Contemplações
Francisco Gil
Atividades de primeira e de segunda categoria
- Partilhar 01/06/2021
A cultura e a
organização dos reinos na Europa após a
queda do império romano no ocidente, apesar
de condicionada pelos princípios religiosos,
incorporou contudo a base filosófica dos
grandes pensadores das civilizações
clássicas grega e romana. A formação e a
educação dos jovens das classes
privilegiadas, obedecia a critérios que
foram consolidados ao longo dos séculos.. Pensadores como Platão
(428-347 a.C.) ou Aristóteles (384-322 a.C.)
elaboraram importantes reflexões sobre a
importância da educação na vida social dos
cidadãos.
Para Platão em "A
República", a educação era primordial na
formação e seleção dos mais adequados para
altos cargos na administração e governo.
Como opositor às correntes ideológicas que
defendiam a retórica e a argumentação para o
conflito como forma de liderança política e,
que era principal causa da decadência de
Atenas, Platão defendia a formação de
governantes íntegros, onde a arte suprema
era a arte de governar. Considerava no campo
da educação, que as Artes Visuais eram de
menor importância, porque através delas não
se podia chegar ao conhecimento, já que a
escultura e a pintura não eram mais do que
imitações de imitações, um processo que
significava copiar algo que tinha uma
existência anterior.
Já Aristóteles, no
seu “Tratado de Política”, refere-se a
quatro ramos importantes da educação dos
cidadãos: letras, ginástica, música e
pintura. Estes quatro ramos completam um
todo que Aristóteles considerava o mais
importante para o bem-estar. No campo das
artes considerava a música como uma das
atividades mais propícias à boa vida,
proporcionando um prazer intrínseco adequado
aos momentos de lazer, bem como um meio
importante para a educação cívica e moral.
As preocupações
com a “educação” desde a antiguidade à idade
média, aplicavam-se sobretudo, ao pequeno
grupo de crianças oriundas das classes
aristocráticas. Para os rudes dos reinos
cristãos, bastava alguma instrução
religiosa. A educação e formação dos homens
livres no período medieval, baseava-se nas chamadas artes
liberais, isto é, nas capacidades
intelectuais em sete grandes áreas do
conhecimento: a Lógica, a Gramática, a
Retórica, a Geometria, a Astronomia, a
Música e a Aritmética. Às destrezas técnicas
e manuais, como a arte da pintura ou
escultura, consideravam-se artes mecânicas,
de categoria inferior.
Na Roma antiga, as
artes visuais tinham uma importância social
relevante, uma vez que era comum os cidadãos
mais abastados recolherem peças de arte,
proporcionando um elevado estatuto social
aos “artistas” que estavam empenhados em
fazer cópias das obras gregas mais
representativas. Escultores, pintores e
arquitectos para alcançar uma posição de
destaque, investiam numa longa formação,
como refere Vitruvius (c.70 a.C-25 a.C.) no
seu tratado “De architectura”:
“deve...
[o arquitecto] saber escrever e desenhar,
ser instruído em geometria e não ser
ignorante em óptica. Ter aprendido
aritmética e saber muito de história, ter
estudado bem filosofia, ter conhecimentos de
música e algumas noções de medicina,
jurisprudência e astrologia”.
A visão
hierárquica da sociedade e do trabalho, que
ainda hoje é preponderante na organização
social, só começou a ser posta em causa com
as revoluções liberais, quando se começou a
defender uma sociedade justa na distribuição
de oportunidades e recursos.
Mesmo após a
instauração da democracia e do liberalismo
no mundo ocidental, continuam a existir
divergências profundas sobre a valorização
das atividades humanas. O pensamento antigo,
baseado em Aristóteles, instruía-nos a
pensar que alguns homens nasciam para ser
senhores e outros para ser escravos; os
primeiros mandavam, os segundos obedeciam.
Cada um teria de cumprir o papel para o qual
foi destinado pela natureza desde o momento
do seu nascimento. Aos senhores, a natureza
deu-lhes a razão e a inteligência – a
cabeça; aos escravos a força física – os
braços.
As concepções antigas
na organização social, são hoje ainda
responsáveis por alguns entendimentos e
desentendimentos sobre a importância e o
valor subjetivo das atividades humanas. No
campo do ensino e da educação artística a
dicotomia entre belas-artes e artes
aplicadas ou utilitárias é fruto desses
preconceitos sobre o status das atividades
humanas, ainda condicionadas à
hierarquização social. Apesar do
conservadorismo dominante, para que não haja
um retrocesso histórico não podemos pôr em
causa o valor e a importância de todas as
partes na construção de um todo, que é o
conhecimento e o desenvolvimento social. Na
construção de uma sociedade mais justa e a
valorização de todas as suas partes deve
continuar a ser portanto, o nosso foco
principal.
* Desenho de Jean-Baptiste Debret, “Voyages au Brésil: Retour d’un proprietaire” (1834-1839)
- n.25 • junho 2021