Contemplações
Francisco Gil
As Obras de Arte do Google
- Partilhar 01/09/2021
Levei algum tempo a pensar qual o tema que deveria abordar nesta minha rubrica. Veio à ideia o tema Obra de Arte, que é recorrente, mas tem sempre muito pano para mangas. Então decidi fazer uma pesquisa simples no poderoso motor de busca da Google, cuja palavra chave seria «obra de arte». Tinha curiosidade em saber o que me indicariam. Na categoria de imagens, surge em primeiro plano uma série de anúncios publicitários e de seguida um conjunto de imagens que pressupomos serem aquelas «obras de arte» mais valiosas para a comunidade virtual do ciberespaço. Provavelmente não deverão ser. O conjunto de imagens apresentado pelo Google é resultado de um sofisticado algoritmo, que deverá ter muitos procedimentos precisos que não passarão pela cabeça da maioria dos usuários da rede. Ficaremos sempre na dúvida se serão essas imagens as de maior impacto das artes visuais e indicado-nos os principais exemplos da arte ocidental.
Então o que temos?
Uma, a primeira: «A noite estrelada» de van
Gogh; quatro imagens de «Mona Lisa» de
Leonardo; «A rapariga com brinco de pérola»
de Vermeer; «A persistência da memória» de
Dali; duas imagens de «O grito» de Munch;
duas imagens de «Abaporu» da artista
brasileira Tarsila do Amaral; e «O
nascimento de Vénus» de Botticelli. Estas,
no meu computador, serão as Obras de Arte de
referência. Claro. E a acrescentar a tudo
isto, o facto de eu estar aqui a
apresentá-las, estou ainda a reforçar esta
lista que o Google me apresenta. Mas estas
serão mesmo as obras de arte de referência?
As mais belas e valiosas?
Já sabemos que Arte é
a expressão de ideais estéticos por meio de
algumas atividades humanas. A questão que se
pode colocar, é se o que considera
ideais estéticos poderá estar, ou não,
condicionado por princípios subjetivos que são promovidos pela
cultura e pelo poder dominante.
Pessoalmente, os exemplos promovidos pelo
Google são, para mim e para muitos de nós,
bons exemplos e representam algumas grandes obras da
pintura universal. O problema destes
algoritmos que valorizam aquilo que é muito
procurado, é que aumenta de forma
desproporcional o fosso entre as obras mais
conhecidas em relação às menos conhecidas,
ficando as muito conhecidas mais conhecidas
ainda e as menos conhecidas, esquecidas e
ignoradas.
Ser mais ou menos
famoso, para o algoritmo do Google não tem
qualquer relação com critérios de qualidade,
originalidade ou outros. O Google funciona
com quantidades. Uma obra passa a estar no
topo da lista se for muito falada e
procurada. É um critério irrelevante para os
artistas e autores das obras em questão – já
cá não estão no reino dos vivos – mas
provavelmente ajudarão a dar mais
visibilidade aos museus e centros de arte
proprietários das famosas Obras de Arte. Só
o MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova
Iorque) tem duas das obras supramencionadas
em exposição. Arte é muito mais que obras
famosas, é muito mais do que aquilo que
repetidamente nos andam sempre as mostrar.
- n.29 • setembro 2021