Espelho Cinemático
Daniela Graça
Competição Oficial (2021)
- Partilhar 04/04/2022
A co-produção espanhola-argentina
Competição Oficial, protagonizado por
Penélope Cruz, António Bandeiras e Oscar
Martínez, estreou nos cinemas portugueses a
24 de março. O projeto é dirigido pelo duo
de realizadores Gastón Duprat e Mariano
Cohn, que contam com um longo trajeto de
colaborações cinematográficas.
Competição Oficial trata-se de uma
comédia dramática com uma ideia simples, mas
original: Humberto Suaréz (José Luís Gomez),
um magnata da indústria farmacêutica
obscenamente rico, decide impulsivamente
financiar e produzir o melhor filme de
sempre para ser lembrado como o homem por
detrás dessa produção. Suaréz contrata Lola
Cuevas (Penélope Cruz), uma realizadora
renomeada e irreverente, e esta, por sua
vez, traz a bordo do projeto dois atores
talentosos de círculos bastante diferentes:
Félix Rivero (António Banderas), uma estrela
de cinema extremamente popular
internacionalmente, e Iván Torres (Oscar
Martínez), ator de teatro e professor de
prestígio, conhecido pelo título de “Mestre”
dentro do círculo artístico das artes de
representação. A escolha de atores de Lola
foi feita de forma consciente para
aproveitar a diferença entre ambos e
cultivar a rivalidade e utilizá-la para dar
forma às personagens do filme. Esta tensão
entre os dois artistas, que irão fazer de
irmãos no filme de Lola, é posta à prova e
intensifica-se com o decorrer das sessões de
ensaios.
A rivalidade e o ego
artístico e pessoal dominam toda a ação do
filme, no fundo, são o centro gravitacional
da história. A importância do legado está no
centro das motivações das personagens: o
bilionário com desejos de imortalizar-se por
meio de um legado positivo; a realizadora
que se define como genial, incompreensível e
sensível; a estrela de cinema e os seus
prémios, cheques milionários e mansões e o
ator elitista que olha com repugnância tudo
aquilo que é popular e adorado pelas massas.
São os egos exacerbados das
personagens que tornam Competição Oficial
tão aliciente, divertido e, por vezes,
chocante. A rivalidade existe primeiramente
entre os dois homens, mas a relação do trio
é igualmente tensa e volátil. Lola,
completamente rendida à sua visão artística,
é exaustiva e implacável gerando o caos com
exercícios arriscados durante os ensaios. A
rivalidade entre Félix e Iván transborda
toxicamente dentro e fora de cena, e cresce
até se tornar ódio, ao ponto de poderem
traçar-se paralelos entre a vida real dos
atores e o par de irmãos fictícios que
representam. Por fim, todo este desdém
culmina em reviravoltas surpreendentes e
consequências desastrosas que ameaçam o
plano inicial do filme de Lola.
Competição Oficial executa
brilhantemente uma ideia original ao criar
um guião cativante e fazer um excelente uso
do talento do elenco que protagoniza o
filme. É ainda elevado por uma
cinematografia e direção de arte que enfoca
a magnitude dos edifícios e salas de ensaios
remetendo, desta forma, para o tamanho do
ego destes artistas. Outra faceta louvável é
ainda o empenho em demonstrar a intensidade
e intimidade da arte da representação ao
executar planos grandes em que o ator olha
diretamente para o público como se fosse o
seu parceiro de cena.
Com uma
duração de quase duas horas Competição
Oficial nunca perde o ritmo ou o fio à
meada. E apesar da qualidade excêntrica das
personagens, usada naturalmente para
fortalecer a comédia e drama do enredo, há
um fundo de verdade nas perguntas que surgem
sobre prestígio, cultura do espetáculo,
popularidade, criatividade e ingenuidade
artística, porque é, afinal de contas, um
filme sobre fazer filmes. “O que é um bom
filme? Quem decide? Por gostares de algo
significa que é verdadeiramente bom?” são
várias das perguntas que borbulham por entre
disputas e confissões.
Competição
Oficial é um daqueles filmes com a
qualidade rara de nos prender desde início e
perdurar na mente muito depois de sairmos da
sala de cinema.
Classificação: ★★★★★
- n.35 • abril 2022