Contemplações
Francisco Gil
Os meus pais de David Hockney
- Partilhar 8/02/2022
Famoso pela sua excecional
concentração, sentido de cor e
experimentação, David Hockney alcançou
sucesso internacional no início dos
seus trinta anos. O seu constante
fascínio por várias formas de arte e
artistas, como Pablo Picasso,
Jean-Baptiste-Siméon Chardin e Piero
della Francesca, levou-o a adaptar e
incorporar muitas ideias no seu
trabalho. Em 1964, mudou-se do Reino
Unido para Los Angeles, onde realizou
uma série de pinturas de piscinas
explorando cores vivas e luz utilizando
tinta acrílica, que era relativamente
nova na altura. Desde então, tem vivido
entre Los Angeles, Londres e Paris.
Embora à primeira vista esta imagem
pintada de um quarto escassamente
mobilado possa transmitir
distanciamento, é o retrato afetuoso de
um filho para os seus pais. Além de
cristã devota, Laura Hockney, a mãe,
era vegetariana, o que era invulgar na
época. Kenneth Hockney, o pai que
morreu um ano após a realização deste
duplo retrato, era um ativista
anti-guerra e anti-tabagismo. A imagem,
repleta de símbolos, sugere aspetos da
vida de Hockney e as inclinações dos
seus pais, enquanto transmite o seu
afeto por eles. No espelho por cima da
pequena mesa, em vez de pintar um
reflexo de si próprio, pintou um de um
postal de O Batismo de Cristo de
Piero della Francesa, um artista que
admirava, embora seja provável que
também esteja aqui para simbolizar o
cristianismo dos seus pais. Ao lado do
espelho está um vaso com elegantes
tulipas e rosas amarelas. Sentados em
cadeiras simples de madeira dura,
separados um do outro, Laura e Kenneth
personificam as suas personalidades e a
relação de cada um com o filho.
Kenneth está absorto, desligado,
aparentemente alheio ao seu filho e
debruçado sobre o livro de Aaron
Scharf, Art and Photography. Na
pequena mesa ao lado dele estão outros
livros, incluindo uma coleção de Em
Busca do Tempo Perdido, de Marcel
Proust, e um livro sobre Chardin. Ao
colocar os pais tão perto das suas
influências artísticas, Hockney está a
reconhecer a influência deles na sua
carreira e no seu amor pela arte. Ao
contrário de Kenneth, Laura olha
fixamente para Hockney, dando-lhe toda
a sua atenção e sorrindo de orgulho
enquanto posa para ele. Laura, com um
vestido azul brilhante, senta-se
direita, com as mãos cruzadas no colo e
os pés juntos. Embora não esteja a usar
joias, os seus cabelos brancos e bem
tratados sobressaem à luz da esquerda.
Esta luz incide também sobre o vaso,
bem como sobre o cabelo, o rosto, o
fato castanho e os sapatos pretos
brilhantes de Kenneth.
Este quadro
evoca sobretudo a nostalgia de Hockney
em relação à sua infância. É quase uma
análise do seu próprio passado e do seu
amor pelos pais. Mais tarde, falando da
reação de Laura e Kenneth ao trabalho,
a irmã de Hockney, Margaret, disse: “A
mãe e o pai estavam muito orgulhosos
[do mural] e sentiram que todas as
sessões tinham valido a pena”.
Adaptado de um texto de Susie Hodge
- n.33 • fevereiro 2022