Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Competição Oficial (2021)

A co-produção espanhola-argentina Competição Oficial, protagonizado por Penélope Cruz, António Bandeiras e Oscar Martínez, estreou nos cinemas portugueses a 24 de março. O projeto é dirigido pelo duo de realizadores Gastón Duprat e Mariano Cohn, que contam com um longo trajeto de colaborações cinematográficas.

Competição Oficial trata-se de uma comédia dramática com uma ideia simples, mas original: Humberto Suaréz (José Luís Gomez), um magnata da indústria farmacêutica obscenamente rico, decide impulsivamente financiar e produzir o melhor filme de sempre para ser lembrado como o homem por detrás dessa produção. Suaréz contrata Lola Cuevas (Penélope Cruz), uma realizadora renomeada e irreverente, e esta, por sua vez, traz a bordo do projeto dois atores talentosos de círculos bastante diferentes: Félix Rivero (António Banderas), uma estrela de cinema extremamente popular internacionalmente, e Iván Torres (Oscar Martínez), ator de teatro e professor de prestígio, conhecido pelo título de “Mestre” dentro do círculo artístico das artes de representação. A escolha de atores de Lola foi feita de forma consciente para aproveitar a diferença entre ambos e cultivar a rivalidade e utilizá-la para dar forma às personagens do filme. Esta tensão entre os dois artistas, que irão fazer de irmãos no filme de Lola, é posta à prova e intensifica-se com o decorrer das sessões de ensaios.

A rivalidade e o ego artístico e pessoal dominam toda a ação do filme, no fundo, são o centro gravitacional da história. A importância do legado está no centro das motivações das personagens: o bilionário com desejos de imortalizar-se por meio de um legado positivo; a realizadora que se define como genial, incompreensível e sensível; a estrela de cinema e os seus prémios, cheques milionários e mansões e o ator elitista que olha com repugnância tudo aquilo que é popular e adorado pelas massas.

São os egos exacerbados das personagens que tornam Competição Oficial tão aliciente, divertido e, por vezes, chocante. A rivalidade existe primeiramente entre os dois homens, mas a relação do trio é igualmente tensa e volátil. Lola, completamente rendida à sua visão artística, é exaustiva e implacável gerando o caos com exercícios arriscados durante os ensaios. A rivalidade entre Félix e Iván transborda toxicamente dentro e fora de cena, e cresce até se tornar ódio, ao ponto de poderem traçar-se paralelos entre a vida real dos atores e o par de irmãos fictícios que representam. Por fim, todo este desdém culmina em reviravoltas surpreendentes e consequências desastrosas que ameaçam o plano inicial do filme de Lola.

Competição Oficial executa brilhantemente uma ideia original ao criar um guião cativante e fazer um excelente uso do talento do elenco que protagoniza o filme.  É ainda elevado por uma cinematografia e direção de arte que enfoca a magnitude dos edifícios e salas de ensaios remetendo, desta forma, para o tamanho do ego destes artistas. Outra faceta louvável é ainda o empenho em demonstrar a intensidade e intimidade da arte da representação ao executar planos grandes em que o ator olha diretamente para o público como se fosse o seu parceiro de cena.  

Com uma duração de quase duas horas Competição Oficial nunca perde o ritmo ou o fio à meada. E apesar da qualidade excêntrica das personagens, usada naturalmente para fortalecer a comédia e drama do enredo, há um fundo de verdade nas perguntas que surgem sobre prestígio, cultura do espetáculo, popularidade, criatividade e ingenuidade artística, porque é, afinal de contas, um filme sobre fazer filmes. “O que é um bom filme? Quem decide? Por gostares de algo significa que é verdadeiramente bom?” são várias das perguntas que borbulham por entre disputas e confissões.

Competição Oficial é um daqueles filmes com a qualidade rara de nos prender desde início e perdurar na mente muito depois de sairmos da sala de cinema.

Classificação: ★★★★★