
Contemplações
Francisco Gil
Exposição de píxeis impressos: que maçada!
- Partilhar 05/07/2021
Num artigo publicado em 2014 no «The Guardian», Jonathan Jones insurgia-se contra o facto de determinadas galerias de arte estarem a expor fotografias como se de telas se tratassem. Dizia que “é estúpido ver uma fotografia emoldurada ou iluminada por trás e exibida verticalmente numa exposição [...]. Uma fotografia numa galeria é um substituto, sem alma e superficial da pintura. Colocar impressões fotográficas é um desperdício de espaço, quando os curadores podiam fornecer iPads e deixar-nos “navegar” numa galeria digital que seria facilmente tão bonita e atraente quanto as impressões caras”.
O que se questiona neste artigo não é o valor objeto das fotografias, mas sim o seu estatuto como arte. A fotografia, pese embora as suas qualidades, não sendo um objeto único resultado da ação manual e criadora do artista – é uma impressão – jamais se poderá comparar aos artefactos clássicos, únicos, pensados e realizados mecanicamente pela mão humana e de elevado valor estético reconhecido pelas elites. A fotografia é o que é. Uma representação, um mero desenho de luz, que como qualquer outro quadro pode e deve ser exposto sem soberba, em qualquer local. Se se olhar bem para a história da arte, verificamos que o conceito de exposição de quadros, para um público heterogéneo é relativamente recente. Em Portugal os museus de arte com as suas salas repletas de telas e tábuas pintadas, terão surgido há pouco mais de 100 anos. São museus abertos a todos os cidadãos para a fruição da pintura, escultura e demais artefactos provenientes de igrejas, palácios e casas senhoriais que foram expropriadas aquando da instauração do regime liberal. Salas de museu que servem também para preservar muitas das peças arqueológicas oriundas de sítios desprotegidos em risco de se perderem. Museus como mostruário do património da humanidade.
Se as salas dos museus servem para preservar e exibir peças descontextualizadas do meio para onde foram criadas, já as galerias de arte modernas são espaços especializados dedicados a exposições e à comercialização de “arte”. “Arte” tantas vezes de valor estético relativo. A fotografia, como expressão visual, também tem lugar nas galerias de arte. Seja como registo instantâneo de luz, ou como criação e manipulação para a construção de uma narrativa poética. Num mundo voltado para a informação rápida, fragmentada e efêmera, a fotografia tem na sua génese a observação, a reflexão e a composição.
Se há desconforto em aceitar a exposição de impressões fotográficas numa galeria de arte, como se de telas a óleo se tratassem, imagine-se o escândalo para os mais incautos, quando galerias conceituadas disponibilizam aos visitantes, estranhas instalações com objetos do quotidiano, sem a “tal” vertente técnica e criadora de imagens consideradas “belas” desenvolvidas com a habilidade artística, dos génios da pintura mundial. Habituámo-nos a ver a arte como representação (mimesis) de algo tal qual nos é mostrado pela natureza. Vemos a arte como o produto final de um processo criador complexo, tantas vezes desvalorizado em relação ao seu resultado. Mas esse é o contexto dos antigos. No contexto atual, da arte como expressão, como refere Marlene Fortuna, a obra tem sempre anexada os estudos sobre o processo da sua criação, os chamados bastidores da criação. Ou seja, análises críticas e avaliação não só da obra acabada – “expressão final”, mas do percurso criador que deve incluir a análise da materialidade da construção, manuscritos, rascunhos, documentos de processo, materiais utilizados pelo artista para chegar ao resultado final (tinta, cor, voz, palavra, ferro, som, etc.), tentativas de acertos e erros, caos e ordem no percurso das ideias e decisões.
A arte deste tempo
mais que um produto final não será um processo de
criação? De forma objetiva ou relativa, mais
ou menos bela, através de imagens fixas, de
sons, de movimentos, a arte não é sempre uma
forma de comunicação?
- n.26 • julho 2021