Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Noite na Terra (1991)

O filme “Noite na Terra” de 1991 da autoria do realizador americano Jim Jarmusch trata-se de uma antologia de cinco comédias que ocorrem em cidades diferentes na mesma noite e sempre dentro de um táxi. Não se trata de um filme com um início ou final particularmente arrebatador, não aprendemos nenhuma lição, não somos surpreendidos com nenhuma reviravolta ou deslumbrados com uma conclusão inesquecível. É apenas um momento de partilha, um momento de comunhão, sem inibições, durante a noite entre estranhos que provavelmente nunca mais se irão encontrar.

Começamos em Los Angeles, com uma diretora de casting glamorosa (Gena Rowlands) que tenta convencer uma jovem rapariga taxista, aspirante a mecânica, pouco sofisticada, porém bastante romântica (Winona Ryder) a aceitar o papel num filme, mas sem sucesso. Seguimos para Nova Iorque, onde conhecemos o estiloso jovem Yo-yo (Giancarlo Esposito), natural de Brooklyn, que ensina o taxista oriundo da Alemanha de Leste (Armin Mueller-Stahl) como conduzir um carro, já que a profissão anterior do velhote alemão era ser palhaço de circo. De seguida, atravessamos o Atlântico até Paris, onde um taxista marfinense (Isaach De Banko), vítima de comentários discriminatórios, coloca perguntas discriminatórias e ignorantes à sua cliente cega (Beatrice Dalle) que lhe responde fervorosamente sem nenhum momento de hesitação. Viajamos depois até Roma, onde um taxista (Roberto Benigni) domina completamente a conversa com o cliente, um bispo, ao confessar os seus pecados carnais numa corrente de descrições de atos sexuais absurdos. Terminamos a coletânea de histórias na cidade de Helsínquia, na qual um taxista (Matti Pellonpää) leva a casa três homens depois de uma noite a afogarem as mágoas em álcool. Os homens acabam a expor a tragédia sofrida pelo amigo apenas para o taxista contar a sua própria tragédia, uma perda tão grande, que coloca numa nova perspetiva os problemas dos fregueses.

O foco do filme “Noite na Terra” é a universalidade. As cidades existem como pano de fundo que conferem o tom e possibilitam a transmissão de localizações, culturas e línguas diferentes, porém são nos apresentadas conversas íntimas que conferem a sensação de familiaridade. Grande porção do filme é sempre passada no interior dos diferentes táxis, o filme é acima de tudo um exercício de escrita e um exercício de representação uma vez que ao confinarmos personagens num espaço físico será a arte do diálogo a dominar a cena. Jim Jarmusch contrapõe personagens extremamente diferentes e explora como as dinâmicas fervem como quem estuda a reação de químicos. Certas histórias são mais engraçadas que outras, umas mais lentas, outras mais tristes, e outras de tal forma absurdas que parecem uma anedota. Mas todas elas têm o toque característico do autor Jim Jarmusch, um toque específico de humor que recaí na estranheza reconfortante. 

“Noite na Terra” não é um filme de voyeurismo, mas sim de companheirismo no qual o espetador é um passageiro invisível dentro do táxi, a absorver histórias contadas por intervenientes desinibidos no conforto da noite. 

“Noite na Terra” encontra-se disponível para visualização na plataforma de streaming Filmin.

Classificação: ★★★★