Espelho Cinemático
Daniela Graça
Bem Bom (2021)
- Partilhar 05/08/2021
O filme biográfico “Bem
Bom” sobre a primeira girl band
portuguesa, as Doce, estreou nas salas de
cinema a 8 de julho. “Bem Bom”, da autoria
da realizadora Patrícia Sequeira, conta com
a atriz Bárbara Branco no papel de Fátima
Padinha, Carolina Carvalho como Lena Coelho,
Ana Marta Ferreira como Laura Diogo e Lia
Carvalho como Teresa Miguel.
O filme inicia-se em
1979, com a formação das Doce, e segue a
banda, na sua vida pública e privada, até à
participação no festival da Eurovisão em
1982. As Doce nasceram com o
intuito de revolucionar o panorama musical
de Portugal e serem um êxito imparável. O
sucesso da primeira girl band
portuguesa, e inclusive uma das primeiras
girl bands europeias, estava dependente
da harmonia entre as quatro mulheres do
grupo, mas uma harmonia que ia para além do
aspeto vocal já que o que torna as Doce
especiais é a fórmula aperfeiçoada e
sincronizada resultante de quatro partes
distintas. Cada Doce tinha uma função e
trazia um ingrediente diferente à banda.
Seguimos assim o início
complicado e agreste das Doce, marcado por
discussões entre as integrantes do grupo, os
produtores, a gravadora e o estilista. O
processo criativo foi turbulento, mas
bem-sucedido graças à vontade de singrar das
quatro cantoras. Êxito após êxito, desde o
primeiro single “Amanhã de Manhã”, as Doce
causaram furor e dominaram as vendas de
discos, mas, no entanto, perderam o Festival
da Canção, que era um dos principais
objetivos, consecutivamente. Somente em 1982
ganharam o Festival da Canção e garantiram
lugar na Eurovisão.
Mas “Bem Bom” é mais do
que uma história de sucesso com um percurso
atribulado, é um filme sobre a condição
feminina num período marcadamente machista,
uma época condicionada ainda pela falta de
liberdade e pelo tradicionalismo incutidos
no povo durante a ditadura. As Doce foram
mais do que uma novidade musical uma vez que
através da sua presença nos palcos foram, de
certa forma, uma revolução social ao serem
ousadas, provocantes e sensuais, algo que
era impensável naquela época para as
mulheres portuguesas. O filme aborda os
aspetos das vidas pessoais das integrantes:
os seus problemas familiares, românticos e
financeiros; temáticas tabus como o aborto
ou as polémicas sexuais alimentadas por
boatos que nasceram de preconceitos
machistas e racistas.
O filme biográfico
ficcionado das Doce é uma obra inegavelmente
agridoce que explora o lado negro da fama e
do reconhecimento nacional, que explora a
alegria e sofrimento vivenciados pelas
quatro mulheres que formaram um dos grupos
femininos musicais mais amados em Portugal.
A narrativa parece perder o ritmo de uma
forma insossa durante a segunda metade do
filme, mas antes do final regressa ao estado
energético e conciso inicial. Mas são as
dinâmicas das Doce que foram interpretadas
com habilidade, ferocidade e impetuosidade
pelas talentosas atrizes que são o ponto
forte desta produção cinematográfica. É
aliciante presenciar as Doce a interagirem
umas com as outras tanto na faceta pública a
atuar em palcos ou na faceta privada a
trabalhar no estúdio, a celebrar em bares ou
a conversar nos quartos durante as
digressões. Também a parte visual do filme é
aliciente, especialmente durante as atuações
das músicas, através da captura da
jovialidade, sensualidade e eletricidade das
jovens.
“Bem Bom” é uma produção cinematográfica nacional imperdível que celebra um dos grupos musicais com maior impacto na pop culture portuguesa. E, por sua vez, o documentário “Bem Bom – Realidade e Ficção” sobre a produção e objetivo do filme, disponível para visualização na RTP Play, é uma adição positiva e enriquecedora após visualização do filme.
Classificação: ★★★★
- n.27 • agosto 2021