Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Alma Viva (2022)

Alma Viva é a primeira longa-metragem da cineasta luso-francesa Cristèle Alves Meira, autora das curtas Sol Branco (2015), Campo de Víboras (2016) e Invisível Herói (2019). O filme foi apresentado pela primeira vez em maio na 75ª edição do Festival de Cannes e em setembro foi selecionado pela Academia Portuguesa de Cinema como candidato português aos Óscares 2023.  Alma Viva, produzido pela Midas Filmes em coprodução com França e Bélgica, chegou às salas portuguesas no passado dia 3 de novembro.

Alma Viva é uma história fictícia marcada por realismo mágico, mas baseada nas experiências reais da autora. Todos os verões, a nossa protagonista e guia, a pequena Salomé (Lua Michel), filha de emigrantes portugueses em França, visita a terra natal da mãe em Trás-os-Montes. Salomé conhece todos os cantos da casa e sabe todos os caminhos da aldeia e dos montes que a rodeiam. Ela acompanha as rezas e canções que a avó (Éster Catalão) lhe ensina com toda a naturalidade e certidão - uma prova incontestável do laço emocional e espiritual que a une à matriarca da família, considerada uma bruxa por muitos dos aldeões. Mas depois da avó morrer inesperadamente durante a noite, Salomé convence-se que foi possuída pelo espírito dela.

O corpo da velha senhora ainda está por enterrar e os seus filhos, os adultos da família, criam o caos ao discutirem incessantemente sobre dinheiro. As diferenças monetárias e os rancores individuais entre os filhos que emigraram e os que ficaram em Portugal tornam-se óbvias. Entretanto, Salomé deambula pela aldeia de noite, possuída pelo espírito da avó, e procura vingar-se da vizinha que acredita ser a culpada pela morte da avó. A menina sucede e fere a vizinha, mas a força espiritual que comanda o corpo de Salomé continua inquieta. Rapidamente o comportamento anormal de Salomé é descoberto pelos habitantes da aldeia, que ficam convencidos que “a garota tem o Diabo no corpo”, e confrontam a família de Salomé, a família das bruxas.

Em Alma Viva os espíritos são reais porque as pessoas acreditam; os mitos e rituais fazem parte do legado vivo comunitário desta pequena aldeia. As preces e cânticos à luz das celas; os chás de ervas; São Jorge, o santo guerreiro; as máscaras e as festas; as tradições antigas… Tudo isto torna o surreal em algo palpável, e é pelos olhos de Salomé, uma criança que confronta pela primeira vez a morte de alguém que ama, que o realismo mágico ganha forma e respira.

Alma Viva é um filme profundamente autêntico que explora o ruralismo, o espiritualismo, o núcleo familiar, a questão da emigração e o papel das mulheres que se rebelam em comunidades tradicionais, “mais tarde ou mais cedo, todas as mulheres independentes serão acusadas de bruxaria”. O filme foi rodado em Junqueira, a aldeia da mãe de Cristèle Alves Meira, e o elenco é composto por atores profissionais e não-atores da região, incluindo a atriz Lua Michel, filha de Cristèle. A receita da cineasta, em que a fantasia e o real convergem e dialogam até alcançarem um equilíbrio, resulta em cenas incrivelmente familiares e tangíveis que a maioria da audiência certamente reconhecerá. Um filme extremamente rico em cultura e simbolismo no qual o humor e a tragédia coexistem em simultâneo.
 

Classificação: ★★★★