A razão por meio da ciência
Fabiano de Abreu Rodrigues
Perda progressiva de memória em pacientes recuperados da Covid-19
- Partilhar 06/10/2021
Mesmo anulando a hipótese da Sars-CoV-2 /
Covid-19, já estávamos a sofrer devido às
dificuldades na memorização. A cultura de um
povo, vinculada à ansiedade e como esta é
conduzida, assim como fatores genéticos, são
precursores para as consequencias/sintomas
que podemos observar em pacientes
recuperados da Covid-19, entre eles,
dificuldade de concentração, raciocínio e
memória. Neste artigo, de forma resumida,
escrevo sobre a relação do novo coronavírus,
Covid-19, com o sistema nervoso central, que
pode resultar em sequelas permanentes ou
progressivas no foco atencional,
compreensão, memória e como tentar reverter
este quadro mediante a neuroplasticidade
cerebral. Efeitos da infecção também têm
relação com uma maior propensão a episódios
de trombose, AVC, insuficiência renal e
cardíaca, fibrose pulmonar, entre outros
fatores, mas o foco será na minha área,
neurociência e mais especificamente na
memória.
O Instituto do Coração
(InCor) do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (USP), no Brasil,
mostrou que 80% das pessoas recuperadas da
Covid-19 apresentaram perda de memória.
Solicitei aos psicólogos membros do Centro
de Pesquisas e Análises Heráclito (CPAH), um
relatório dos recuperados e também relataram
um alto índice desses sintomas como;
dificuldade de concentração, problemas de
compreensão, sonolência, falta de
equilíbrio, problemas no raciocínio e na
memória. Os dados do Brasil não
necessariamente refletem os mesmos números
percentuais de outros países uma vez que
outros fatores interferem, entre eles, o
facto do brasileiro ser considerado o povo
mais ansioso do mundo, segundo dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS). Um
estudo no centro médico académico Cleveland
Clinic, nos Estados Unidos, publicado na
revista médica “Alzheimer`s Research &
Therapy” aponta que a Covid-19 é capaz de
provocar neuroinflamações semelhantes às
causadas pela doença de Alzheimer,
comprovando que o vírus pode ter impacto em
vários genes ou vias envolvidas na
neuroinflamação e lesão microvascular
cerebral. Este estudo confirma que proteínas
presentes no Sars-CoV-2 / Covid-19 permitem
que o vírus ultrapasse a barreira
hematoencefálica, que é uma estrutura de
permeabilidade altamente seletiva que
protege e bloqueia a entrada de substâncias
neurotóxicas no sangue para o cérebro.
Uma análise de dados publicado na
revista científica “The Lancet Psychiatry”
com dados de 236.379 pacientes, revelou que
um a cada três infectados pelo Covid-19
foram diagnosticados com efeitos
neurológicos seis meses após a infecção.
Outros estudos apontam casos de sequelas
neurológicas em pessoas com outras doenças
como Síndrome Respiratória Aguda Grave
(Sars-CoV-1), Síndrome Respiratória do
Oriente Médio (MERS) com comprometimento
continuo de memória e défices cognitivos. Há
então relação das doenças respiratórias mais
graves com o foco atencional para um
processo de memorização. A névoa no cérebro,
impedindo a capacidade de pensar com
clareza, foram os relatos de diversos
pacientes.
A atenção, a depender do
tipo, envolve regiões no cérebro como a
formação reticular e suas ligações como as
áreas frontais, estruturas límbicas, tálamo
e os gânglios basais, quando é um sistema
ativador reticular ascendente ou rede de
alerta. Áreas relacionadas com o córtex
parental posterior, núcleo pulvinar lateral
do tálamo e o colículo superior no sistema
atencional posterior ou rede de orientação.
Área relacionada com o córtex pré-frontal
dorsolateral, córtex orbito-frontal, córtex
cingulado anterior, área motora
suplementária e o núcleo caudado no sistema
atencional anterior ou rede de execução, ou
seja, o foco atencional tem relação com o
sistema límbico, núcleos da base no cérebro
e os córtices. Analisando o cérebro de
pessoas com o transtorno mais conhecido da
atenção que é o Transtorno por Défice de
Atenção com Hiperatividade (TDAH), onde a
pessoa tem dificuldade para enfocar,
controlar a atenção e na conduta,
descobriu-se diferenças anatómicas no núcleo
accumbens, no núcleo caudado, no putâmen, na
amígdala, hipocampo, tálamo e nas áreas
pré-frontais.
As células neuronais
precisam de um fluxo ininterrupto de
oxigénio para seu correto funcionamento, foi
relatado uma queda do nível de oxigénio
sanguíneo em alguns pacientes com SARS-CoV-2
que pode ser denominada como hipóxia
silenciosa, que tem como sintomas falta de
ar, fadiga, desorientação, confusão, perda
de memória, problemas cognitivos, entre
outros. Os astrócitos podem modular a
respiração liberando ATP que age em um
receptor específico no neurónio controlando
a respiração. Essa relação dos astrócitos,
“ajudantes” dos neurónios e o sistema
respiratório, justificam os danos cerebrais
consequente a doenças respiratórias graves.
Os astrócitos são células gliais que
servem como suporte protegendo, sustentando
e nutrindo os neurónios através da corrente
sanguínea. O SARS-CoV-2 o usa como veículo
para infectar o cérebro, mesmo esta glia
tendo a função de manter as partículas
nocivas à distância. Os astrócitos são
infetados pelo vírus porque expressam a
proteína ACE2 a que o vírus se "agarra". As
mitocôndrias dos astrócitos, responsáveis
pela produção de energia, se alteram devido
a diminuição dos níveis de piruvato, como
consequência do lactato pelo maior consumo
de glicose da célula infectada,
influenciando neurotransmissores como
glutamato, relacionado com a memória e o
aprendizado e o GABA, inibidor de disparo
excessivo que promove a sensação de calma e
relaxamento.
A perda de memória é
relatada em muitos casos e em alguns pode
ser irreversível como qualquer modificação
no organismo, mas o cérebro é plástico,
podendo recuperar o funcionamento mediante
práticas que favoreçam a neuroplasticidade.
Exercícios para melhorar a função cognitiva
podem ajudar a combater o problema, a
depender do caso, pode ser necessário o uso
de medicamentos e/ou suplementação. O
treinamento cerebral envolve aprender coisas
novas, saindo da zona de conforto com
mudança de hábitos, exercícios, dieta
direcionada à memória, exercícios de lógica
e jogos de memória.
- n.29 • outubro 2021