Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

Homofobia na política brasileira (Parte 1)
Bolsonaro prova do próprio veneno

Uma das características mais marcantes do atual presidente do Brasil é o seu preconceito contra homossexuais, algo que ele sempre fez questão de ressaltar e ostentar. Quando ainda era deputado federal e o Congresso brasileiro discutia uma lei para criminalizar a homofobia, em 1997, ele afirmou, conforme vídeo que circula na internet: “Ninguém gosta de homossexual, a gente suporta”. Em outro vídeo, feito no mesmo ano, ele também destilou o seu veneno contra a comunidade LGBTQIA+: “Você contrataria um motorista gay para levar seu filho à escola? Tá na cara que não!” Bolsonaro, inclusive, quando candidato à presidência da República, foi condenado a pagar indenização por danos coletivos, por ter dito anos antes, em entrevista ao programa CQC, da Band, o que faria se tivesse um filho gay: “Eu fui um pai presente, então não corro esse risco”.

Em 2019, quando já ocupava o Palácio do Planalto havia um ano e meio e o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou crime atos preconceituosos contra homossexuais, o presidente do Brasil afirmou à imprensa que o STF estaria “transformando em insuportável a nossa convivência no Brasil em virtude dessas decisões”. Em 2020, quando governadores e prefeitos passaram a defender o isolamento social, por pausa da pandemia de Covid-19 que se alastrava pelo país, entre os vários absurdos que disse, Bolsonaro ressaltou: “O Brasil tem que deixar de ser um país de maricas”.

Quando se preparava para concorrer às prévias do PSDB, partido aparentemente de centro direita, no início do segundo semestre de 2021, o atual governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, surpreendentemente, assumiu sua homossexualidade em uma entrevista a um talk-show da Rede Globo, o Conversa com Bial. No outro dia, o assunto foi um dos principais destaques no Jornal Nacional, o telejornal de maior audiência no País.  “Nesse Brasil, com pouca integridade nesse momento, a gente precisa debater o que se é, para que se fique claro e não se tenha nada a esconder. Sou um governador gay”. Leite não disse, mas nos bastidores da política, sabe-se que a frase “Nesse Brasil, com pouca integridade nesse momento” tem endereço certo: Jair Bolsonaro e aliados. Leite sabe que o atual ocupante da cadeira de presidente do Brasil seria implacável com ele, em virtude de sua orientação sexual. Ao procurar a mídia e se assumir, Leite tomou um antídoto contra o veneno de Bolsonaro numa eventual disputa presidencial. A prova de que esse veneno viria, foi a entrevista coletiva de Bolsonaro no dia seguinte ao outing (ato de sair do armário) de Leite. Com uma risada de escárnio, desprezo e frustração, o presidente da República do Brasil ainda fez chacota em relação ao ato de Leite de se assumir gay: “O cara ontem – não vou falar aqui não, porque dá problema – estava se achando o máximo, bateu no peito, olha, eu assumi. É o cartão de visita para a candidatura dele! Ninguém tem nada contra a vida particular de ninguém, mas querem (sic) impor o seu costume (sic), o seu comportamento, para os outros, (isso) não!”

Três meses depois deste episódio, um desses dois personagens citados acima estaria sofrendo fortes ataques de homofobia nas redes sociais. E não era Eduardo Leite! Bolsonaro virou motivo de chacota de adversários e de milhares de eleitores que desaprovam o seu governo, por uma situação que ele próprio provocou. Inacreditavelmente, estava o presidente brasileiro na Via Dutra, uma das rodovias mais movimentados do país, em 28 de novembro, em Resende, no interior do Rio de Janeiro (Estado no qual o presidente fez toda a sua carreira política), a acenar para os motoristas que trafegavam pelo local. Uma mulher passou e, de dentro do carro, gritou para o presidente: “Noivinha do Aristides!”
(fato não confirmado oficialmente). O assunto, até então incompreensível para a maioria absoluta dos brasileiros, virou manchete dos sites de notícias pelo fato de que o presidente exigiu que o aparato de Estado  que o acompanhava fosse atrás da mulher que o ofendeu e a prendesse. Esta prisão abalou para sempre a imagem de heterossexual “imbroxável (sic)” e “macho puro sangue”  que o presidente faz questão de ostentar com cansativa frequência em seus discursos nada republicanos. A mídia foi investigar e descobriu que o Aristides foi um colega de farda do presidente antes que Bolsonaro fosse expulso do exército. Se a relação entre Aristides e Bolsonaro foi além do coleguismo, ninguém conseguiu provar ainda. O tal Aristide não foi encontrado, por enquanto! Mas a confusão criada pelo próprio Bolsonaro por causa do, aparentemente ingênuo xingamento, levantou muitas suspeitas. Por que ele se ofendeu tanto com esse xingamento a ponto de exigir a prisão da motorista?

De qualquer forma, este episódio fez Bolsonaro provar o gosto amargo do que é ser motivo de chacota por causa da orientação sexual. Seja Bolsonaro gay ou não, ele sentiu na própria pele o que a maioria dos homossexuais enfrenta no Brasil, o país que mais mata, com requintes de violência, integrantes da população LGBTQIA+ no mundo, conforme dados das Nações Unidas
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