Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

O Triunfo da Morte

Ao longo da história da humanidade, foram registadas várias epidemias provocadas por bactérias e vírus. Uma das mais antigas, talvez seja a de 430-427 a.C. em Atenas na Grécia. Mas a mais devastadora foi a chamada peste negra que no século XIV matou aproximadamente 25 milhões de pessoas na Europa.

A peste negra foi provocada pela bactéria "Yersinia pestis", comum nos ratos e transmitida aos humanos pela pulga desses animais contaminados. A proliferação rápida da peste deveu-se às más condições das habitações sem sistema de saneamento básico, reduzidos ou inexistentes hábitos de higiene corporal e a existência muito elevada de roedores nas cidades e casas, o que facilitou a disseminação das pulgas e da bactéria causadora da peste. A peste atingiu tudo e todos, quer nas cidades como nos campos, embora nas cidades, pela maior aglomeração de pessoas, tenha sido mais devastadora.

A morte, que de tempos em tempos assolava as cidades através de microrganismos invisíveis ao olho humano, fazia emergir o medo e o desespero, não por se ter chegado ao termo de uma jornada dignamente cumprida, mas por um desconhecido desígnio de antecipação de uma travessia difícil para um outro "lugar" em que a maioria não estava preparada.

A obra
O Triunfo da Morte de Pieter Bruegel, o Velho, realizada entre 1562-1563, simboliza os vícios mundanos sendo esmagados pela morte, representada aqui por um enorme exército de esqueletos. A devastação atinge indiscriminadamente as várias classes sociais. Como pano de fundo, uma paisagem destruída pelas chamas sob um céu negro, representando um mundo em "apocalipse", onde árvores carbonizadas são decepadas pela morte. Na linha do horizonte, barcos em chamas afundando-se. À frente, em primeiro plano, vemos a morte varrendo o espaço outrora humanizado. O rei, nos seus últimos momentos de vida, abandona o seu tesouro e a morte, cavalgando com a sua gadanha, conduz os vivos sem qualquer esperança de salvação, para uma grande urna funerária.

Pieter Bruegel, o Velho, pintor da Flandres da segunda metade do século XVI apesar de ter viajado pela península itálica e ser um artista do renascimento, manteve sempre a sua ligação à cultura popular medieval, desenvolvendo um mundo fantástico e visionário tal como Hieronymus Bosch. Esta representação —
O Triunfo da Morte, se bem que pode estar vinculada às guerras entre católicos e protestantes ocorrida no seio do Sacro Império Romano Germânico no século XVI, conduz-nos também às imagens da morte generalizada, provocada pelas epidemias recorrentes da Idade Média. Hoje, sabe-se que a proliferação de bactérias e vírus se dá sobretudo pela mobilidade e proximidade de pessoas em espaços reduzidos. A obra de Bruegel no contexto atual de globalização e de grandes metrópoles superpovoadas é um alerta para a necessidade de mudança de paradigma em relação ao nosso modo de vida no meio natural a que pertencemos.

* O Triunfo da Morte, [Pieter Bruegel, o Velho], 1562-1563, óleo sobre madeira, 117 x 162 cm - Museo del Prado, Madrid