Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Não Está Tudo Bem (2022)

Não Está Tudo Bem (título original: Not Okay) é uma comédia satírica sobre influencers digitais. O filme da autoria de Quinn Shephard conta com Zoey Deutch no papel de Danni Sanders, uma aspirante a influencer, sedenta por atenção e fama. O filme estreou a 29 de julho e foi lançado diretamente em plataformas de streaming, com distribuição na Hulu nos Estados Unidos e na Disney Plus nos restantes países, incluindo Portugal.

O filme inicia-se com um aviso de conteúdo irónico em que se lê “Este filme contém luzes estroboscópicas, temas de trauma, e uma protagonista detestável. O conteúdo pode ferir suscetibilidades”.  Aviso este que serve como amostra do tom humorístico do filme e como crítica da personagem principal. Conhecemos Danni após a implosão das consequências das mentiras que fabricou. Fechada no quarto, com lágrimas a escorrer pela face e os olhos colados ao ecrã do computador enquanto clica em vários artigos, comentários e vídeos de ódio a ela direcionados. Por meio de narração confessa-nos como desejava ser reconhecida e amada, como sonhava em ser alguém importante, e depois quebra a narração e a quarta parede, dirigindo-se diretamente à audiência, e avisa-nos para termos cuidado com o que se deseja. De seguida, através de analepse, retrocedemos na história para o princípio da trama.

Danni Sanders é uma jovem adulta preocupada com as trends atuais e presa à câmara frontal do telemóvel da mesma forma que Narcisso ficou cativado pela sua reflexão na água. Quando não está a tirar selfies ou a ver vídeos de influencers, por norma, está ocupada a ignorar prazos de trabalhos que tem a entregar na empresa de jornalismo digital viral (semelhante ao Buzzfeed) onde está empregada como editora de fotografia. O seu foco está em tornar-se alguém mais importante, desejo este fruto não só da vaidade e egocentrismo que definem o seu carácter, mas também de uma solidão debilitante uma vez que não tem amigos e os colegas de trabalho não gostam dela. Quando por sorte do acaso encontra na rua Collin (Dylan O’Brien), o colega de trabalho e influencer pelo qual se sente atraída, ela aproveita esta chance para o impressionar ao afirmar que foi convidada para um workshop de escrita em Paris e, pela primeira vez, Collin verdadeiramente repara nela.

Danni, entusiasmada com a reação que obteve e desesperada por seguidores e fama, leva essa pequena mentira para outro nível quando começa a postar no Instagram fotografias manipuladas no Photoshop e cria uma realidade em que está em Paris. Porém, quando um ataque terrorista ocorre em Paris a fabricação que criou fica em risco de ser descoberta, mas rapidamente percebe que pode aproveitar esta tragédia e a sua mentira evolui para ter presenciado o atentado terrorista e sobrevivido.  De forma a tornar a sua mentira ainda mais realista Danni frequenta um grupo de apoio para vítimas de atentados onde conhece a jovem Rowan (Mia Isaac), uma sobrevivente de um tiroteio numa escola, e uma figura famosa no movimento de legislação de armas. Danni, reconhecendo uma oportunidade de ouro, rapidamente aproxima-se de Rowan e torna-se sua amiga, tendo como objetivo aprender a ser como ela por via de imitação. Ao utilizar o trauma, a dor e a empatia a jovem ganha cada vez mais clicks e likes, mais seguidores, o carinho dos colegas de trabalho, a atenção de Collin, e quando publica o seu artigo e cria uma hashtag viral consegue alcançar, finalmente, o seu objetivo de ser famosa. Mas essa fama tão desejada rapidamente se transforma em infâmia quando uma colega de Danni descobre o seu segredo e a põe entre a espada e a parede.

Enquanto comédia o filme tem momentos bons em que a futilidade, ignorância e privilégio originam cenas de diálogo caricatas uma vez que a desconexão com a realidade é tão gritante que se torna ridículo. As dinâmicas entre certas personagens são bastante cómicas, nomeadamente entre a Danni e a chefe de trabalho quando a tenta chamar a atenção sem sucesso ou ainda entre a Danni e o Collin, o influencer superficial que deixa sempre uma nuvem de fumo de vape atrás por onde quer que passe. Enquanto sátira falta-lhe acidez, por outras palavras, é como uma faca pouco afiada. A ironia e sarcasmo estão presentes, mas são minados pelo teor honesto, e quase justiceiro, da crítica social presente ao longo do filme, especialmente quando relativa ao trauma da Rowan e a violência dos tiroteios nos Estados Unidos, que ceifam tantas vidas por ano. O filme demarca uma posição ao condenar a violência e as ações explorativas de tragédias para proveito próprio, defendendo que a protagonista não tem direito a uma redenção e que tem de sofrer as consequências. Mas apesar do filme explicitar desde o início que a protagonista é uma pessoa detestável, a verdade é que é feita uma contextualização da personagem (a depressão diagnosticada, a solidão e falta de propósito) que acabam por gerar alguma empatia. De qualquer das maneiras, o seu final está definido, e ela sai de cena, sendo engolida pelas sombras, não há lugares ou holofotes para Danni Sanders nesta sociedade, a crítica é clara.

Em termos técnicos a cinematografia é adequadamente vibrante para o mundo superficial de aparências online e enaltecida por uma banda sonora de música Pop. Algumas das sequências são criativas com slides, enquadramentos e cores que invocam a energia das transições de vídeos em redes sociais, mas aplicado de forma cinemática ao filme.

De forma geral Não Está Tudo Bem é um filme decente, com alguns bons momentos de comédia, mas que deixa a desejar enquanto sátira. No entanto, a crítica social é sólida e relevante à atualidade, abordando e recriminado a obsessão com atenção a qualquer custo nos espaços digitais, a ignorância nascida do privilégio, a superficialidade que germina nas redes sociais e a violência na sociedade norte-americana.

Classificação: ★★★