Contemplações
Artes na escola para quê?
Francisco Gil

A
educação garante a apropriação colectiva dos
instrumentos do conhecimento, o
desenvolvimento de competências de autonomia
de aprendizagem, sentido crítico e criativo
e a participação cidadã.
No século XIX quando
se pretendeu criar uma escola pública para
todos os moços e meninos (1), muitas vozes
se insurgiram, perguntando o que seria deste
país se toda a gente soubesse ler, escrever
e contar. Quem iria lavrar as terras? Quem
iria plantar as batatas?
Nessa altura, no
tempo dos reis e das rainhas, mais de 75 por
cento da população portuguesa não sabia ler
nem escrever. Os ofícios aprendiam-se
sobretudo com familiares. Desse modo, a
criação de escolas primárias no país em todo
o século XX, serviu para dar às crianças,
não só a instrução – os conhecimentos, mas
também uma educação para o desenvolvimento
de competências. Depois, surgiram as escolas
comerciais e industriais e o ensino superior
politécnico, visando a formação de
profissionais nas diferentes áreas. Nas
artes visuais, criaram-se as escolas de belas artes
de Lisboa e do Porto, onde se ingressava com
uns 14 anos de idade e cujo ensino tinha como
princípio a sua aplicação à indústria.
Como em outras áreas
do conhecimento, na vertente da educação
visual e artística – que é um âmbito
privilegiado para a contemplação, reflexão e
intervenção crítica – o que se continua a
fazer no ensino básico, embora por vezes não
pareça porque há algumas e boas exceções, é
continuar com os processos educativos do
passado, porque foi com esse modelo que a
maioria dos professores aprendeu.
Nas últimas décadas,
sobretudo nos meios académicos, coloca-se em
causa os modelos únicos de
ensino-aprendizagem na educação visual,
centrados em conteúdos e técnicas e, onde
mais que educar e formar cidadãos autónomos
e interventivos, se continua a promover um
ensino muito vinculado ao antigo sistema
produtivo segundo pseudo-orientações
superiores.
O que importa hoje, nas escolas públicas do ensino básico, é que se fomente uma educação artística para a compreensão crítica da cultura visual e não para o ensino de técnicas e performances do passado. Esse é um desafio evidente quando se analisa alguns horários e currículos das escolas de 1.º ciclo e 2.º ciclo que de interdisciplinaridade e flexibilidade curricular têm muito pouco. Nesse aspeto, o mais preocupante talvez seja o conservadorismo e persistência dos modelos antigos por parte de alguns pais e educadores que continuam a ver a escola como uma escola do século passado: uma escola onde se preparam as crianças para a resolução de fichas, testes e exames. Então o que temos? – Temos uma escola que educa para a competição aguerrida, com classificações para tudo e para todos e que em lugar de integrar, promove a exclusão e rejeita a diversidade.
(1)
António Aleixo, poeta
popular dizia que a senhora rica teve um
menino, e a pobre pariu um moço.
- n.5 • outubro 2019