Asclépio
Carla Marçal Grilo
Pocahontas!
A norma confirmou o
ditado “Em casa de ferreiro, espeto de pau”.
Apesar de ser controlada como paciente de
alto risco, tudo se desmoronou no dia 21 de
março de 2019. Faltou-me o chão
naquela manhã solarenga. Duas semanas antes
da consulta de Senologia de rotina tinha
feito uma Ressonância Magnética. A médica da
Radiologia não me deixou sair sem fazer uma
biópsia à mama esquerda. Já não era a
primeira vez. Um ano antes tinha tentado
tirar um nódulo e não conseguiu. Estava
marcado, tanto fisicamente como para a vida.
Entrei na sala de exame, olhei para a minha
colega, esbocei um sorriso e disse em tom de
brincadeira para quebrar o medo – “Então
Teresa, fui sorteada?”. Eu como profissional
de saúde tinha consciência que aquele nódulo
me podia alterar a vida. Mas sentia-me bem
física e psicologicamente. Não tinha de ter
medo.
Estava feliz naquele
dia da consulta da mama. Por tudo o que era
e pela família que tinha. Haveria outra
razão para não estar feliz? Não. Toda eu
emanava alegria naquela manhã, apesar de
algum nervosismo. De repente, o dia
transformou-se negro como se de uma
tempestade se tratasse. Sentei-me em frente
à médica. E após abrir o meu processo
clínico, algo não estava bem. Os seus
grandes olhos verdes expressaram preocupação
ao ler o resultado anátomo-patológico da
biópsia. “A notícia que tenho para lhe dar
não é boa”, foram as palavras que lhe saíram
da boca. Senti um arrepio pelo corpo. Deixei
de sentir o chão numa fração de segundo. E
os meus sonhos? E a minha família? E o meu
trabalho? E o meu dia a dia? Como seria? Vou
morrer cedo? Porquê eu? Esta situação iria
se repetir ao fim de alguns anos. Lembrei-me
da minha mãe com cancro da mama e a sua luta
pela vida durante anos. Do meu pai que não
teve tempo de lutar contra o cancro no
cérebro. Toda eu tremia. E com as primeiras
lágrimas a saltar dos olhos, respondi:
“Tenho Cancro da mama.” Não conseguia
processar os passos que se seguiriam. Pedi
para o meu marido entrar. Ele é o meu Porto
de Abrigo. Naquele momento, ele era o único
que conseguiria processar a informação e os
passos seguintes “Operação e Tratamentos”.
Chorei. O meu cérebro só processava as
palavras Cancro e Morte.
Eu sabia como
profissional de saúde que a ciência está
muito avançada e que o cancro da mama se
tornou numa doença crónica. Mas a palavra
Cancro é assustadora. Estava a ser difícil
estar do lado de lá, do lado do doente. Não
estava habituada. Os meus olhos pareciam a
foz de um rio. E como iria dizer aos meus
filhos? E às minhas irmãs e irmão? Todos
eles me tinham enviado mensagens a perguntar
como tinha corrido a consulta. Estava a
queimar tempo para arranjar coragem.
Finalmente, respirei fundo e dei a notícia.
Do outro lado da linha, com cada um deles
senti um silêncio que pareceu uma
eternidade. Iríamos reviver tudo outra vez.
A operação, os tratamentos, os enjoos, a
queda de cabelo… Senti o dia infindável.
As minhas pernas
tremiam de nervosismo. Não era normal. Eu
trabalhava há 25 anos em meio hospitalar e
parecia que era a primeira vez que entrava
num internamento. Fiquei baralhada com
aquela agitação. Todos eles pareciam que
bailavam naquele piso. Os médicos, as
enfermeiras, as auxiliares e até os
equipamentos. Como era possível eu estar
baralhada? Chorava? Fugia? Não podia. Não
servia de nada. Era o início do fim da
doença. Tratar a derrota como a vitória não
é fácil, mas é possível. Após um ano e meio,
entre operação, quimioterapia, radioterapia,
terapêutica de anticorpos e hormonal, exames
complementares, queda de cabelo da
Pocahontas! e sumos de beterraba, sinto-me
bem. Isso é mais importante. Quero viver e
ser feliz.
O cancro da mama é
uma neoplasia (crescimento ou proliferação
anormal, autónoma e descontrolada de um
determinado tecido do corpo) com origem nos
tecidos mamários, geralmente nos ductos
(canais que transportam o leite até ao
mamilo) ou nos lóbulos (glândulas que
produzem o leite). A deteção de nódulo na
mama ou na axila, a modificação do tamanho
da mama, a modificação do aspeto da pele da
mama ou do mamilo e a secreção no mamilo são
sintomas de alerta. É o tipo de tumor mais
comum na mulher (apenas 1 em cada 100
cancros se desenvolvem no homem) e o segundo
mais frequente em todo o mundo. Há entre 5 a
10% dos cancros da mama diagnosticados com
características genéticas e hereditárias que
obrigam a um acompanhamento das famílias.
Os métodos e
tratamentos no cancro de mama, são eficazes
na cura entre 90% a 95%, quando
diagnosticados precocemente. O exame clínico
e a mamografia são meios para um diagnóstico
precoce, sobretudo a partir dos 40-45 anos,
sendo determinante para os resultados
clínicos alcançados.
Esteja atento aos
sinais de alerta e principais mecanismos de
prevenção.
Repense os seus
valores e prioridades.
Tenha uma vida
saudável.
Prevenir é o melhor remédio. A defesa é o melhor ataque.
- n.17 • outubro 2020