Espelho Cinemático
Daniela Graça
Hiroshima, Meu Amor (1959)
- Partilhar 01/03/2021
Em 1959, após ter
dedicado uma década à realização de
documentários, o realizador Alain Resnais
apresentou a sua primeira longa-metragem, Hiroshima, Meu
Amor. O filme
demarcou-se de imediato pela sua linguagem
visual poética e é até hoje um dos filmes
mais celebrados do cinema francês, um marco
da Nouvelle Vague e uma obra incontornável
no cinema de autor.
Hiroshima, Meu Amor
é o entrelaçar do
passado e do presente, de trauma pessoal e
de uma grande tragédia pública, é uma dança
entre memória e esquecimento. O encontro,
por sorte do acaso, entre uma atriz francesa
(Emmanuelle Riva), a trabalhar num filme
sobre Hiroshima no Japão, e um arquiteto
japonês (Eiji Okada), resulta num romance
breve, mas intenso, que serve como pano de
fundo para dialogar sobre o bombardeamento
de Hiroshima e as sequelas da guerra. Ambas
as partes estão casadas e a atriz irá voltar
para França dentro de um dia, ou seja, é um
amor condenado desde o início, mas o par
continua a encontrar-se uma vez que são
movidos pelo desejo mútuo de conhecerem-se
um ao outro e entenderem como se tornaram
nas pessoas que são.
Este desejo de
conhecer depressa transforma-se numa ocasião
para auto-examinar o passado e exorcizar
feridas profundas e escondidas. Desta forma,
Hiroshima, Meu
Amor
desdobra-se elegantemente numa estrutura de
flashbacks
inovativa. No
fundo, o filme é o desbravar da memória, é a
observação dos movimentos de um relógio de
areia. A estrutura narrativa flui suavemente
devido ao guião escrito pela romancista
Marguerite Duras, pelo qual recebeu uma
nomeação a Óscar para Melhor Argumento
Original, e pelo tom definido pelo olhar
sensível, íntimo e simbólico de Resnais, que
permeia todo o filme. Com este filme, Alain
Resnais ganhou o prémio de melhor filme do
Sindicato Francês de Críticos de Cinema, de
melhor filme estrangeiro do Círculo de
Críticos de Cinema de Nova Iorque e um
prémio da Academia Britânica de Cinema.
Hiroshima, Meu Amor
é simultaneamente uma história de amor e um
filme anti-guerra. A impossibilidade deste
relacionamento amoroso e o facto que nunca
mais se irão ver afeta ambos de forma
impiedosa e resulta consequentemente na
confissão de vivências, passadas durante a
guerra, nunca antes partilhadas. Estas
revelações e reflexões são feitas por entre
as ruas, cafés e hotéis de Hiroshima, e
desta forma, são interligadas com a
devastação causada pela bomba atómica. É um
filme poético sobre o tempo, o amor e a
guerra.
Hiroshima, Meu Amor
é sobre aceitar que o esquecimento face à
tragédia, que acontece aos poucos e poucos,
não só é inevitável como também é necessário
para conseguir prosseguir com a vida.
Hiroshima, Meu Amor
é um filme anti-bélico essencial sobre a
vida após a Segunda Guerra Mundial. É uma
obra-prima cinematográfica imperdível.
Hiroshima, Meu Amor encontra-se disponível
para streaming na plataforma Filmin.
Classificação: ★★★★★
- n.22 • março 2021