IN VERBIS
António Grosso Correia
RAZÃO DE SER DE UM ÓRGÃO JURISDICIONAL INTERNACIONAL PERMANENTE
- Partilhar 9/06/2021
Como é sabido, nos
conflitos armados, sejam os de génese
regular, sejam os perpetrados por bandos
organizados, não raras vezes cometem-se
crimes gravíssimos. Tais conflitos não
afectam apenas os países conflituantes e em
particular as suas populações, mormente as
vítimas de tais crimes e os seus familiares.
Isso acontecia há muitos séculos atrás;
afectam, também e por outro lado, toda a
comunidade internacional, seja pela
instabilidade que provocam em vários
domínios, seja pelos prejuízos económicos
que causam, mas seja também pela insegurança
que gerem nos povos.
Esta realidade vem,
desde há muito, clamando pela existência de
um órgão ou instância supranacional de
natureza jurisdicional, que sancione os
autores desses crimes e possa, de algum
modo, produzir efeito dissuasor da prática
dos mesmos.
Ora, esse órgão já
existe desde 17 de Julho de 1998, data em
que foi aprovado o seu estatuto, pelo
Tratado de Roma, denomina-se Tribunal Penal
Internacional (TPI) e tem sede em Haia.
Como tratado
internacional que é, só vincula os cidadãos
dos países que o ratifiquem, o que Portugal
fez, tendo-o a Assembleia da República
aprovado em 20 de Dezembro de 2001 e o
Presidente da República procedido àquela
ratificação em 7 de Janeiro do ano seguinte.
Desde então, Portugal
ficou em condições de aderir ao mencionado
Estatuto. E, com efeito, tal adesão ocorreu
formalmente em Fevereiro de 2002, com o
depósito do instrumento daquela ratificação,
junto do Secretário-Geral das Nações Unidas,
passando, assim, Portugal a ser o 51º. país
a aderir ao referido estatuto, isto é, ao
Tribunal Penal Internacional.
A partir daqui, e
desde que, em 1 de Julho de 2002, o
mencionado estatuto entrou em vigor – o que
aconteceu formalmente no primeiro dia do mês
seguinte ao termo do período de 60 dias,
contado da data do depósito do 60º.
Instrumento de ratificação – Portugal passou
a exercer “o poder de jurisdição sobre
pessoas encontradas em território nacional,
indiciadas pelos crimes previstos no nº. 1
do artº. 5º. do Estatuto ... com observância
da sua tradição penal, de acordo com as
regras constitucionais e demais legislação
penal interna”, como dispõe o artº. 2º., nº.
1, do Decreto do Presidente da República nº.
2/2002, de 18 de Janeiro, decreto este em
que é publicado o acto administrativo da
aludida ratificação.
Aqueles crimes são os
“crimes mais graves que afectam a comunidade
internacional no seu conjunto”, tais como os
“crimes de genocídio”, os “crimes contra a
Humanidade”, os “crimes de guerra” e,
verificados determinados pressupostos,
previstos no nº. 2 do mencionado artº. 5º.,
os “crimes de agressão”.
Já se imagina quanto
ganharia a Humanidade, com o funcionamento
de um órgão judicial permanente, com a
jurisdição e a competência do TPI, desde que
em tal funcionamento estivessem assegurados
os princípios da imparcialidade dos juízes,
da legalidade e da garantia de defesa dos
arguidos, requisitos imprescindíveis, digo
eu agora, para conferir ao órgão a
dignidade, o prestígio e o respeito, que ele
necessariamente não pode deixar de ter, para
não passar de mais uma instituição de
fachada e fútil.
Porém, países há que
sempre se opuseram à existência de um
tribunal com as características do TPI, à
cabeça dos quais se encontram os Estados
Unidos, a China e Israel (pudera!).
É claro, o que
estes países, no fundo, receiam é, tão só, a
justiça: o que eles não querem, já se vê, é
que os seus cidadãos criminosos sejam
julgados, sobretudo os que ocupam cargos ao
mais alto nível. Mas já querem,
designadamente os Estados Unidos, tribunais
criados “ad hoc”, exclusivamente para julgar
as pessoas de que eles não gostam (como
aconteceu, por exemplo, com Milosevic), o
que não significa que essas pessoas tenham
praticado os crimes previstos no
Estatuto do TPI. Sê-lo-ão se e quando os
Estados Unidos quiserem que sejam.
Ora, o que a
Humanidade carece é de uma ordem jurídica
internacional, assente em princípios morais,
que lhe confiram a indispensável
legitimidade, e de órgãos imparciais e
permanentes, que a ponham em prática, a
façam respeitar e cumprir e puna os seus
violadores – como poderá ser o TPI.
Virá ela alguma vez a
existir?
(Escrevo em desrespeito
compulsivo do acordo ortográfico)
- n.25 • junho 2021