
Espelho Cinemático
Daniela Graça
Nope (2022)
- Partilhar 05/09/2022

Jordan Peele,
o ator e comediante tornado realizador,
estabeleceu-se como uma das vozes mais
promissoras do género de terror com os
filmes Foge (2017) e Nós
(2019). Nope, a terceira
longa-metragem escrita e realizada por
Peele, volta a comprovar o engenho do
realizador para assustar e maravilhar a
audiência. A estreia do filme ocorreu a 18
de julho em Los Angeles e um mês mais tarde,
a 18 de agosto, chegou às salas de cinema
portuguesas, e revelou ser um dos melhores
filmes do verão, que muito tem dado de
falar, pelos seus mistérios e simbolismos. Nope
é um filme de puro terror que é parte
western, parte-ficção científica, no qual um
OVNI aterroriza os donos de um rancho de
cavalos na Califórnia.
O filme
conta com os atores Daniel Kaluuya, Keke
Palmer, Brandon Perea, Steven Yeun e Michael
Wincott no elenco principal; e ainda com o
diretor de fotografia Hoyte van Hoytema,
cujo portfólio inclui Interstellar
(2014), Dunkirk (2017) e Tenet
(2020); e também com o editor, e colaborador
de longa data de Peele, Nicholas Monsour.
Os heróis desta trama são os irmãos
Haywood, o OJ (Daniel Kaluuya) e a Em (Keke
Palmer), que depois da morte inesperada do
pai, o fundador do rancho Haywood onde
cavalos são treinados para produções
cinematográficas, passam por dificuldades
económicas que ameaçam o encerramento do
negócio. De forma a assegurar a
sobrevivência do rancho, OJ começa a vender
alguns dos cavalos a Ricky “Jupe” Park
(Steven Yeun), uma ex-estrela de cinema e
televisão infantil que se tornou dono de um
rancho aberto ao público para
entretenimento.
Desde início é
evidente que as circunstâncias que rodeiam o
rancho Haywood não são só uma questão de
azar, mas sim efeito de uma causa
sobrenatural: a queda de pequenos objetos do
céu, como moedas e chaves, que vitimou o pai
de OJ e Em; o comportamento estranho dos
cavalos; as falhas de energia elétrica sem
explicação aparente. Estas suspeitas são
confirmadas quando um OVNI é avistado a
sobrevoar o rancho e os irmãos Haywood, ao
reconhecer uma oportunidade de ouro e
motivados pela falta de dinheiro, decidem
capturar prova de vida alienígena em vídeo.
Para ajudar a concretizar esta missão entra
em cena o jovem Angel Torres (Brandon
Perea), técnico numa loja de produtos
eletrónicos e conspiracionista de
extraterrestres, e posteriormente, junta-se
também ao grupo o diretor de fotografia e
documentarista, Antlers Host (Michael
Wincott).
A grande surpresa e
complicação do enredo, descoberta e revelada
por OJ, é que o disco voador não é uma nave
espacial que transporta figuras humanóides
vindas de outros planetas como Hollywood
prometera, mas é sim o próprio
extraterrestre. Ou seja, o objeto que os
aterroriza não se trata de nenhum objeto,
mas sim de um ser inteligente. Um predador
gigantesco que voa e devora tudo que tenha
pulso e depois esconde-se por entre as
nuvens, omnipresente e inalcançável, um
verdadeiro Leviatã dos céus vindo dos
confins do espaço. Um monstro que evolui da
sua forma oval ancestral para uma forma
final, que se desmembra e se expande, como
uma medusa que se move pelo ar em vez da
água. Esta revelação física final é o
pontífice num filme que é visualmente
cativante de início ao fim.
A origem
do extraterrestre, ou do Jean Jacket como é
apelidado por OJ, é desconhecida, mas a
razão pela qual fez deste vale californiano
sossegado o seu território torna-se clara
para OJ: Jupe tentou domesticar um predador
e usá-lo como atração principal do seu
rancho, mas o tiro saiu-lhe pela culatra e
foi devorado. Porque afinal de contas, e
sendo este um filme assinado por Jordan
Peele que usa o género do terror para
ridicularizar a sociedade moderna, o Jean
Jacket não é o único monstro do filme, há um
outro monstro em jogo: a cultura do
espetáculo. Desde a rendição total de Jupe
aos horrores do espetáculo em nome do lucro;
passando pelo estado permanente de vigia
devido à obsessão contemporânea com a
perpétua documentação fotográfica; tocando
até mesmo na insensibilidade que rege a
indústria do entretenimento e dos média.
Desta forma e através de simbolismos e
paralelos, Peele põe a sociedade do
espetáculo debaixo do holofote em Nope.
Nope é uma convergência de
referências culturais e géneros fílmicos com
uma cinematografia e design de produção
originais, coloridos e marcantes. A receita
incomum de western moderno e
ficção-científica clássica resulta no filme
de terror perfeito, desde as sequências
horríficas das vítimas no interior do
aparelho digestivo do extraterrestre às
sequências emocionantes do OJ montado no
cavalo pronto a enfrentar um inimigo do
tamanho de um titã. É um filme de terror
recheado de momentos divertidos graças à
química entre as personagens e as suas
personalidades que chocam umas com as
outras. Todos os performances do elenco
principal elevam o filme, mas é a Keke
Palmer como Em, extrovertida e inquieta, e o
Daniel Kaluuya como OJ, sério, calado e
focado no trabalho, evocando os cowboys dos
velhos clássicos, que dominam o ecrã e
perduram na memória.
Nope, é
o filme de Jordan Peele com a premissa mais
simples, mas é também o filme mais criativo
e ambicioso do realizador até à data.
Incrivelmente imersivo e visualmente
estimulante.
Classificação: ★★★★★
- n.40 • setembro 2022