
Espelho Cinemático
Daniela Graça
On the Rocks (2020)

On the Rocks
assinala o regresso de Sofia Coppola ao
grande ecrã e a antecipada reunião da
realizadora com o ator Bill Murray, com quem
colabora pela terceira vez.
On the Rocks
é uma comédia e drama leve que segue a
história de Laura (Rashida Jones), uma jovem
mãe e escritora nova-iorquina, que começa a
suspeitar que o marido (Marlon Wayans) lhe é
infiel. Esta suspeita descontrola-se e ganha
forma quando o pai de Laura, Felix (Bill
Murray), um carismático e charmoso “old
school playboy”, a convence a seguir o
marido para descobrir a verdade.
Ao contrário de
filmes anteriores da realizadora, como em
Lost in
Translation,
Marie
Antoniette ou
Bling Ring,
em On the
Rocks a
personagem principal não é “atirada” para um
ambiente estrangeiro e diferente, sendo a
própria personagem, Laura, a tornar-se o
elemento externo no seu ambiente natural. O
filme inicia-se com o dia do casamento,
idílico e perfeito, distinguível pela
cinematografia comparável à usada nos
anúncios publicitários de perfume, e depois
avança alguns anos, para o quotidiano
familiar do casamento do qual nasceram duas
filhas. É neste contexto de
domesticidade segura, confortável e algo
estagnada, que surge espaço para dúvidas,
sobre o estado do casamento e sobre a sua
capacidade de escrever o livro que está a
desenvolver.
Lost In Translation
e On the Rocks
são as obras entre as quais se traçam várias
relações, e com razão. Separados por 17 anos
de diferença, em ambos os filmes existe uma
cidade, que é mais uma personagem do que
localização, que realça os dilemas dos
protagonistas, sendo no primeiro Tóquio e no
segundo Nova Iorque. Em ambos os filmes,
Bill Murray é um pai que falha aos filhos
por demasiadas vezes, é uma figura masculina
mais velha, bastante opinativo e engraçado,
e é um mentor para a jovem mulher com quem
interage. No entanto, Bob Haris em
Lost in Translation,
oferece bons conselhos e muda no final do
filme, tornando-se uma melhor pessoa, marido
e pai, já Felix em
On the Rocks
é o oposto, apesar das suas boas intenções.
O tom jovial marcado pela música new wave ou
post-punk em
Lost in Translation,
e nos restantes filmes, deu lugar a um tom
maduro e à música jazz em
On the Rocks.
A expressão “on
the rocks”, referente a bebidas alcoólicas,
traduz-se para “com gelo”, o que reflete, em
parte, a energia do filme: suave e maduro,
como gelo a derreter num copo de whisky.
Passado na cidade que nunca dorme, com
bares, restaurantes, apartamentos,
escritórios e ruas elegantes, não falta
estilo ao tom de
On the Rocks.
No entanto são as personagens principais, o
duo de pai e filha, que carecem dessa
qualidade. Laura, por ser afetada pelo tédio
da domesticidade e pelo bloqueio artístico,
e Felix, que apesar de ser um excêntrico
magnata do circuito artístico, é um fóssil
de um tempo passado com noções antiquadas,
especialmente no que toca ao sexo oposto. Na
falta de “coolness” do par reside a comédia
do filme, como a perseguição a alta
velocidade num carro clássico vermelho
descapotável (que quase vai abaixo devido à
idade) pelas ruas noturnas cheias de vida de
Nova Iorque como se fossem detetives, ou na
fuga de uma festa, em que se vê o par a
andar atrás muito devagar para não ser visto
pelos outros convidados.
A missão de
detetives dá pretexto para pai e filha
passarem mais tempo juntos, para dialogarem
por entre bebidas sobre a natureza do
matrimónio, monogamia e amor. Felix afirma
que Laura tem de pensar como um homem e
intensifica as dúvidas da filha sobre a
possível traição do marido, porque ele mesmo
cometeu infidelidades no passado.
Ambos falam e questionam com franqueza os
seus casamentos e famílias.
On the Rocks é
um filme curto. Os diálogos não são densos
nem melodramáticos, mas falta-lhe a
irreverência cortante característica dos
filmes da realizadora. É o filme com a
temática e personagens mais maduras de Sofia
Coppola. No fundo é um filme sobre
“assentar” e sobre o confronto e desconforto
do quotidiano familiar. No final, nenhuma
das personagens mudou, ou cresceu, não há
necessidade para tal, o que é necessário é a
reafirmação da normalidade. Coppola conclui
o filme como se terminasse de embrulhar um
presente e lhe colocasse o laço no topo com
um final previsível, agradável e
tranquilizante, e, por isso, pouco
memorável.
On The Rocks está agora disponível para
visualização na plataforma de streaming
AppleTV.
Classificação: ★★★
- n.18 • novembro 2020