu costume (sic), o seu
comportamento, para os outros, (isso) não!”
Três meses depois deste episódio, um
desses dois personagens citados acima
estaria sofrendo fortes ataques de homofobia
nas redes sociais. E não era Eduardo Leite!
Bolsonaro virou motivo de chacota de
adversários e de milhares de eleitores que
desaprovam o seu governo, por uma situação
que ele próprio provocou.
Inacreditavelmente, estava o presidente
brasileiro na Via Dutra, uma das rodovias
mais movimentados do país, em 28 de
novembro, em Resende, no interior do Rio de
Janeiro (Estado no qual o presidente fez
toda a sua carreira política), a acenar para
os motoristas que trafegavam pelo local. Uma
mulher passou e, de dentro do carro, gritou
para o presidente: “Noivinha do Aristides!”
(fato não confirmado
oficialmente). O assunto, até então incompreensível para a
maioria absoluta dos brasileiros, virou
manchete dos sites de notícias pelo
fato de que o presidente exigiu que o
aparato de Estado que o
acompanhava fosse atrás da mulher que o
ofendeu e a prendesse. Esta prisão abalou
para sempre a imagem de heterossexual
“imbroxável (sic)” e “macho puro
sangue” que o presidente faz
questão de ostentar com cansativa frequência
em seus discursos nada republicanos. A mídia
foi investigar e descobriu que o Aristides
foi um colega de farda do presidente antes
que Bolsonaro fosse expulso do exército. Se
a relação entre Aristides e Bolsonaro foi
além do coleguismo, ninguém conseguiu provar
ainda. O tal Aristide não foi encontrado,
por enquanto! Mas a confusão criada pelo
próprio Bolsonaro por causa do,
aparentemente ingênuo xingamento, levantou
muitas suspeitas. Por que ele se ofendeu
tanto com esse xingamento a ponto de exigir
a prisão da motorista?
De qualquer
forma, este episódio fez Bolsonaro provar o
gosto amargo do que é ser motivo de chacota
por causa da orientação sexual. Seja
Bolsonaro gay ou não, ele sentiu na própria
pele o que a maioria dos homossexuais
enfrenta no Brasil, o país que mais mata,
com requintes de violência, integrantes da
população LGBTQIA+ no mundo, conforme dados
das Nações Unidas.
- n.31 • dezembro 2021