Contemplações
Francisco Gil
STRAAT: centro de arte urbana em Amesterdão*
Após alguns
anos de espera, o museu STRAAT em
Amesterdão abriu finalmente ao público.
Programado para abrir em 2020, a
pandemia veio atrasar
significativamente a sua abertura.
Entretanto, com o retomar progressivo
das atividades culturais que tanto
sofreram com as restrições à
proximidade física, é possível
finalmente desfrutar de uma das mais
singulares coleções de Arte de Rua, num
local único pela sua natureza. Se é
daqueles ou daquelas que gosta de
conhecer o que de mais contemporâneo se
faz, será uma boa ideia, caso se
proporcione, colocar este museu de
Arte de Rua
no seu mapa interativo do smartphone
quando visitar a interessante capital
dos Países Baixos.
Um museu de Arte de Rua no interior de
um grande pavilhão, um paraíso de
grafitos no exterior. Pode parecer algo
contraditório mas na realidade neste
conceito, é uma combinação perfeita. A
tão esperada abertura do STRAAT (que
significa "rua" em neerlandês) no
icónico cais NDSM prevista para outubro
de 2020 teve de ser adiada. A pandemia
manteve as portas deste enorme armazém
encerradas a maior parte do tempo desde
então. Agora, esta grande coleção de
enormes obras de arte (se assim as
poderemos chamar) está pronta para se
apresentar ao público e deixar uma
impressão duradoura em cada visitante.
Amesterdão tem uma rica história de
grafitos e o Cais NDSM (iniciais de
Nederlandsche Dok en Scheepsbouw
Maatschappij
- Empresa Neerlandesa de Docas e
Construção) é um local bem conhecido de
todos os grafiteiros. Desde finais dos
anos 80, este icónico porto livre tem
atraído artistas de quase todos os
lugares que deixaram a sua marca em
todo o lado. É difícil fechar os olhos
às paredes coloridas, às etiquetas
sujas, às colas soltas e ao trabalho de
entalhe nas paredes e muros – o local
perfeito, portanto, para abrir STRAAT,
o primeiro museu de Arte de Rua em todo
o Benelux e, com o seu tamanho, o maior
do mundo. A STRAAT reside num antigo
armazém de oito mil metros quadrados
mesmo no meio do cais NDSM, um grande
parque ao ar livre para o grafito. Ao
sair do ferry na parte de trás da
Estação Central, damos de caras com uma
enorme Anne Frank, mural pintado pelo
brasileiro Eduardo Kobra, intitulado:
Deixa-me
ser eu mesmo
(Let me be myself). Continuando
entramos num espaço único, uma
autêntica selva urbana de imagens de
rua.
Durante anos, a equipa do espaço STRAAT
convidou artistas de todo o mundo, que
durante uma breve residência artística,
criaram telas únicas baseadas na sua
experiência, estilo e crenças. Agora
que o museu está finalmente aberto,
após anos de problemas logísticos, o
público pode desfrutar de mais de 150
obras de arte em exposição. Com mais de
140 artistas de 32 países, temos acesso
a uma seleção global de diversas
culturas e criatividade.
Todas as pinturas, de 9x5 ou 2x3
metros, são montadas em paredes
artificiais ou penduradas soltas no
enorme espaço, dividindo-as
engenhosamente em quadrados e
intersecções, e combinando
cuidadosamente com o aspeto industrial
do antigo edifício. Este labirinto de
obras de arte guia-nos através da
história do grafito e da Arte de Rua,
mostrando-nos diferentes aspetos desta
forma de arte contemporânea. Teremos
dificuldade em decidir para onde olhar
primeiro. Para cima, para baixo, ou em
frente. Temos a sensação de que se está
algures numa verdadeira caça à Arte de
Rua. Ultrapassa definitivamente a
experiência do museu que geralmente se
espera. Mergulha-nos numa inspiração
urbana global, partilhando histórias de
fundo e informação detalhada sobre Arte
de Rua e grafito, contando-nos
histórias estranhas que se podem perder
e encontrar nas ruas.
As obras em exposição estão agrupadas
em torno de cinco temas.
Pessoal:
introduzindo a ideia de que a Arte de
Rua é um reflexo do universo do
artista;
Estético:
mostra que por vezes a Arte de Rua
simplesmente prossegue a criação de
formas ditas perfeitas;
Realista:
revelando a ligação entre a Arte de Rua
e o seu meio social.
Consciente:
demonstrando como a Arte de Rua pode
sensibilizar e aumentar a consciência.
Empático:
sobre como a Arte de Rua se comunica
com o seu público. Encontraremos uma
vasta gama de retratos monumentais e
íntimos, trabalho abstrato e
instalações revolucionárias que contam
as lutas contemporâneas, tais como as
questões climáticas e as crises de
refugiados, exatamente o tipo de
trabalhos que se encontram nas ruas.
A atual exposição
Quote From The
Streets
abre uma discussão delicada,
questionando se a Arte de Rua no
interior de um armazém ainda é arte de
rua. Bem, é e não é. Se na sua essência
a arte de rua é contestatária oposta
aos valores da sociedade de mercado,
sendo capturada e exposta como mais um
evento do poder burguês instituído,
perde a sua verdadeira condição
independente e livre. Por outro lado, é
a prova cabal que a sociedade de
consumo de tudo é capaz para absorver e
destacar a importância social dos
próprios movimentos que a contestam.
Trazer a Arte de Rua e o grafito para
museus e galerias poderá não significar
necessariamente que se está a destruir
as raízes desta cultura urbana e a
torná-la mais um elemento da cultura de
elite! Pelo contrário, podemos
considerar que ao trazer o artista de
rua para o museu, se estará a
reconhecer o seu génio, dando-lhes uma
maior projeção, sabendo que todos os
trabalhos expostos foram especialmente
criados para este espaço, exatamente da
mesma forma que quando o artista viaja
e se inspira na vibração local, criando
uma obra de arte única. É pois um
espaço que nos mostra trabalhos
realizados por grafiteiros famosos,
mais do que a verdadeira Arte de Rua,
como a conhecemos e como a amamos ou a
odiamos.
Pode-se vaguear sozinho ou reservar uma
visita especial à Arte de Rua no museu.
Há também a Galeria STRAAT, onde são
organizadas exposições coletivas e
individuais para mostrar tanto a
história como o futuro da Arte de Rua.
Um tema abrangente da Galeria STRAAT é
a de ampliar a diversidade e o alcance
da cultura e da proeminência deste
movimento em todo o mundo. Uma nova
exposição será organizada de dois em
dois meses, a fim de apresentar uma
seleção diversificada de obras de arte.
Os artistas que participam na
programação da galeria são também
convidados e encorajados a criar obras
para a coleção permanente da STRAAT.
A STRAAT funciona então como mais um
chamariz para um determinado nicho de
turismo cultural, indo ao encontro das
políticas locais na procura de novas
formas de atrair visitantes. A Arte de
Rua pode ser exatamente mais uma
estratégia de chamar turistas às
cidades. A STRAAT já é uma cereja no
topo de um bolo cultural em Amesterdão.
A saída do museu faz-se, como não podia
deixar de ser, através de uma loja de
lembranças, onde se podem comprar
bugigangas ou, se estivermos
inspirados, também podemos deixar a
nossa marca numa das paredes
exteriores.
*com Tim Marschang
(Graffiti Art).