Insólita Viagem
José Manuel Simões
Nestes tempos, precisamos aprender a amar de novo
- Partilhar 23/08/2022
Música é união, comunhão, laços,
emoção. Juntar mil músicos (!!!), cantores,
guitarristas, baixistas, bateristas, de
todas as idades, sexo, preferências sexuais
e etnias, em locais de eleição em volta de
canções emblemáticas que fazem parte da vida
de muitos de nós, é algo de admirável.
A
primeira destas canções que juntou mil
músicos e que um amigo me deu a conhecer -
daí se intitular “Rockin’1000” - foi gravada
em Cesena e tinha como objetivo pedir aos
Foo Fighters para irem atuar naquela região
de Itália, “terra de paixão e criatividade”.
Daí resultou “um milagre”, como o intitulou
o sonhador desta ideia, Fabio Zaffagnini. A
canção chama-se sintomaticamente “Learn
to Fly” e pode ser ouvida e vista ao
ponto de nos espantar. Não é certamente por
acaso que o vídeo foi visto mundialmente por
mais de 32 milhões de pessoas.
Depois desta, que ouvi vezes sem conta
de seguida, encontrei outras canções
memoráveis igualmente tocadas por mil
músicos como “Bitter
Sweet Symponhy” dos The Verve,
Highway to Hell, dos ACDC, neste caso
gravada no Estádio de França em Paris, e no
mesmo local, em 2019, um tema conhecido de
todos nós, “Smoke
and Water”, dos Deep Purple. Regozijei
particularmente ao ouvir os 1000 a
interpretarem a minha banda rock francesa
preferida de sempre, os Telephone, com “Un
Autre Monde”!!!
De busca em
busca, encontrei “I Was Made For Lovin’You”,
dos Kiss, “Bohemian Rapsody”, dos Queen,
“Another Brick In The Wall”, dos Pink Floyd
- neste caso com 400 músicos e um coro de
crianças - “Enter Sandman”, dos Metallica,
com 500 músicos, “Where is My Mind”, dos
Pixies, “21 Guns” dos Green Day tocada por
70 músicos no Strykovskiy Park, Samara,
Rússia, “Should I Stay or Should I Go”, dos
Clash ou, e neste particular por gostar
muito da Holanda, dos holandeses e desta
fabulosa canção do Neil Young, “Rockin
in the free world”, gravada por 250
músicos no meio da cidade de Haarlem.
Sei que muitos vão considerar estas
canções, aqui tocados e cantadas em
simultâneo por centenas de pessoas no melhor
da sua felicidade e emoção, muito
barulhentas e nem sempre interpretadas em
uníssono. Mas que importa isso?!... É rock,
e por rock ser, deve ser tocado muito alto,
muito vivo, com muito sangue quente, vida em
nós.
Nestes tempos em que não é
fácil viajar, procurei várias vezes sonhar
acordado sem sair do quarto, usando
principalmente a música como catalisador,
componente essencial da minha interna
combustão. E, neste particular, duas canções
ajudaram-me a processar reações, a acalmar,
a encontrar caminhos alternativos à viagem,
reagindo com uma menor ativação de energia,
quase sempre parado, exercitando novos
sentimentos e formas de amor, como a
gratidão, nomeadamente a Macau por me ter
poupado ao vírus, e à vida que me concedeu o
privilégio de entre milhões de
espermatozoides me deixar nascer. É que,
desculpem-me algum exagero, encaro o facto
de ter nascido como sendo o maior milagre da
minha existência. E sim, as duas canções
foram, são, “Live Lounge Allstars - Times Like These”, BBC Radio 1 Stay Home Live Lounge, cantada e tocada a partir de casa
por músicos que na sua maioria desconhecia
mas que me continuam a deixar em mim esta
sensação de que em tempos como estes em que
vivemos, devemos aprender a amar de novo.
A outra é “Stop
Crying Your Heart Out”, BBC Radio 2
Allstars, escrita e composta por Noel
Gallagher, interpretada por inconfundíveis
vozes como as de Bryan Adams, Cher, Lenny
Kravitz, Kylie Minogue, Robbie Williams,
entre muitos outros, unidos em
solidariedade, comunhão de afins, laços de
irmandade, emoção até às lágrimas,
compaixão, amor pelo próximo.
- n.39 • agosto 2022