
Espelho Cinemático
Daniela Graça
A Vida Extraordinária de Louis Wain
- Partilhar 01/02/2022

A Vida
Extraordinária de Louis Wain
estreou nas salas de cinema portuguesas a 20
de janeiro. Este filme biográfico, da
autoria do realizador Will Sharpe, é
protagonizado pelo ator Benedict Cumberbatch
que encarna o enigmático artista britânico
que encantou o mundo com as suas pinturas de
gatos caracterizadas por um estilo único
reconhecível (e imitado) até à nossa
atualidade. Esta produção britânica traz ao
grande ecrã a vida e obra de Louis Wain,
seguindo as suas peripécias desde a década
final de 1800 até 1930.
Inicialmente, a personagem de Louis Wain
enquadra-se perfeitamente no arquétipo de
génio excêntrico, estranho e com pouca
aptidão social. Arquétipo este pelo qual o
ator Benedict Cumberbatch é conhecido
(Sherlock na série homónima da BBC, Alan em
The Imitation Game, Doctor Strange no
universo cinemático da Marvel). Conhecemos
Wain num frenesim, sempre em movimento,
dedicado a todas as suas paixões em
simultâneo, desde composição de óperas às
suas patentes, porém não tem sucesso nessas
experiências. Sendo um pintor talentoso,
Wain encontra nas ilustrações para o jornal
a forma para providenciar para as irmãs mais
novas e mãe, visto que era a sua
responsabilidade enquanto chefe de família.
Wain é audaz, frenético e completamente
obcecado pela ideia de “eletricidade”, a
ideia de energia como força omnipresente e
capaz de solucionar todos os males.
A criatividade e necessidade de
desvendar a misteriosa “eletricidade” parte
não só da curiosidade inerente ao jovem
artista, mas também de uma dor profunda, que
assume forma em pesadelos e neuroses
presentes desde criança. Como se tornam
então os gatos o objeto de interesse nas
pinturas de Wain, um artista torturado e
brilhante? A resposta é simples: devido à
sua esposa, Emily Richardson (Claire Foy).
Pouco tempo depois de se casarem, Emily é
diagnosticada com cancro. É nessa altura que
o casal encontra um gato bebé e adota-o como
animal de estimação, algo incompreensível
para a altura, e Louis começa a desenhar o
gatinho, Peter, para Emily. Incentivado pela
esposa, Louis mostra os desenhos dos gatos
ao editor do jornal e estes são publicados.
As ilustrações de Louis são uma
revolução artística e social, tornaram-se
extramente populares rapidamente e mudaram a
opinião pública sobre gatos, outrora olhados
com desconfiança foram agora elevados a
animais de estimação adoráveis. Este sucesso
deve-se, tal como a esposa e amigos próximos
de Wain afirmam, ao facto de o pintor ser o
primeiro a entender a natureza dos gatos
(forasteiros; ridículos, mas ternurentos;
assustadiços, mas corajosos) e expressá-la
com esse leque de facetas, em parte por ele
próprio partilhar essas mesmas
características.
Mesmo depois da dor
descomunal que foi perder Emily, depois da
queda da popularidade das suas ilustrações e
do seu estatuto social e económico, Louis
continuou a desenhar gatos até ao fim e a
sua fixação na “eletricidade” apenas
aumentou. A evolução na sua arte demonstra
esse mesmo declínio mental e emocional,
chegando a ter traços psicadélicos.
O
mais louvável em A Extraordinária Vida de
Louis Wain é a dedicação em contar
visualmente a história no estilo artístico
que reflete o artista e a sua época. Os
exemplos são vários desde pesadelos filmados
de forma a lembrar os filmes do início do
séc. XX tingidos em azul a sequências
psicadélicas perto do internamento de Wain.
Mas, o mais admirável são os planos que se
transformam ao ponto de se assemelharem a
quadros autênticos com pinceladas, por meio
de efeitos visuais, desfoque, tonalidade e
vivacidade da luz e das cores na paisagem,
capturando e imortalizando a “eletricidade”
a que Louis se refere quando estava na
presença de Emily, aquela energia única, a
conexão e amor sentidos naqueles momentos, o
pontífice do belo capaz de solucionar tudo.
A Extraordinária Vida de Louis Wain
é um filme em termos estilísticos
maximalista, decidido a reproduzir o
sentimento da obra e carácter do pintor, que
pela maior parte mantém uma narrativa coesa
e interessante, balançando o eufórico e
disfórico da vida elétrica de Wain.
Classificação: ★★★★
- n.33 • fevereiro 2022