Espelho Cinemático
Daniela Graça
O Homem Que Vendeu a Sua Pele (2020)
- Partilhar 02/07/2021
“O Homem Que Vendeu a
Sua Pele” é um filme, inspirado numa
história verídica, realizado e escrito pela
cineasta tunisina Kaouther Ben Hania. O
filme esteve nomeado a Melhor Filme
Estrangeiro na última edição dos Óscares e
estreou nos cinemas portugueses a 24 de
junho.
“O Homem Que Vendeu a Sua pele”
conta a história de Sam Ali (Yahya Mahayni)
e de como este jovem sírio se tornou numa
obra de arte viva, num objeto vendível e
colecionável, de forma a escapar à guerra no
seu país e reunir-se novamente com a pessoa
que ama. Sam é um jovem sensível, impulsivo
e romântico, que é forçado a fugir do seu
país após ser aprisionado injustamente pelo
governo. Sam acaba a viver no Líbano onde
conhece o artista Jeffrey Godefroi (Koen De
Bouw) após ter sido apanhado a roubar comida
numa exposição de arte pela assistente de
Jeffrey, Soraya (Monica Belluci). Sam aceita
a proposta polêmica que Jeffrey lhe faz uma
vez que o jovem é movido pela falta de meios
e pelo desejo de voltar a ver sua namorada
Abeer (Dea Liane), que casou com um homem
que trabalha na embaixada síria na Bélgica
para fugir à guerra.
Sam vende as suas
costas a Jeffrey e transforma-se numa tela
humana para um dos artistas mais
controversos do Ocidente. Jeffrey tatua na
pele de Sam um visto, um comentário à falta
de direitos dos refugiados.
Consequentemente, Sam torna-se uma
mercadoria artística e obtém um visto que
lhe permite viajar pelo mundo e ser exposto
em galerias e museus.
Sam aceitou
tornar-se um objeto, um trabalho artístico,
porque só através deste pacto imoral e
desumano foi possível alcançar liberdade. Um
paradoxo trágico ao qual decidiu
submeter-se. Porém, ao iniciar a sua vida
enquanto obra de arte viva Sam percebe que o
contracto que assinou é tudo menos
liberdade.
Apesar das novas paisagens
europeias e dos confortos básicos
assegurados, o desespero volta a criar
raízes em Sam. O jovem começa a
desmoronar-se emocionalmente dentro das
paredes dos hotéis de luxo em que vive
devido a ser desfilado e exibido em museus e
ser controlado, cuidado e vendido como uma
mercadoria; devido à impossibilidade de
reunir-se com Abeer, o amor da sua vida; e
devido ao peso da culpa de ter fugido à
violência da guerra enquanto a sua família
vive essa violência diariamente.
“O Homem
Que Vendeu a Sua Pele” expõe através de uma
narrativa extremamente controversa e
invulgar os limites que pessoas ultrapassam
para escapar aos horrores da guerra e as
circunstâncias desumanas e dolorosas que são
capazes de enfrentar em nome da liberdade. É
um filme que expõe o desespero e tenacidade
humana dos refugiados e que igualmente
mostra a falta de empatia, humildade,
companheirismo daqueles que nunca viveram em
situação de guerra. É um filme que através
da formulação de um contracto absurdamente
não-convencional, em que um homem é tornado
mercadoria, obriga a refletir sobre o valor
da vida humana e sobre o que significa ser
livre.
A realizadora Kaouther Ben Hania
inspirou-se na história verídica do artista
belga Wim Delvoye que tatuou uma obra no
suiço Tim Steiner, que posteriormente vendeu
a um colecionador por 150 mil euros, para
escrever “O Homem Que Vendeu a Sua Pele”. A
realizadora tem uma preferência notável por
planos com enquadramentos dentro de
enquadramentos e planos com foco em
reflexões de espelhos que utiliza para criar
imagens de separação e alienação de forma a
relatar a história de Sam Ali.
O
desespero subsequente da falta de escolhas e
meios do protagonista é transversal a todos
os refugiados que arriscam as suas vidas na
tentativa de fugir às guerras que desolam os
seus países. Obras como “O Homem Que Vendeu
a Sua Pele” são filmes necessários uma vez
que abordam e incentivam a discussão sobre
esta crise humanitária que se vem alastrando
há vários anos e continua a roubar vidas, e
como tal, permanece um tema de extrema
importância.
Classificação: ★★★★
- n.26• julho 2021