Estreia
NAYOLA
Um filme de
José Manuel Ribeiro
- Partilhar 07/04/2023
Nayola é um filme
animado sobre os 25 anos de guerra civil em
Angola e a falta de liberdade que o povo
continua a enfrentar atualmente.
O
guião de Virgílio Almeida a partir de uma
peça de teatro de José Eduardo Agualusa e
Mia Couto apresenta uma jovem mulher que
luta contra os abusos de poder com a ajuda
da sua música. A história alterna-se com a
história da sua mãe, que partiu durante a
pior parte da guerra para tentar encontrar o
seu pai, que desapareceu.
O filme de
José Miguel Ribeiro é muitas vezes muito
duro. Mostra os horrores de uma guerra civil
que não poupou ninguém. Podemos ver os
combates, as mortes e também a destruição
que afetou algumas cidades.
Seguindo
a personagem principal, que dá nome à obra,
viajamos por lugares por vezes devastados em
busca do amor da jovem mulher que deixou a
sua filha para trás.
A obra é regularmente sonhadora e oferece
sequências de grande beleza onde o desenho
por vezes muda completamente e por vezes é
esboçado ou sugerido.
Algumas
passagens são realmente soberbas e desenham
uma poderosa alegoria contra a guerra.
Quando a narrativa retorna ao presente,
descobrimos outra forma de resistência
através de uma jovem que luta com as suas
palavras contra a violência do Estado.
As cores muito brilhantes reforçam por
vezes a devastação que vemos. Por sua vez, é
feita uma ode à natureza, evocando o
equilíbrio fundamental, o que reforça o
contraste com os horrores da guerra.
Uma dimensão espiritual é também
acrescentada à história. Assim, a personagem
principal é acompanhada por um estranho
chacal. A personagem Nayola, vagueará por lugares desolados
onde as marcas da guerra podem ser vistas em
busca do amor da sua vida. Uma verdadeira
poesia escorrega no coração de alguns tiros,
tornando-os ainda mais pungentes.
A
música é extraordinária. Desde a sonoridade
típica de Bonga até ao rap contestatário da
mulher da nova geração, trazendo um vento de
revolta entre os jovens que querem ser
livres numa nova sociedade.
A
interligação entre os diferentes períodos
onde decorre o relato da guerra, é
fantástico. Nas três gerações de mulheres
que ajudam a desenhar a história violenta de
um país. Desde a avó que evoca um passado
mais distante onde a violência já estava,
infelizmente, presente, à filha que busca o
marido perdido em combate, à neta que anseia
por se libertar de um mundo que a oprime.
Nayola é um bom filme de animação que
nos permite mergulhar no passado sangrento
recente e no presente conturbado de um país
através de uma bela história de amor. A
história alterna entre passado e presente e
mostra tanto uma busca baseada no amor como
uma luta pela liberdade. Beneficia de uma
animação cuidadosa e por vezes onírica que
atrai o espectador para um turbilhão de
horror e sentimentos. Através dela,
descobrimos o destino de um país
transportado por sentimentos humanos
universais.
A obra é singular e por
vezes extremamente poderosa. As suas
propostas visuais são verdadeiramente
marcantes e permanecem na memória por muito
tempo. Por isso, não se deve hesitar em
descobrir uma longa-metragem que é tão fora
do comum e oferece um grande contraste entre
certas imagens de grande beleza e o
indizível que está por detrás delas.
O nascimento do projeto:
Em 2013, quando José Miguel Ribeiro leu a
peça de Eduardo Agualusa e Mia Couto
intitulada “A Caixa preta”, o cineasta foi
tocado pela forma como mostram as
consequências de uma guerra recente sobre
uma família, do ponto de vista de três
gerações diferentes de mulheres. O
realizador recorda:
“A forma como a
tensão é construída até à revelação final
com uma personagem por detrás de uma máscara
que não pode tocar no presente”. Mas, porque
a guerra era apenas uma memória distante,
Virgílio Almeida criou a viagem de Nayola
através da guerra no deserto do Namibe que
completa a história e expande a dimensão
poética e mágica do filme”.
A
história de Nayola tem lugar entre 1995 e
2011, um período que abrange a última fase
da guerra civil angolana e os primeiros anos
de paz no país. O conflito durou um total de
26 anos, durante os quais foram assinados
vários tratados e protocolos de paz, que
nunca foram cumpridos. Se a guerra está
presente na história como está na vida dos
habitantes do país, NAYOLA é mais a história
da vida de três gerações de mulheres da
mesma família: Lelena (a avó), Nayola (a
filha), Yara (a neta).
José Miguel
Ribeiro e a sua equipa levaram cinco anos e
duas viagens a Angola para fazer uma extensa
pesquisa sobre a história e cultura do país
(se possível do ponto de vista das mulheres,
como no livro “Combater duas vezes” da
angolana Margarida Paredes, onde há
testemunhos de mulheres individuais que
lutaram nas guerras coloniais e civis). O
cineasta afirma:
“Para os elementos
visuais, fomos influenciados pelas máscaras
africanas e pela arte contemporânea, que nos
inspiraram a desenhar as personagens e a
criar os fundos com cores fortes e pincéis
ásperos. A música angolana desempenha um
papel central no filme ao colocar-nos neste
período com a arte de músicos como David Zé,
Mário Rui Silva, e o bem conhecido Bonga”.
Em 2015, Luaty Beirão, um rapper
angolano, foi condenado por um tribunal em
Luanda, juntamente com 16 outros ativistas a
penas de prisão que vão de dois a oito anos
por terem planeado uma rebelião contra o
Presidente José Eduardo dos Santos.
Influenciado por este acontecimento, José
Miguel Ribeiro percebeu que o filme tinha de
incorporar esta realidade e que a filha de
Nayola, Yara, podia ser uma poderosa rapper,
exigindo justiça social e retratando uma
nova geração a lutar por esta justiça
através das armas da música...
“Logo
a seguir, descobrimos a rapper Medusa num
vídeo do youtube. Na Medusa estava a
energia, a coragem e a fragilidade de que
precisávamos. Foi então que procurámos os
outros atores principais no elenco. Seis
meses depois, em 2019, fomos a Angola para
trabalhar com eles, para sentir o seu ritmo,
para conhecer a sua história, a sua forma de
falar, as suas línguas ancestrais e para
deixar toda esta verdade entrar no filme.
Este momento de divisão mudou profundamente
a primeira versão do nosso projeto para
criar uma segunda versão, mais autêntica e
criativa”, diz o realizador.
Em 2020,
José Miguel Ribeiro e a sua equipa estavam
prontos para iniciar a produção de Nayola,
apresentada em 2022 na cidade francesa de
Annecy, no Animation Film Festival.
- n.47 • abril 2023