António Grosso Correia

IN VERBIS

António Grosso Correia

RAZÃO DE SER DE UM ÓRGÃO JURISDICIONAL INTERNACIONAL PERMANENTE

Como é sabido, nos conflitos armados, sejam os de génese regular, sejam os perpetrados por bandos organizados, não raras vezes cometem-se crimes gravíssimos. Tais conflitos não afectam apenas os países conflituantes e em particular as suas populações, mormente as vítimas de tais crimes e os seus familiares. Isso acontecia há muitos séculos atrás; afectam, também e por outro lado, toda a comunidade internacional, seja pela instabilidade que provocam em vários domínios, seja pelos prejuízos económicos que causam, mas seja também pela insegurança que gerem nos povos.

Esta realidade vem, desde há muito, clamando pela existência de um órgão ou instância supranacional de natureza jurisdicional, que sancione os autores desses crimes e possa, de algum modo, produzir efeito dissuasor da prática dos mesmos.

Ora, esse órgão já existe desde 17 de Julho de 1998, data em que foi aprovado o seu estatuto, pelo Tratado de Roma, denomina-se Tribunal Penal Internacional (TPI) e tem sede em Haia.

Como tratado internacional que é, só vincula os cidadãos dos países que o ratifiquem, o que Portugal fez, tendo-o a Assembleia da República aprovado em 20 de Dezembro de 2001 e o Presidente da República procedido àquela ratificação em 7 de Janeiro do ano seguinte.

Desde então, Portugal ficou em condições de aderir ao mencionado Estatuto. E, com efeito, tal adesão ocorreu formalmente em Fevereiro de 2002, com o depósito do instrumento daquela ratificação, junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, passando, assim, Portugal a ser o 51º. país a aderir ao referido estatuto, isto é, ao Tribunal Penal Internacional.

A partir daqui, e desde que, em 1 de Julho de 2002, o mencionado estatuto entrou em vigor – o que aconteceu formalmente no primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de 60 dias, contado da data do depósito do 60º. Instrumento de ratificação – Portugal passou a exercer “o poder de jurisdição sobre pessoas encontradas em território nacional, indiciadas pelos crimes previstos no nº. 1 do artº. 5º. do Estatuto ... com observância da sua tradição penal, de acordo com as regras constitucionais e demais legislação penal interna”, como dispõe o artº. 2º., nº. 1, do Decreto do Presidente da República nº. 2/2002, de 18 de Janeiro, decreto este em que é publicado o acto administrativo da aludida ratificação.

Aqueles crimes são os “crimes mais graves que afectam a comunidade internacional no seu conjunto”, tais como os “crimes de genocídio”, os “crimes contra a Humanidade”, os “crimes de guerra” e, verificados determinados pressupostos, previstos no nº. 2 do mencionado artº. 5º., os “crimes de agressão”.

Já se imagina quanto ganharia a Humanidade, com o funcionamento de um órgão judicial permanente, com a jurisdição e a competência do TPI, desde que em tal funcionamento estivessem assegurados os princípios da imparcialidade dos juízes, da legalidade e da garantia de defesa dos arguidos, requisitos imprescindíveis, digo eu agora, para conferir ao órgão a dignidade, o prestígio e o respeito, que ele necessariamente não pode deixar de ter, para não passar de mais uma instituição de fachada e fútil.

Porém, países há que sempre se opuseram à existência de um tribunal com as características do TPI, à cabeça dos quais se encontram os Estados Unidos, a China e Israel (pudera!).

É claro, o que estes países, no fundo, receiam é, tão só, a justiça: o que eles não querem, já se vê, é que os seus cidadãos criminosos sejam julgados, sobretudo os que ocupam cargos ao mais alto nível. Mas já querem, designadamente os Estados Unidos, tribunais criados “ad hoc”, exclusivamente para julgar as pessoas de que eles não gostam (como aconteceu, por exemplo, com Milosevic), o que não significa que essas pessoas tenham praticado os crimes previstos no Estatuto do TPI. Sê-lo-ão se e quando os Estados Unidos quiserem que sejam.

Ora, o que a Humanidade carece é de uma ordem jurídica internacional, assente em princípios morais, que lhe confiram a indispensável legitimidade, e de órgãos imparciais e permanentes, que a ponham em prática, a façam respeitar e cumprir e puna os seus violadores – como poderá ser o TPI.

Virá ela alguma vez a existir?

 

(Escrevo em desrespeito compulsivo do acordo ortográfico)