Espelho Cinemático
Daniela Graça
Não Está Tudo Bem (2022)
- Partilhar 02/08/2022
Não Está
Tudo Bem (título original:
Not Okay) é uma comédia satírica sobre
influencers digitais. O filme da
autoria de Quinn Shephard conta com Zoey
Deutch no papel de Danni Sanders, uma
aspirante a influencer, sedenta por
atenção e fama. O filme estreou a 29 de
julho e foi lançado diretamente em
plataformas de streaming, com
distribuição na Hulu nos Estados Unidos e na
Disney Plus nos restantes países, incluindo
Portugal.
O filme inicia-se com um
aviso de conteúdo irónico em que se lê “Este
filme contém luzes estroboscópicas, temas de
trauma, e uma protagonista detestável. O
conteúdo pode ferir suscetibilidades”.
Aviso este que serve como amostra do tom
humorístico do filme e como crítica da
personagem principal. Conhecemos Danni após
a implosão das consequências das mentiras
que fabricou. Fechada no quarto, com
lágrimas a escorrer pela face e os olhos
colados ao ecrã do computador enquanto clica
em vários artigos, comentários e vídeos de
ódio a ela direcionados. Por meio de
narração confessa-nos como desejava ser
reconhecida e amada, como sonhava em ser
alguém importante, e depois quebra a
narração e a quarta parede, dirigindo-se
diretamente à audiência, e avisa-nos para
termos cuidado com o que se deseja. De
seguida, através de analepse, retrocedemos
na história para o princípio da trama.
Danni Sanders é uma jovem adulta
preocupada com as trends atuais e
presa à câmara frontal do telemóvel da mesma
forma que Narcisso ficou cativado pela sua
reflexão na água. Quando não está a tirar
selfies ou a ver vídeos de influencers,
por norma, está ocupada a ignorar prazos de
trabalhos que tem a entregar na empresa de
jornalismo digital viral (semelhante ao
Buzzfeed) onde está empregada como editora
de fotografia. O seu foco está em tornar-se
alguém mais importante, desejo este fruto
não só da vaidade e egocentrismo que definem
o seu carácter, mas também de uma solidão
debilitante uma vez que não tem amigos e os
colegas de trabalho não gostam dela. Quando
por sorte do acaso encontra na rua Collin
(Dylan O’Brien), o colega de trabalho e
influencer pelo qual se sente atraída,
ela aproveita esta chance para o
impressionar ao afirmar que foi convidada
para um workshop de escrita em Paris e, pela
primeira vez, Collin verdadeiramente repara
nela.
Danni, entusiasmada com a
reação que obteve e desesperada por
seguidores e fama, leva essa pequena mentira
para outro nível quando começa a postar no
Instagram fotografias manipuladas no
Photoshop e cria uma realidade em que está
em Paris. Porém, quando um ataque terrorista
ocorre em Paris a fabricação que criou fica
em risco de ser descoberta, mas rapidamente
percebe que pode aproveitar esta tragédia e
a sua mentira evolui para ter presenciado o
atentado terrorista e sobrevivido. De forma
a tornar a sua mentira ainda mais realista
Danni frequenta um grupo de apoio para
vítimas de atentados onde conhece a jovem
Rowan (Mia Isaac), uma sobrevivente de um
tiroteio numa escola, e uma figura famosa no
movimento de legislação de armas. Danni,
reconhecendo uma oportunidade de ouro,
rapidamente aproxima-se de Rowan e torna-se
sua amiga, tendo como objetivo aprender a
ser como ela por via de imitação. Ao
utilizar o trauma, a dor e a empatia a jovem
ganha cada vez mais clicks e likes,
mais seguidores, o carinho dos colegas de
trabalho, a atenção de Collin, e quando
publica o seu artigo e cria uma hashtag
viral consegue alcançar, finalmente, o seu
objetivo de ser famosa. Mas essa fama tão
desejada rapidamente se transforma em
infâmia quando uma colega de Danni descobre
o seu segredo e a põe entre a espada e a
parede.
Enquanto comédia o filme tem
momentos bons em que a futilidade,
ignorância e privilégio originam cenas de
diálogo caricatas uma vez que a desconexão
com a realidade é tão gritante que se torna
ridículo. As dinâmicas entre certas
personagens são bastante cómicas,
nomeadamente entre a Danni e a chefe de
trabalho quando a tenta chamar a atenção sem
sucesso ou ainda entre a Danni e o Collin, o
influencer superficial que deixa
sempre uma nuvem de fumo de vape
atrás por onde quer que passe.
Enquanto sátira falta-lhe acidez, por outras
palavras, é como uma faca pouco afiada. A
ironia e sarcasmo estão presentes, mas são
minados pelo teor honesto, e quase
justiceiro, da crítica social presente ao
longo do filme, especialmente quando
relativa ao trauma da Rowan e a violência
dos tiroteios nos Estados Unidos, que ceifam
tantas vidas por ano. O filme demarca uma
posição ao condenar a violência e as ações
explorativas de tragédias para proveito
próprio, defendendo que a protagonista não
tem direito a uma redenção e que tem de
sofrer as consequências. Mas apesar do filme
explicitar desde o início que a protagonista
é uma pessoa detestável, a verdade é que é
feita uma contextualização da personagem (a
depressão diagnosticada, a solidão e falta
de propósito) que acabam por gerar alguma
empatia. De qualquer das maneiras, o seu
final está definido, e ela sai de cena,
sendo engolida pelas sombras, não há lugares
ou holofotes para Danni Sanders nesta
sociedade, a crítica é clara.
Em
termos técnicos a cinematografia é
adequadamente vibrante para o mundo
superficial de aparências online e
enaltecida por uma banda sonora de música
Pop. Algumas das sequências são criativas
com slides, enquadramentos e cores que
invocam a energia das transições de vídeos
em redes sociais, mas aplicado de forma
cinemática ao filme.
De forma geral
Não Está Tudo Bem é um filme decente,
com alguns bons momentos de comédia, mas que
deixa a desejar enquanto sátira. No entanto,
a crítica social é sólida e relevante à
atualidade, abordando e recriminado a
obsessão com atenção a qualquer custo nos
espaços digitais, a ignorância nascida do
privilégio, a superficialidade que germina
nas redes sociais e a violência na sociedade
norte-americana.
Classificação: ★★★
- n.39 • agosto 2022