Espelho Cinemático
Daniela Graça
Os Olhos de Allan Poe (2023)
- Partilhar 10/01/2023
O thriller
Os Olhos de Allan Poe (título original:
The Pale Blue Eye), protagonizado por
Christian Bale, é a produção original mais
recente da Netflix. O filme dirigido e
escrito por Scott Cooper, baseado no livro
homónimo de Louis Bayard publicado em 2006,
estreou a 6 de janeiro na plataforma de
streaming.
O enredo do mistério
decorre durante o inverno ríspido de 1830 na
base militar de West Point no estado de Nova
Iorque. O detetive Augustus Landor
(Christian Bale) é discretamente contratado
pela Academia Militar dos Estados Unidos
para investigar a morte de um cadete que foi
encontrado enforcado numa árvore. O caso
complica-se quando é revelado que alguém
mutilou o cadáver e removeu o coração.
Landor é um detetive competente e com
muita experiência, que se afastou da
profissão e da sociedade por escolha
própria, mas que encontra agora obstáculos
na investigação devido à rigidez da
mentalidade militar. O ambiente social da
Academia é tão agreste e frio quanto o clima
ambiental que os rodeia. Os cadetes, regidos
pelo código de silêncio e pela cultura de
punição, não falam abertamente e os
oficiais, por sua vez, são obcecados com
estatuto e apenas desejam uma resposta
rápida e clara que não afete o prestígio da
Academia Militar.
Porém, Landor
encontra o aliado mais invulgar para o
ajudar na investigação: um jovem cadete
muito inteligente, estranho e sensível,
chamado Edgar Allan Poe. Sim, o famoso
escritor e poeta americano, o pioneiro do
género literário de histórias de detetive, é
quem ajuda o nosso protagonista. É verdade
que o autor se alistou no exército por
razões económicas e esteve destacado em West
Point, mas os factos verídicos acabam por aí
porque, afinal de contas, este é um conto
ficcional e o que interessa é o espírito de
Poe. O nosso Poe ficcional, representado
pelo ator Harry Melling, vê a vertente
poética e simbólica da carnificaria cometida
- “O coração é um símbolo ou não é nada.
Retire o símbolo e o que tem? É uma
mão-cheia de músculo sem mais interesse
estético que uma bexiga” explica a Landor.
Os dois homens desenvolvem uma afinidade
emocional. Talvez este laço nasça do
respeito intelectual mútuo; talvez seja por
ambos serem forasteiros reclusos que não se
enquadram ou, talvez ainda, por ambos serem
assombrados por pessoais reais – Poe pela
mãe falecida, Landor pela filha desaparecida
– ou talvez por todas estas semelhanças e
tantas outras.
Entretanto, o caos
multiplica-se quando o assassino volta a
atacar e vitimiza outro cadete usando o
mesmo método. Landor apoia-se na introspeção
de Poe e continua a investigação destes
homicídios aparentemente satanistas. O
elenco do filme inclui ainda Gillian
Anderson, Toby Jones, Lucy Boynton e Harry
Lawtey que formam a peculiar família Marquis
que Landor investigará; Charlotte Gainsbourg
como a proprietária de uma taberna e Robert
Duvall como um perito em questões do oculto.
Com 2 horas e 10 minutos de duração o
filme demora-se na ação primária que serve
apenas de embuste, de uma forma algo
esperada e desinteressante, para a
reviravolta final. Os Olhos de Allan Poe
é um filme com um meio moroso enquadrado por
um início e final magnéticos. Porém, tanto
Christian Bale e Harry Melling maravilham
nos respetivos papéis.
A vasta
natureza paisagística coberta de neve; as
árvores grandes e rios gelados; e os fortes
e tabernas pontilhados pelo azul-escuro do
uniforme dos militares adequam-se
harmoniosamente ao tom desta história. Os
Olhos de Allan Poe é uma história em que
os vivos são assombrados pelos mortos. É
funesto, gélido e sombrio, mas também é
romântico e empático. É um filme que revela
ser mais do que um filme de mistério ao
invocar temáticas de vingança e de expiação.
Os Olhos de Allan Poe é um ótimo
filme para passar um bom serão durante os
dias mais frios do inverno.
Classificação: ★★★
- n.44 • janeiro 2023