Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Nope (2022)

Jordan Peele, o ator e comediante tornado realizador, estabeleceu-se como uma das vozes mais promissoras do género de terror com os filmes Foge (2017) e Nós (2019). Nope, a terceira longa-metragem escrita e realizada por Peele, volta a comprovar o engenho do realizador para assustar e maravilhar a audiência. A estreia do filme ocorreu a 18 de julho em Los Angeles e um mês mais tarde, a 18 de agosto, chegou às salas de cinema portuguesas, e revelou ser um dos melhores filmes do verão, que muito tem dado de falar, pelos seus mistérios e simbolismos.  Nope é um filme de puro terror que é parte western, parte-ficção científica, no qual um OVNI aterroriza os donos de um rancho de cavalos na Califórnia.

O filme conta com os atores Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Brandon Perea, Steven Yeun e Michael Wincott no elenco principal; e ainda com o diretor de fotografia Hoyte van Hoytema, cujo portfólio inclui Interstellar (2014), Dunkirk (2017) e Tenet (2020); e também com o editor, e colaborador de longa data de Peele, Nicholas Monsour.

Os heróis desta trama são os irmãos Haywood, o OJ (Daniel Kaluuya) e a Em (Keke Palmer), que depois da morte inesperada do pai, o fundador do rancho Haywood onde cavalos são treinados para produções cinematográficas, passam por dificuldades económicas que ameaçam o encerramento do negócio. De forma a assegurar a sobrevivência do rancho, OJ começa a vender alguns dos cavalos a Ricky “Jupe” Park (Steven Yeun), uma ex-estrela de cinema e televisão infantil que se tornou dono de um rancho aberto ao público para entretenimento.

Desde início é evidente que as circunstâncias que rodeiam o rancho Haywood não são só uma questão de azar, mas sim efeito de uma causa sobrenatural: a queda de pequenos objetos do céu, como moedas e chaves, que vitimou o pai de OJ e Em; o comportamento estranho dos cavalos; as falhas de energia elétrica sem explicação aparente. Estas suspeitas são confirmadas quando um OVNI é avistado a sobrevoar o rancho e os irmãos Haywood, ao reconhecer uma oportunidade de ouro e motivados pela falta de dinheiro, decidem capturar prova de vida alienígena em vídeo. Para ajudar a concretizar esta missão entra em cena o jovem Angel Torres (Brandon Perea), técnico numa loja de produtos eletrónicos e conspiracionista de extraterrestres, e posteriormente, junta-se também ao grupo o diretor de fotografia e documentarista, Antlers Host (Michael Wincott).

A grande surpresa e complicação do enredo, descoberta e revelada por OJ, é que o disco voador não é uma nave espacial que transporta figuras humanóides vindas de outros planetas como Hollywood prometera, mas é sim o próprio extraterrestre. Ou seja, o objeto que os aterroriza não se trata de nenhum objeto, mas sim de um ser inteligente. Um predador gigantesco que voa e devora tudo que tenha pulso e depois esconde-se por entre as nuvens, omnipresente e inalcançável, um verdadeiro Leviatã dos céus vindo dos confins do espaço. Um monstro que evolui da sua forma oval ancestral para uma forma final, que se desmembra e se expande, como uma medusa que se move pelo ar em vez da água. Esta revelação física final é o pontífice num filme que é visualmente cativante de início ao fim.

A origem do extraterrestre, ou do Jean Jacket como é apelidado por OJ, é desconhecida, mas a razão pela qual fez deste vale californiano sossegado o seu território torna-se clara para OJ: Jupe tentou domesticar um predador e usá-lo como atração principal do seu rancho, mas o tiro saiu-lhe pela culatra e foi devorado. Porque afinal de contas, e sendo este um filme assinado por Jordan Peele que usa o género do terror para ridicularizar a sociedade moderna, o Jean Jacket não é o único monstro do filme, há um outro monstro em jogo: a cultura do espetáculo. Desde a rendição total de Jupe aos horrores do espetáculo em nome do lucro; passando pelo estado permanente de vigia devido à obsessão contemporânea com a perpétua documentação fotográfica; tocando até mesmo na insensibilidade que rege a indústria do entretenimento e dos média. Desta forma e através de simbolismos e paralelos, Peele põe a sociedade do espetáculo debaixo do holofote em Nope.

Nope
é uma convergência de referências culturais e géneros fílmicos com uma cinematografia e design de produção originais, coloridos e marcantes. A receita incomum de western moderno e ficção-científica clássica resulta no filme de terror perfeito, desde as sequências horríficas das vítimas no interior do aparelho digestivo do extraterrestre às sequências emocionantes do OJ montado no cavalo pronto a enfrentar um inimigo do tamanho de um titã. É um filme de terror recheado de momentos divertidos graças à química entre as personagens e as suas personalidades que chocam umas com as outras. Todos os performances do elenco principal elevam o filme, mas é a Keke Palmer como Em, extrovertida e inquieta, e o Daniel Kaluuya como OJ, sério, calado e focado no trabalho, evocando os cowboys dos velhos clássicos, que dominam o ecrã e perduram na memória.

Nope, é o filme de Jordan Peele com a premissa mais simples, mas é também o filme mais criativo e ambicioso do realizador até à data. Incrivelmente imersivo e visualmente estimulante.

Classificação: ★★★★★