Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

A Síndrome Regina Duarte

Acredito que não seja necessário ser um notório pesquisador das áreas da psicanálise ou psicologia para perceber que, nos últimos três anos, o Brasil foi varrido por uma síndrome intrigante: a Síndrome Regina Duarte. Utilizamos o nome desta atriz porque ela é um dos maiores exemplos da tal síndrome, cujos sintomas principais são o abandono e o desprezo por toda uma carreira profissional respeitada por décadas junto à maioria da população brasileira, para apoiar, seguir e defender (quase que cegamente) o atual presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, político considerado de extrema direita e que é a favor, entre outros absurdos, da volta da ditadura militar (1964-1985) e que recebe em seu gabinete pessoas que integram o partido nazista alemão. Regina, que chegou a ocupar o cargo de secretária da Cultura do governo Bolsonaro, era tão amada e respeitada pela maioria dos brasileiros, que recebeu a alcunha de “namoradinha do Brasil”, uma homenagem por ter protagonizado as novelas de maior audiência na Rede Globo nos anos 70 e 80 do século XX.

Talvez uma das poucas coisas positivas do governo Bolsonaro seja o fato de que ele que fez com que caíssem as máscaras de pessoas que posavam de “boazinhas”, como é o caso de Regina de Duarte. Um outro exemplo que deixou o Brasil não bolsonarista chocado foi o do cantor sertanejo Sérgio Reis. Sua voz macia embalou festas durante décadas nas casas da maioria das famílias brasileiras. Nos dias que antecederam a comemoração do último Sete de setembro, data em que se celebra a independência do Brasil e para qual Bolsonaro convocou uma manifestação golpista para pedir a volta da ditadura militar, foram vazados áudios de mensagens em que Sérgio Reis convocava caminhoneiros para invadirem prédios do Parlamento e da Justiça, em Brasília, para exigirem a deposição de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. O tom truculento do cantor parece que surpreendeu até a ele próprio, que, após a forte repercussão negativa dos áudios e o surgimento da possibilidade de ser preso por conspiração contra a democracia brasileira, se internou num hospital e deu entrevistas, com cara de doente e frágil, afirmando que as mensagens golpistas foram feitas em momentos de forte emoção e que elas não representam o seu caráter pacífico.

A Síndrome Regina Duarte também atingiu grandes nomes do telejornalismo brasileiro. Talvez os casos mais notórios sejam os dos jornalistas Leda Nagle e Alexandre Garcia, ambos com décadas de serviços prestados à Rede Globo, e que hoje criaram canais no Youtube para defender o uso de remédios comprovadamente ineficazes contra a covid-19, como cloroquina e ivermectina. A síndrome atingiu tão fortemente Alexandre Garcia, que ele conseguiu ser demitido sumariamente pela CNN Brasil, um canal da TV fechada que chama a atenção pelas pautas de defesa do governo Bolsonaro.

A Síndrome Regina Duarte, é claro, não atingiu somente celebridades e famosos. Ela afetou principalmente pessoas comuns. Milhões e milhões de famílias brasileiras deixaram de celebrar o Natal com todos os seus membros presentes na ceia mais importante para os brasileiros. A “queda das máscaras” promovida por Bolsonaro fez com que muitos filhos deixassem de falar com os pais, irmãos passaram a se comportar como Cain e Abel e até casais se separam. A sociedade brasileira hoje está dividida entre os que apoiam cegamente o atual presidente do Brasil e sua política de ataque às instituições democráticas, às minorias sociais (mulheres, índios, quilombolas, GLBTs) e negação da pandemia de covid-19. Do outro lado estão os que lutam pela preservação do meio ambiente, dos valores democráticos, ética nos serviços públicos e privados, respeito às minorias e que se esforçam para que conquistas civilizatórias que demoraram décadas para serem atingidas no Brasil não sejam varridas com o vento do ódio do qual Bolsonaro é um excelente representante.