Espelho Cinemático
Daniela Graça
A Mão de Deus (2021)
- Partilhar 07/01/2022
A Mão de
Deus, cujo título original é È stata
la mano di Dio, é o filme mais recente
e, inclusive, o mais pessoal do realizador
italiano Paolo Sorrentino. O autor alcançou
renome internacional com A Grande Beleza
(2013), vencedor do Óscar de Melhor
Filme Estrangeiro, e The Young Pope
(2016), a aclamada mini-série da HBO.
Sorrentino que é caracterizado por um estilo
cinematográfico maximalista e ostentativo
opta agora, pela primeira vez na sua
carreira, por um estilo mais simples e
sóbrio para A Mão de Deus. O filme
estreou no Festival de Veneza em setembro,
onde ganhou o Grande Prémio do Júri, e
estreou globalmente na plataforma Netflix a
15 de dezembro.
Em A Mão de Deus,
Sorrentino regressa à sua terra natal de
Nápoles e aborda, pela primeira vez, a
tragédia dolorosa que foi perder os pais
quando era apenas adolescente. O jovem
Fabietto (Filippo Scotti) é o protagonista
desta obra autobiográfica ficcional colorida
por toques de realismo mágico que relembram
o grande realizador italiano Frederico
Fellini. Partindo do real, o autor revisita
Nápoles dos anos 80 durante o verão em que
Diego Maradona é adquirido pelo clube de
futebol da cidade, um acontecimento tido
como milagroso e divinal, e que no coração
de fã fervente do Fabietto significaria um
verão promissor para si, para a sua família
e para Nápoles.
Fabietto tem uma
família bastante extensa e vizinhos
excêntricos. É este grande leque de
personagens caricatas como, por exemplo, a
tia infértil que pensa que foi curada pelo
milagre do Pequeno Monge; a mãe que adora
demonstrar o seu talento para partidas e
truques; a velha baronesa com a qual
Fabietto tem a sua primeira experiência
sexual; que tornam possível o humor vivaz e,
por vezes, absurdo do filme.
Em A
Mão de Deus a alegria e dor são
dimensões que coexistem no mesmo plano,
sobrepondo-se em diferentes maneiras e
intensidades. Porém, um acontecimento
trágico muda tudo, e desta forma, o filme é
composto por duas partes: o antes e depois
da perda de Fabietto. O adolescente escolhe
ver o Maradona a jogar em Nápoles e não
viaja com os pais para a casa de férias,
onde o casal acaba por morrer devido a uma
fuga de monóxido de carbono.
Fabietto
torna-se órfão inesperadamente e de um dia
para o outro tem de viver com uma perda de
um peso esmagador e a sua infância termina.
A cidade de Nápoles banhada pelo
Mediterrâneo, e os seus antigos monumentos e
marinas, tornam-se o palco para a catarse
que Fabietto procura. Para Fabietto esta
catarse surge com o seu desejo de se dedicar
ao cinema, de se tornar realizador de
filmes.
A Mão de Deus é o
filme mais contido, íntimo e vulnerável de
Sorrentino, é definido pelo tom caloroso da
nostalgia e do amor dos pais e da revelação
do cinema como salvação e transformação,
como uma forma de arte capaz de digerir uma
dor inexplicável. Momentos de realismo
mágico entrelaçam-se no filme como
revelações através de encontros fugazes,
quase oníricos, com o realizador Capuano
(mentor de Sorrentino) e a aparição do
Pequeno Monge.
A Mão de Deus
é um ponto de viragem em termos de estilo e
temática para Paolo Sorrentino e é,
inclusive, o seu melhor filme.
Classificação: ★★★★
- n.32 • janeiro 2022