Espelho Cinemático
Daniela Graça
O Pai (2020)
- Partilhar 31/05/2021
“O Pai” é a primeira
longa-metragem realizada por Florian Zeller,
dramaturgo e escritor francês. O filme
trata-se da adaptação para o grande ecrã da
peça de teatro homónima e é protagonizado
por Anthony Hopkins, uma das figuras mais
celebradas e galardoadas na arte da
representação. “O Pai” foi criticamente
aclamado desde a sua estreia e tornou
Anthony Hopkins a pessoa mais velha, aos 83
anos, a vencer um Óscar na categoria de
representação. O filme estreou nas salas
portuguesas a 6 de maio.
O filme segue a mente
em detioração do idoso Anthony (Anthony
Hopkins), que outrora fora um homem com uma
personalidade extremamente independente e
difícil, mas com um humor cortante e
inteligente. A sua filha Anne (Olivia
Colman) tenta contratar alguém para cuidar
do pai uma vez que ele não está apto para
viver sozinho, mas Anthony dificulta
ativamente o processo sabotando as
iniciativas de Anne ao aterrorizar a ajuda
que contratou. Anthony acredita-se capaz de
cuidar de si mesmo, não aceita a sua
condição e considera que a preocupação da
filha não tem fundamento. Mas a sua mente
atraiçoa-o e prega-lhe sustos cada vez mais
graves até o idoso começar a duvidar
daqueles que o rodeiam e da própria
realidade.
Outros grandes filmes
como “O meu nome é Alice” (2014) ou “Amor”
(2012) já abordaram a doença Alzheimer,
demência e envelhecimento, mas “O Pai”
acresce algo de novo já que a narrativa do
filme enfoca o ponto de vista do idoso em
vez de seguir a visão externa e objetiva da
progressão da condição do Anthony pelas
lentes dos familiares. Por outras palavras,
temos acesso à decadência mental e emocional
de Anthony segundo o relógio interno
desregulado do idoso, nós vemos como ele vê.
Primeiramente as mudanças são lentas, mas
progressivamente perdemo-nos com o idoso no
labirinto mental que se complica, sem norte
nem sul que o guie. A narrativa torna-se
ilógica, caótica e repetitiva, a linha do
que é real e irreal desvanece com a mente de
Anthony: objetos desaparecem, pessoas mudam
de aparência, conversas repetem-se. A noção
de espaço-tempo de Anthony desmorona-se
sendo que dias transformam-se em meses,
lugares transformam-se noutros lugares e
pessoas que já morreram há anos voltam à
vida na mente estilhaçada do idoso. É uma
prisão mental sem fim nem início,
demonstrada habilmente pelas escolhas
visuais e de cenário do autor, em que tudo
tem a mesma estrutura, as mesmas portas e os
mesmos corredores, apesar de serem lugares
diferentes em tempos diferentes.
“O Pai” é um filme angustiante que mostra sem inibições o interior de uma mente em deterioração no outono da vida e que não nos permite desviar o olhar do terror e confusão do envelhecimento ou da dor daqueles que nada podem fazer para ajudar. É um filme excelente, com argumento e realização exemplares, que conta ainda com um dos melhores desempenhos de Anthony Hopkins. É um filme difícil de se ver porque retrata uma realidade que a grande maioria das pessoas não quer ver por ser dolorosa e incurável, mas é a franqueza face à fragilidade e incapacidade da mente humana que torna “O Pai” um filme tão emocional e, consequentemente, necessário.
Classificação: ★★★★★
- n.25• junho 2021