Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

O Menu (2022)

O Menu é a adição mais recente ao crescente número de sátiras sobre o capitalismo moderno e, desta vez, a alegoria transporta-nos para o mundo dos aficionados de restaurantes gourmet. O filme, que conta com realização de Mark Mylod e argumento de Seth Reiss e Will Tracy, chegou às salas de cinemas portuguesas a 1 de dezembro.

As diferenças económicas entre as classes sociais foram sempre um assunto predileto para cineastas. Porém, nestes últimos anos, e especialmente após Parasitas (2019) de Bong Jong-Hoo ter conquistado vários Óscares em 2020, tornou-se claro que o público tem cada vez mais apetite por filmes dentro dos géneros de thriller e humor negro que satirizem o capitalismo, como por exemplo, O Ritual (2019), Não Olhem Para Cima (2021) e, mais recentemente, O Triângulo da Tristeza (2022).

Em O Menu, o casal Tyler (Nicholas Hoult) e Margot (Anya Taylor-Joy) viajam até uma ilha privada para jantar no Hawthorne, um restaurante superexclusivo destinado apenas aos mais ricos que têm o luxo de poder gastar 1250 dólares numa única refeição, e saborear a ementa do talentoso chef Slowik (Ralph Fiennes). A ementa de Hawthorne é diferente todas as noites e é planeada até ao mais pequeno detalhe com toda a dedicação. O restaurante tem uma lotação limitada de 12 pessoas e conseguir um lugar é um motivo de orgulho.

Os restantes convidados que acompanham o jovem casal são uma crítica gastronómica elitista (Janet McTeer) e o seu editor (Paul Adelstein); um trio de amigos que trabalham numa grande empresa tecnológica (Rob Yang, Arturo Castro e Mark St. Cyr); um casal de idosos milionários (Reed Birney e Judith Light); um ator outrora famoso (John Leguizamo) e a sua assistente/namorada (Aimee Carrero). Por fim, e de forma a totalizar os 12 convidados, temos uma idosa (Rebecca Koon) sozinha numa mesa ao canto que, mais tarde, é revelada ser a mãe de Slowik. Os convidados são guiados pela chefe de mesa (Hong Chau) para o que promete ser uma noite inesquecível.

A atitude calculista, assertiva e calma com que o chef Slowik conduz a sua equipa e restaurante maravilha Tyler, um autoproclamado perito gastronómico, mas Margot não está minimamente impressionada ou interessada pelos pratos extremamente elaborados. A verdade é que Margot foi convidada à última hora por Tyler depois da sua parceira o deixar. Margot é como um peixe fora de água, simplesmente não se enquadra com o perfil social dos outros convidados, e o chef Slowik repara nela de imediato, não só porque não tem aprecio pelo requinte da sua arte, mas porque ela não fazia parte do plano de ementa meticulosamente aperfeiçoado com cada convidado em mente. “Não devia estar aqui”, confessa o chef à jovem que fica cada vez mais desconfortável.

A teatralidade do menu de Slowik passa rapidamente de um tom intrigante para sombrio quando os pratos revelam ser mensagens insultuosas e acusatórias para cada convidado. Confusão instala-se e ânimos exaltam-se. E eis a revelação do chef, que assume agora a função de juiz e carrasco orgulhosamente, e explica como este menu tão especial, desde as ementas à sobremesa, é um longo plano de vingança e que todos os convidados irão morrer porque representam tudo o que está errado com a atual cultura gastronómica. Ricos que pagam não para saborear as ementas criadas com tanto esforço todas as noites, mas sim porque é uma prova de estatuto para eles. O pretensiosismo, elitismo, desinteresse, desrespeito e ego desta classe de pessoas corroeram a paixão de Slowik e isso é um crime imperdoável.

A famosa expressão “a vingança é um prato que se serve frio” não se aplica a um chef, a ira de Slowik não consegue ser contida num só prato, é preciso um menu inteiro. É um jogo de opressores versus oprimidos, ricos versus pobres, os que servem versus os que são servidos. E Margot tem agora de escolher e agir corretamente para sobreviver.

A desconexão da realidade e pretensiosidade destes convidados gera trocas de diálogo engraçadas que são o ponto alto do guião e se adequam na perfeição ao tom de humor do filme. Mas falta subtileza ao argumento, as motivações são óbvias e as críticas básicas, ou seja, depois da camada superficial não há muito mais nada de substância. E apesar de umas quantas reviravoltas interessantes, estas surpresas acabam por se tornar algo entediantes porque o chef aparenta ter sempre o controlo da situação. Inicialmente, o filme lembra um pouco os contos de Agatha Christie ao ter vários desconhecidos presos no mesmo sítio sob perigo mortal, mas ao contrário dessas histórias em O Menu a maioria das personagens são esquecidas com o decorrer do filme e passam para segundo plano. Anya Taylor-Joy e Ralph Fiennes detêm o foco e os seus performances são o aspeto mais forte e memorável do filme.

Se o filme O Menu fosse uma refeição seria uma refeição decente, mas que não sacia a fome.
 

Classificação: ★★★