
Espelho Cinemático
Daniela Graça
Noite na Terra (1991)
- Partilhar 01/10/2021

O filme “Noite na
Terra” de 1991 da autoria do realizador
americano Jim Jarmusch trata-se de uma
antologia de cinco comédias que ocorrem em
cidades diferentes na mesma noite e sempre
dentro de um táxi. Não se trata de um filme
com um início ou final particularmente
arrebatador, não aprendemos nenhuma lição,
não somos surpreendidos com nenhuma
reviravolta ou deslumbrados com uma
conclusão inesquecível. É apenas um momento
de partilha, um momento de comunhão, sem
inibições, durante a noite entre estranhos
que provavelmente nunca mais se irão
encontrar.
Começamos em Los
Angeles, com uma diretora de casting
glamorosa (Gena Rowlands) que tenta
convencer uma jovem rapariga taxista,
aspirante a mecânica, pouco sofisticada,
porém bastante romântica (Winona Ryder) a
aceitar o papel num filme, mas sem sucesso.
Seguimos para Nova Iorque, onde conhecemos o
estiloso jovem Yo-yo (Giancarlo Esposito),
natural de Brooklyn, que ensina o taxista
oriundo da Alemanha de Leste (Armin
Mueller-Stahl) como conduzir um carro, já
que a profissão anterior do velhote alemão
era ser palhaço de circo. De seguida,
atravessamos o Atlântico até Paris, onde um
taxista marfinense (Isaach De Banko), vítima
de comentários discriminatórios, coloca
perguntas discriminatórias e ignorantes à
sua cliente cega (Beatrice Dalle) que lhe
responde fervorosamente sem nenhum momento
de hesitação. Viajamos depois até Roma, onde
um taxista (Roberto Benigni) domina
completamente a conversa com o cliente, um
bispo, ao confessar os seus pecados carnais
numa corrente de descrições de atos sexuais
absurdos. Terminamos a coletânea de
histórias na cidade de Helsínquia, na qual
um taxista (Matti Pellonpää) leva a casa
três homens depois de uma noite a afogarem
as mágoas em álcool. Os homens acabam a
expor a tragédia sofrida pelo amigo apenas
para o taxista contar a sua própria
tragédia, uma perda tão grande, que coloca
numa nova perspetiva os problemas dos
fregueses.
O foco do filme
“Noite na Terra” é a universalidade. As
cidades existem como pano de fundo que
conferem o tom e possibilitam a transmissão
de localizações, culturas e línguas
diferentes, porém são nos apresentadas
conversas íntimas que conferem a sensação de
familiaridade. Grande porção do filme é
sempre passada no interior dos diferentes
táxis, o filme é acima de tudo um exercício
de escrita e um exercício de representação
uma vez que ao confinarmos personagens num
espaço físico será a arte do diálogo a
dominar a cena. Jim Jarmusch contrapõe
personagens extremamente diferentes e
explora como as dinâmicas fervem como quem
estuda a reação de químicos. Certas
histórias são mais engraçadas que outras,
umas mais lentas, outras mais tristes, e
outras de tal forma absurdas que parecem uma
anedota. Mas todas elas têm o toque
característico do autor Jim Jarmusch, um
toque específico de humor que recaí na
estranheza reconfortante.
“Noite na Terra”
não é um filme de voyeurismo, mas sim de
companheirismo no qual o espetador é um
passageiro invisível dentro do táxi, a
absorver histórias contadas por
intervenientes desinibidos no conforto da
noite.
“Noite na
Terra” encontra-se disponível para
visualização na plataforma de streaming
Filmin.
Classificação: ★★★★
- n.29 • outubro 2021