Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

O Homem Que Vendeu a Sua Pele (2020)

“O Homem Que Vendeu a Sua Pele” é um filme, inspirado numa história verídica, realizado e escrito pela cineasta tunisina Kaouther Ben Hania. O filme esteve nomeado a Melhor Filme Estrangeiro na última edição dos Óscares e estreou nos cinemas portugueses a 24 de junho.
“O Homem Que Vendeu a Sua pele” conta a história de Sam Ali (Yahya Mahayni) e de como este jovem sírio se tornou numa obra de arte viva, num objeto vendível e colecionável, de forma a escapar à guerra no seu país e reunir-se novamente com a pessoa que ama. Sam é um jovem sensível, impulsivo e romântico, que é forçado a fugir do seu país após ser aprisionado injustamente pelo governo. Sam acaba a viver no Líbano onde conhece o artista Jeffrey Godefroi (Koen De Bouw) após ter sido apanhado a roubar comida numa exposição de arte pela assistente de Jeffrey, Soraya (Monica Belluci). Sam aceita a proposta polêmica que Jeffrey lhe faz uma vez que o jovem é movido pela falta de meios e pelo desejo de voltar a ver sua namorada Abeer (Dea Liane), que casou com um homem que trabalha na embaixada síria na Bélgica para fugir à guerra.
Sam vende as suas costas a Jeffrey e transforma-se numa tela humana para um dos artistas mais controversos do Ocidente. Jeffrey tatua na pele de Sam um visto, um comentário à falta de direitos dos refugiados. Consequentemente, Sam torna-se uma mercadoria artística e obtém um visto que lhe permite viajar pelo mundo e ser exposto em galerias e museus.
Sam aceitou tornar-se um objeto, um trabalho artístico, porque só através deste pacto imoral e desumano foi possível alcançar liberdade. Um paradoxo trágico ao qual decidiu submeter-se. Porém, ao iniciar a sua vida enquanto obra de arte viva Sam percebe que o contracto que assinou é tudo menos liberdade.
Apesar das novas paisagens europeias e dos confortos básicos assegurados, o desespero volta a criar raízes em Sam. O jovem começa a desmoronar-se emocionalmente dentro das paredes dos hotéis de luxo em que vive devido a ser desfilado e exibido em museus e ser controlado, cuidado e vendido como uma mercadoria; devido à impossibilidade de reunir-se com Abeer, o amor da sua vida; e devido ao peso da culpa de ter fugido à violência da guerra enquanto a sua família vive essa violência diariamente.
“O Homem Que Vendeu a Sua Pele” expõe através de uma narrativa extremamente controversa e invulgar os limites que pessoas ultrapassam para escapar aos horrores da guerra e as circunstâncias desumanas e dolorosas que são capazes de enfrentar em nome da liberdade. É um filme que expõe o desespero e tenacidade humana dos refugiados e que igualmente mostra a falta de empatia, humildade, companheirismo daqueles que nunca viveram em situação de guerra. É um filme que através da formulação de um contracto absurdamente não-convencional, em que um homem é tornado mercadoria, obriga a refletir sobre o valor da vida humana e sobre o que significa ser livre.
A realizadora Kaouther Ben Hania inspirou-se na história verídica do artista belga Wim Delvoye que tatuou uma obra no suiço Tim Steiner, que posteriormente vendeu a um colecionador por 150 mil euros, para escrever “O Homem Que Vendeu a Sua Pele”. A realizadora tem uma preferência notável por planos com enquadramentos dentro de enquadramentos e planos com foco em reflexões de espelhos que utiliza para criar imagens de separação e alienação de forma a relatar a história de Sam Ali.
O desespero subsequente da falta de escolhas e meios do protagonista é transversal a todos os refugiados que arriscam as suas vidas na tentativa de fugir às guerras que desolam os seus países. Obras como “O Homem Que Vendeu a Sua Pele” são filmes necessários uma vez que abordam e incentivam a discussão sobre esta crise humanitária que se vem alastrando há vários anos e continua a roubar vidas, e como tal, permanece um tema de extrema importância.

Classificação: ★★★★