Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

A Mão de Deus (2021)

A Mão de Deus, cujo título original é È stata la mano di Dio, é o filme mais recente e, inclusive, o mais pessoal do realizador italiano Paolo Sorrentino. O autor alcançou renome internacional com A Grande Beleza (2013), vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, e The Young Pope (2016), a aclamada mini-série da HBO. Sorrentino que é caracterizado por um estilo cinematográfico maximalista e ostentativo opta agora, pela primeira vez na sua carreira, por um estilo mais simples e sóbrio para A Mão de Deus.  O filme estreou no Festival de Veneza em setembro, onde ganhou o Grande Prémio do Júri, e estreou globalmente na plataforma Netflix a 15 de dezembro.

Em A Mão de Deus, Sorrentino regressa à sua terra natal de Nápoles e aborda, pela primeira vez, a tragédia dolorosa que foi perder os pais quando era apenas adolescente. O jovem Fabietto (Filippo Scotti) é o protagonista desta obra autobiográfica ficcional colorida por toques de realismo mágico que relembram o grande realizador italiano Frederico Fellini.  Partindo do real, o autor revisita Nápoles dos anos 80 durante o verão em que Diego Maradona é adquirido pelo clube de futebol da cidade, um acontecimento tido como milagroso e divinal, e que no coração de fã fervente do Fabietto significaria um verão promissor para si, para a sua família e para Nápoles.

Fabietto tem uma família bastante extensa e vizinhos excêntricos. É este grande leque de personagens caricatas como, por exemplo, a tia infértil que pensa que foi curada pelo milagre do Pequeno Monge; a mãe que adora demonstrar o seu talento para partidas e truques; a velha baronesa com a qual Fabietto tem a sua primeira experiência sexual; que tornam possível o humor vivaz e, por vezes, absurdo do filme.

Em A Mão de Deus a alegria e dor são dimensões que coexistem no mesmo plano, sobrepondo-se em diferentes maneiras e intensidades. Porém, um acontecimento trágico muda tudo, e desta forma, o filme é composto por duas partes: o antes e depois da perda de Fabietto. O adolescente escolhe ver o Maradona a jogar em Nápoles e não viaja com os pais para a casa de férias, onde o casal acaba por morrer devido a uma fuga de monóxido de carbono.

Fabietto torna-se órfão inesperadamente e de um dia para o outro tem de viver com uma perda de um peso esmagador e a sua infância termina. A cidade de Nápoles banhada pelo Mediterrâneo, e os seus antigos monumentos e marinas, tornam-se o palco para a catarse que Fabietto procura. Para Fabietto esta catarse surge com o seu desejo de se dedicar ao cinema, de se tornar realizador de filmes.

A Mão de Deus é o filme mais contido, íntimo e vulnerável de Sorrentino, é definido pelo tom caloroso da nostalgia e do amor dos pais e da revelação do cinema como salvação e transformação, como uma forma de arte capaz de digerir uma dor inexplicável. Momentos de realismo mágico entrelaçam-se no filme como revelações através de encontros fugazes, quase oníricos, com o realizador Capuano (mentor de Sorrentino) e a aparição do Pequeno Monge.

A Mão de Deus é um ponto de viragem em termos de estilo e temática para Paolo Sorrentino e é, inclusive, o seu melhor filme.

Classificação: ★★★★