Fabiano de Abreu

A razão por meio da ciência

Fabiano de Abreu Rodrigues

Perda progressiva de memória em pacientes recuperados da Covid-19

Mesmo anulando a hipótese da Sars-CoV-2 / Covid-19, já estávamos a sofrer devido às dificuldades na memorização. A cultura de um povo, vinculada à ansiedade e como esta é conduzida, assim como fatores genéticos, são precursores para as consequencias/sintomas que podemos observar em pacientes recuperados da Covid-19, entre eles, dificuldade de concentração, raciocínio e memória. Neste artigo, de forma resumida, escrevo sobre a relação do novo coronavírus, Covid-19, com o sistema nervoso central, que pode resultar em sequelas permanentes ou progressivas no foco atencional, compreensão, memória e como tentar reverter este quadro mediante a neuroplasticidade cerebral. Efeitos da infecção também têm relação com uma maior propensão a episódios de trombose, AVC, insuficiência renal e cardíaca, fibrose pulmonar, entre outros fatores, mas o foco será na minha área, neurociência e mais especificamente na memória.

O Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), no Brasil, mostrou que 80% das pessoas recuperadas da Covid-19 apresentaram perda de memória. Solicitei aos psicólogos membros do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito (CPAH), um relatório dos recuperados e também relataram um alto índice desses sintomas como; dificuldade de concentração, problemas de compreensão, sonolência, falta de equilíbrio, problemas no raciocínio e na memória. Os dados do Brasil não necessariamente refletem os mesmos números percentuais de outros países uma vez que outros fatores interferem, entre eles, o facto do brasileiro ser considerado o povo mais ansioso do mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Um estudo no centro médico académico Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, publicado na revista médica “Alzheimer`s Research & Therapy” aponta que a Covid-19 é capaz de provocar neuroinflamações semelhantes às causadas pela doença de Alzheimer, comprovando que o vírus pode ter impacto em vários genes ou vias envolvidas na neuroinflamação e lesão microvascular cerebral. Este estudo confirma que proteínas presentes no Sars-CoV-2 / Covid-19 permitem que o vírus ultrapasse a barreira hematoencefálica, que é uma estrutura de permeabilidade altamente seletiva que protege e bloqueia a entrada de substâncias neurotóxicas no sangue para o cérebro.

Uma análise de dados publicado na revista científica “The Lancet Psychiatry” com dados de 236.379 pacientes, revelou que um a cada três infectados pelo Covid-19 foram diagnosticados com efeitos neurológicos seis meses após a infecção. Outros estudos apontam casos de sequelas neurológicas em pessoas com outras doenças como Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars-CoV-1), Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) com comprometimento continuo de memória e défices cognitivos. Há então relação das doenças respiratórias mais graves com o foco atencional para um processo de memorização. A névoa no cérebro, impedindo a capacidade de pensar com clareza, foram os relatos de diversos pacientes.

A atenção, a depender do tipo, envolve regiões no cérebro como a formação reticular e suas ligações como as áreas frontais, estruturas límbicas, tálamo e os gânglios basais, quando é um sistema ativador reticular ascendente ou rede de alerta. Áreas relacionadas com o córtex parental posterior, núcleo pulvinar lateral do tálamo e o colículo superior no sistema atencional posterior ou rede de orientação. Área relacionada com o córtex pré-frontal dorsolateral, córtex orbito-frontal, córtex cingulado anterior, área motora suplementária e o núcleo caudado no sistema atencional anterior ou rede de execução, ou seja, o foco atencional tem relação com o sistema límbico, núcleos da base no cérebro e os córtices. Analisando o cérebro de pessoas com o transtorno mais conhecido da atenção que é o Transtorno por Défice de Atenção com Hiperatividade (TDAH), onde a pessoa tem dificuldade para enfocar, controlar a atenção e na conduta, descobriu-se diferenças anatómicas no núcleo accumbens, no núcleo caudado, no putâmen, na amígdala, hipocampo, tálamo e nas áreas pré-frontais.

As células neuronais precisam de um fluxo ininterrupto de oxigénio para seu correto funcionamento, foi relatado uma queda do nível de oxigénio sanguíneo em alguns pacientes com SARS-CoV-2 que pode ser denominada como hipóxia silenciosa, que tem como sintomas falta de ar, fadiga, desorientação, confusão, perda de memória, problemas cognitivos, entre outros. Os astrócitos podem modular a respiração liberando ATP que age em um receptor específico no neurónio controlando a respiração. Essa relação dos astrócitos, “ajudantes” dos neurónios e o sistema respiratório, justificam os danos cerebrais consequente a doenças respiratórias graves.

Os astrócitos são células gliais que servem como suporte protegendo, sustentando e nutrindo os neurónios através da corrente sanguínea. O SARS-CoV-2 o usa como veículo para infectar o cérebro, mesmo esta glia tendo a função de manter as partículas nocivas à distância. Os astrócitos são infetados pelo vírus porque expressam a proteína ACE2 a que o vírus se "agarra". As mitocôndrias dos astrócitos, responsáveis pela produção de energia, se alteram devido a diminuição dos níveis de piruvato, como consequência do lactato pelo maior consumo de glicose da célula infectada, influenciando neurotransmissores como glutamato, relacionado com a memória e o aprendizado e o GABA, inibidor de disparo excessivo que promove a sensação de calma e relaxamento.

A perda de memória é relatada em muitos casos e em alguns pode ser irreversível como qualquer modificação no organismo, mas o cérebro é plástico, podendo recuperar o funcionamento mediante práticas que favoreçam a neuroplasticidade. Exercícios para melhorar a função cognitiva podem ajudar a combater o problema, a depender do caso, pode ser necessário o uso de medicamentos e/ou suplementação. O treinamento cerebral envolve aprender coisas novas, saindo da zona de conforto com mudança de hábitos, exercícios, dieta direcionada à memória, exercícios de lógica e jogos de memória.