Letras e Traços
José Maria de Oliveira
“O APRENDIZ DE ALZHEIMER”
Fimósio Lopes olhou para trás deixando a perder de vista o velho vale florido donde partira há cerca de duas horas, a fazer a sua caminhada...
Sentia-se bem nos seus oitenta e quatro anos. Sempre tivera saúde e não se podia queixar da vida que sempre lhe fora grata — talvez por nunca ter sido demasiado exigente — pois, lá no fundo, a única coisa que lhe “doía” um pouco, era a sensação de ingratidão em relação aos filhos, que por vezes “esquecem” o que fazemos por eles e que após duas tentativas falhadas para o encurralar num lar, desses, tipo penitenciária, que há para aí aos milhares, acabaram por ter do aceitar em regime de internamento rotativo a “dividir por quatro”: assim, ao fim de cada quatro meses, descrevia ele, como dizia de brincadeira, o seu movimento de translação, pois as casas de cada filho eram um pouco como as quatro estação do ano…
A casa da filha mais velha, divorciada, com dois filhotes de onze e treze anos era a Primavera: Os miúdos ajudavam, a filha não o chateava muito e ele gostava de os ensinar naquilo que sabia...
Seguia-se o Verão, o filho mais velho continuava igual a si próprio, trabalhava que nem um Mouro de Fez, já tinha um filho com 22 anos e a nora era, uma choninhas que só pensava em trapos, seca que nem uma serapilheira a torrar ao sol, sem emoções, tal como a mãe dela, com quem já tivera alguns desaguisados e que passava as tardes lá em casa, a chatear tudo e todos desde que enviuvara, com a mania das doenças e a dar conselhos, a torto e a direito, a quem inadvertidamente passavam lá por casa…aquilo era um autêntico “pincel”…
Seguia-se o Outono: a casa da filha mais nova — acolhedora e embora tivesse bom ambiente raramente estava em casa, pois vivia a maior parte do tempo com o namorado no Barreiro, onde tinha uma gráfica, ao que consta com algum sucesso. Ela fazia-lhe todo o expediente, mas era tudo gente muito atarefada. Tinham um lindo bebé, o Diogo que ficava todos os dias no infantário.
Finalmente o Inverno a casa da outra filha a quem tinha dado uma boa maquia, para a compra do último carro, ia para três anos. Como paga, acedeu a tê-lo lá em casa de quatro em quatro meses... tudo isto uma pechincha, dizia ela!
Fimósio já andava por estas vidas ia para cinco anos — desde que a mulher, dez anos mais nova que ele, lhe deu na veneta e com os pés e foi viver para casa dum antigo gerente bancário, reformado. Um pulha qualquer que gastava a reforma toda na batota... Também não se perdeu nada, tenho para mim que ela andou para trás!
Mas começava a estar farto disto tudo, as conversas dos filhos não passavam dum chorrilho constante de futilidade vazias e aquela agressividade com que falavam com ele quando aparecia de malas aviadas e de que já há muito reparara, começava a chateá-lo... também as leituras que outrora adorava fazer, pois andava sempre com uma boa dúzia de livros às costas e a velha máquina fotográfica com que gostava de fixar os netos (a sua predileção) pouco ou nada lhe diziam agora, verdades de há trinta anos tinham ido todas por água abaixo, tudo mudava, e ele que sempre gostara de “verdades consistentes” assistiu ao longo de meio século como elas — as verdades de outrora — se esgueirava por entre ou dedos desfeitas qual torrão de areias movediças. No fundo ninguém continuava a saber nada de nada e o resto da informação que lhe chegava era aquela profusão de ladainhas abonecadas, em que a Internet dos seus tempos de moço, se transformara, pior que uma droga dourada de 24 quilates!
Com o tempo apetecia-lhe cada vez falar menos, e ia também se desligando de pequenos hábitos desnecessários que o caracterizaram, a vida inteira... adorava contemplar a vida e a sua delícia principal era absorver as benesses do quatro elementos que Deus lhe ofertara à nascença – a Terra, a Luz, a Água e o Ar… Aí bebia tudo o que precisava de mais puro e gratuito: as brisas, as sombras estivais, a frescura do mar, as promessas dos horizontes, os frutos doirados do sol… os filhos viam-no assim deste modo a “alhear-se” e começando a preocupar-se, acabaram por levá-lo a meia dúzia de médicos e o último remate dum grande sapiente veio entre os dentes, mas que ele conseguiu ouvir — É Alzheimer! Não há dúvidas! E quem seria eu para desconfiar daquela eminência parda, a que chamavam doutor?
No fundo deu-me uma imensa vontade de rir, aquelas preocupações, as outras, mais veladas, para saber a quem “o velho” iria deixar as massas, as casas, as meia dúzia de ações e uns quantos cacos de família, que se recusava a tirar da velha vivenda onde de vez em quando ia, pois o neto, que já tinha carta, levava-o lá à surdina, sem que ninguém soubesse, a não ser o outro neto mais crescido, que sempre o adoraram e trataram por avô, num tom, que ele, todo dado às músicas, não deixava de estremecer como se fosse a sua ausente mãe quando o embalava em criança com doces nanas de amor... sim, porque também ela depois endureceu e não era mais do que uma das muitas mães, sem tempo para nada, de tal modo o espelho, as amigas, e o conferir as cadernetas com o meu pai lhe assoberbavam o tempo!... Mas aquela “do Alzheimer” era demais... e que diabo: é que vinha mesmo a calhar, talvez agora com o estatuto de “parvoíce galopante” se pudesse começar a “vingar” em pequenas doses, (porque no fundo nunca fora rancoroso), das pulhices que as noras e os filhos de vez em quando lhe fossem fazendo e que ele não gostava… que diabo! Porque não merecia!!!
Uma vez foi dar um passeio pelos arredores, entreteve-se a falar com um velho colega de escola que caíra na mendicidade o que veio às quinhentas. Foi o fim do mundo, tiveram-no guardado cinco dias e cinco noites. Depois começou a fazer-se desentendido às conversas, sobretudo quando não lhe interessavam, ou então quando lhe perguntavam onde tinha o dinheiro, quanto tinha, quando fazia testamento... e que “merda” há mais de um ano que não sabia o que era um leite-creme que ele tanto adorava, não fossem os doces que lhe traziam os netos às escondidas e estava feito! Para eles nunca faltara a massa, aliás já tinha feito o testamento em nome dos três netos, às escondidas, e deixava uma velha casa a um amigo de infância, um pouco mais novo do que ele e que nunca dera meia para a caixa, sempre com a mania de era poeta e só tinha uma reforma de 250 euros, de quatro anos passados na guerra colonial donde veio meio passado! Merdas da “democracia” do nosso quotidiano!
Agora aquela do Alzheimer era demais: Começou a dizer o que pensava, a fazer o que gostava, inclusivamente um dia pregou uma lambada na nora mais velha que tinha a mania que era filha de gente fina, e andava há uns tempos a “ornamentar” o palerma do filho, esquecendo-se que sempre fora bem tratada e que viera para casa dele com uma mão à frente o outro atrás...quase que aposto que nem trouxera cuecas!
Quanto aos medicamentos que lhe davam, para “o Alzheimar”, metia-os debaixo da prótese palatal e quando ia à retrete: — Pia com eles!
No fundo de si próprio sentia-se bem, resistente, cheio de apetite e duma lucidez “maligna” ..., mas na frente dos filhos e doutros estranhos “cada vez mais tolo e esquecido” e agora aprendera a armar-se em surdo — era um sucesso, as coisas que ouvia!!!... E então se apareciam lá em casa dos filhos alguns dos pindéricos amigos que tinham a mania que eram “ingleses” — só dizia baboseiras, e de vez em quando até partia um copo! Uma vez peidou-se (estava a casa cheia de gente fina), foi o fim da macacada! Era um espectáculo; perdão: a doença!
Foi-se habituando “àquilo”, e lá por dentro, cada vez rejubilava mais nos seus 84 anos. Adorava passear com os três netos mais velhos, pelos campos ou quando iam de carro, a alguma petiscada clandestina. Por vezes vinha à noite, com os netos do meio para o jardim, e se estivesse só com eles perdia a seu ar de ché-ché, deixando no salão os filhos ou a fazer contas de cabeça aos seus dinheiro, e olhava então para o céu estrelada e ia dissertando para os netos embevecidos: Olha Catarina aquela estrela além brilhante é Siriús, uma estrela dupla... mais além vês, aquele “molhinho”, são as Pleiades, e falava depois sobre os “deuses” que andavam lá por cima, enquanto para os seus botões, ia revivendo a história maravilhosa dum velho de cabelos brancos, que descobrira a Totalidade da Vida e que uma bela noite de verão sob a penumbra doce duma latada... resolveu adormecer no Universo!
“VIROSES DE A-LETRIA”
A excessiva
tolerância das democracias modernas veio
expor à praça pública, de forma
impressionantemente dramática, através da
chamada comunicação social, as
idiossincrasias mais vulneráveis dos
cidadãos, que, apesar de deixarem aos
tribunais, se necessário, a contestação das
mesmas, quando para tal são instados, o
certo é que cada vez mais expostos e
esventrados os nossos comportamentos menos
convencionais... arrastando, se
“necessário”, famílias inteiras para a
valeta sem o mínimo decoro, pudor e respeito
pela dignidade da pessoa humana. A vida dos
cidadãos, aqueles que mexem, está cada vez
mais a saque, a começar pelos protagonistas
da coisa pública…
Tudo isto deu já
origem a uma epidémica psicose
comportamental a que não é alheio um certo
reacionarismo larvar, mal pensante e
endógeno (de raiz judaico-cristã) onde a
inveja é a “dama de espadas” de um certo
tipo de imprensa, bem instalada, de sicários
com craveira moral e profissional medíocre e
devotada a escândalos fáceis de leitura tipo
“cigana de sinas”, ou o “grande e horrível
crime” dos folhetos de feira do antigamente.
Os orgãos de
comunicação social, de vocação
antropofágica, que se servem da intimidade
dos cidadãos como fonte de sustento, prestam
assim, conscientemente, um “óptimo serviço”
aos sectores mais reacionários da nossa
sociedade, por mais que se tentem decorar
com ornamentos “intelectuais”, crónicas
progressistas, falem elas em nome de quem
falarem! Mal dos “média” que tem de estar
sempre a “mexer nas fezes” ou na “libido”
dos outros para comprarem e alimentarem as
suas clientelas e fabricar assim os seus
salários de miséria. Tudo Isto, temperado
com um certo “jesuitismo” e não deixa de ser
mais uma forma de prostituição, da má
prostituição...
Concluindo; o
“politicamente correto” institui-se e
instalou-se, na sociedade “bem-pensante” de
hoje, como forma de armadura caracterial, a
partir da qual o branqueamento da
existência, a liofilização da inteligência,
o amesquinhamento do “corpo” e a construção
de “consciências de cristal”, são um facto
consumado!
Nem a Inquisição, no
seu auge, faria melhor!
Não falta muito tempo
para que, a “nossa” classe política tenha de
usar “lavandas” ecológicas, cuecas
biodegradáveis, fatos recicláveis, sapatos
sintéticos, luvas e máscaras, falar
português vernáculo ser perito em virologia
e nada de preservativos, a não ser, está
claro, a pele que Deus nos deu, (o
biologicamente correcto)!!!
O resultado final,
disto tudo, é que nos arriscamos a ter cada
vez mais, com a nossa conivência,
(fabricados por nós), dirigentes insípidos,
castrados, recalcados, manhosos, corruptos,
incompetentes e parasitas do voto fácil.
É preciso saber dizer
não à má imprensa e pô-la no seu devido
lugar! E ninguém melhor o pode fazer que os
cidadãos, recusando-se e comprar pasquins.
Ou os temos no sítio… ou estamos
“quilhados”!
Tal como a cebola ou
o alho-francês, revestimo-nos de sucessivos
invólucros de perfeccionismo q.b.,
mascarando a nossa pseudocompetência, de
ontem e hoje, para não nos expormos ao (mau)
juízo público e concomitantemente assim,
sentimo-nos não só protegidos, mas mais
capazes de atacar nos outros as nossas
próprias “fraquezas” recalcadas!
A “liberdade de
imprensa” trouxe, ao de cima, este velho
hábito do “cortar na casaca” (os fatos dos
outros só são bons quando nos podem servir)
e, se alguém tem o azar de subir na vida, só
pode tê-lo feito: atropelando tudo e todos,
com grandes padrinhos, (se é mulher deve ter
certamente “passado por baixo” de muitos
“chefes”) e quando se tem muito dinheiro: só
pode ter sido roubado!!! É dos livros!
A malta gosta de
escândalos e a má imprensa dá dinheiro!
Quantos “triliões” não se faturaram à conta
das “quecas” dos famosos – a maior parte
artificialmente criados…
A intolerância, o
ódio, o vazio, a militarização da vida
civil, (onde prosperam os fundamentalismos
mais exacerbados), a banalidade, o desamor,
a raiva, o ódio e a solidão são alguns dos
filhos bastardos da nossa viver de hoje!
Aproveitemos a
PANDEMIA para refletir, para quando as
portas do social e os abraços se abrirem de
novo, estarmos mais precavidos contra aquilo
que de mau fomos abrigados a mascar e
mascarar…
Esta forma de
canibalismo e de “roer em seco” o osso do
alheio, vem de longe, de muito longe, (é
tribal) e finalizamos parafraseando o velho
profeta:
– “Se aparecer alguém
a dizer que em Sodoma e Gomorra há dois
justos, o mal dos céus não cairá sobre as
nossas cabeças...” e o resultado está à
vista: as estátuas de sal de ontem
cristalizaram no acrílico de hoje, enquanto
a louça das caldas está cada vez mais em
baixa nas cotações do bolso! Ou será da
bolsa!?
Resguardem-se e
perdoem-me este desabafo virulento. q.b.
O PERU DE NATAL OU O NATAL DO PERU
INTRÉPIDO, VIVAZ…
DE
CRISTA À BANDA,
APRUMADO NO GESTO,
SINCERO NO ANDAR,
DIZIA GLU,GLU, GLU
A TODO A GENTE,
A
AFORA ISSO
NINGUÉM O VIU VOTAR…
JÁ FORA PAI DE TRÊS
ÍNCLITAS NINHADAS
E À SUA COMPANHEIRA
SE ALGUÉM LHE PERGUNTAR
VAI
CERTAMENTE OUVIR,
ENTRE
DUAS BICADAS,
QUE O SEU PERU ERA O MÁIOR
DOS PERUS A GLUGLUSAR…
VIVIAM NUMA QUINTA
NOS ARREDORES DA ALDEIA
COM OUTROS
CAMARADAS,
NA ARTE DE
CANTAR…
JÁ TINHA MUITOS ANOS
E ENTRE
MUITAS BICADAS
ERA UM
VETERANO ACÉRRIMO,
DO
PORTE, AO DESFILAR…
APROXIMAVA-SE O NATAL
(DIZIAM OS HOMENS)…
DATA BOA PRÓS MENINOS
MAS MÁ PARA AS CAPOEIRAS.
POIS TODOS OS
ANOS POR ALI HAVIA
FARTA MORTANDADE
E
GRANDE CHINFRINEIRAS…
JULGAVA A DIVINA AVE
POR VELHA E REFORMADA,
QUE NINGUÉM
PARA A GUERRA DAS FORNALHAS
O IA ALI BUSCAR!
MAS PASME-SE BOM POVO
(A VIDA É TÃO MALVADA)
O ANO ERA DE
CRISE
E A FOME DE PASMAR!...
NAQUELA MANHÃ LEDA
DA SANTA MADRUGADA
(EM QUE O MENINO
NASCEU
NUMA CAMA “PALHAR”)
O CASEIRO
DA QUINTA
ALI O FOI BUSCAR!
DESALINHADA, A PERUA
(ESPOSA) GRASNAVA, SUFOCADA,
QUATRO
PERUZINHOS ÓRFÃOS
IAM ALI FICAR
E MAIS
CINCO OVINHOS,
NUM MONTE DE PALHINHAS,
AGUARDAVAM OUTRO FIM:
A MÁ SORTE DE GORAR!
.......
NA COZINHA DO MONTE
UM VELHO PERU ESPERAVA,
DEPOIS DE
EMBEBEDADO,
PARA SE TORNAR MANJAR.
E
QUANDO ALGUÉM, PASME-SE,
A FACA LHE
CHEGAVA:
OUVIU-SE UM LONGO UIVO…
A
CHEGAR… A CHEGAR!
ERAM OS LOBOS DA SERRA,
QUE POR ALI RONDAVAM…
(A
FOME CHEGA A TODOS)
E NUM AR QUE LHE DEU,
PELA PORTA ESCANCARADA,
ENTRAVAM, SEIS,
UIVANTES,
E AO QUINTEIRO, COITADO,
NEM
A FACA VALEU!
O PERU “CHEIRAVA A
VINHO”
(POIS ESTAVA EMBRIAGADO)
E OS
LOBOS “ECOLÓGICOS” COMO NÃO BEBIAM
PASSARAM A SEU LADO, DESCUIDADOS, ENQUANTO
DO QUINTEIRO
JÁ NEM RESTOS SE VIAM…
RECUPEROU O PERU
DAQUELA CARRASPANA,
REGRESSOU PARA O LAR,
ONDE OS DOCES
FILHINHOS:
O ENCHERAM DE GLU…GLUS.
E
MIL BICADAS,
E O FOI ASSIM O NATAL
DESTES GRANDES
PASSARINHOS…
Estrelas para um natal confinado…
Pouco a pouco, as
nuvens foram desaparecendo na inquieta e
atormentada abóbada celeste. Sobre o véu
enrugado das montanhas, a noite começava a
desenhar as primeiras sombras róseas e
aniladas.
Aqui e além, pequenos charcos atestavam a
borrasca desencadeada momentos antes. A urze
transpirava ainda sobre o peso da ventania
espessa, que despenteara os montes.
Na estrada que conduzia à vila caminhavam
apressadamente, pai e filho, temendo um novo
desencadear dos elementos.
A noite estendia-se agora sobre a paisagem
imensa e calma. Nos olhos grandes da criança
começavam a reflectir-se as primeiras
estrelas. Uma pergunta há muito formulada
queimava-lhe a garganta. Porque não caíam as
estrelas? Como seria bom correr para elas,
apanhá-las e acariciá-las de encontro ao seu
peito! Ah, se elas caíssem... iria nem que
fosse à montanha grande, que fica no outro
lado do lago... teria depois uma caixinha
bonita para as guardar a todas, debaixo da
sua almofada branca. Elas podiam cair, pois
não lhe dissera o avozinho, que o menino
Jesus tinha uma grande estrela?
– Oh, pai,
quando é que caem as estrela?
O homem olhou para a criança, embasbacado e
perguntou:
–
Gostavas que elas caíssem?
–
Oh, sim, iria apanhar muitas para ter
comigo!
–
Meu filho, mal de nós se as estrelas
caíssem. Onde tu as vês, são pequeninas; mas
se elas se aproximassem queimariam tudo,
pois são grandes como o nosso sol e tão
quentes que algumas delas, se estivessem
onde ele está morreríamos. Todos.
–
Mas então não caem? – Perguntou a criança.
–
Não, meu filho; não caem!
Ah, como ele gostaria de ter uma estrela,
nem que fosse a mais pequenina. Aquilo que o
pai disse não podia ser verdade; as estrelas
não eram grandes mas sim pequeninas e
douradas como as via no céu e um dia
arranjaria uma para lhe mostrar...
Após o jantar, a família reuniu-se em volta
da TV olhando as notícias: A pandemia, a
guerra no Oriente, o último lançamento, o
boletim meteorológico, etc... A criança
olhou para os pais e irmãos, esfregou os
olhitos e silenciosamente afastou-se para
junto dos seus brinquedos.
De novo as estrelas vieram à sua imaginação.
Quantas caberiam na sua camioneta
pequenina?...
Não! Os soldados eram feios, todos iguais,
pequeninos e de chumbo cinzento. Gostava
mais do palhaço; estava sempre a rir e tinha
duas estrelas grandes no seu chapéu, duas
estrelas,... Quando no céu elas eram
tantas... E se ele pedisse ao Menino Jesus
para lhe dar uma?... Pois não eram todas
d’Ele?... Que lhe custaria ficar sem duas ou
três?
Devagarinho, a criança caminhou para a
porta. Queria ver as estrelas... Lá fora a
brisa soprava; silenciosa, suave e embalando
a copa negra das árvores. Uma frescura doce
emanava da terra e além, no céu distante, as
estrelas sorriam, sorriam sempre, pequeninas
e palpitantes.
Dois olhos negros rasgavam as trevas
opalinas do espaço e perdiam-se cobiçosos na
distância.
As estrelas brilhavam... como eram lindas –
murmurava o petiz, para consigo, e
inadvertidamente estendeu os braços para
elas, implorando... implorando.
– Vinde a mim, estrelinhas, vinde a
mim!
A aragem soluçava melodias sobre a quietude
da planície silenciosa. Além, distante, a
coroa dourada da lua, ressuscitava do ventre
de uma montanha.
– Vinde, estrelinhas, vinde brincar
comigo...
Os seus olhitos começaram a embaciar-se, as
estrelas tremiam no céu, eram agora muitas
mais, e a sua garganta murmurava: –
Vinde... só uma pequenina...aquela!
Tinha as mãozinhas rente ao peito e
implorava – aquela!
Umas a uma, as estrelas foram-lhe caindo nas
mãos plangentes, como pequeninas pérolas
cristalinas. A lua sorria através delas num
caleidoscópio multicolor e encantado.
Eram as suas primeiras lágrimas vazias...
Os caprichos duma flor
UM
MENINO ENCONTROU UM DIA
ESTRANHA FLOR NO SEU JARDIM
QUE NASCEU COM A MAGIA
DE TER
UMA SINA ASSIM:
DE
MÃO EM MÃO PELO MUNDO
ESTA FLOR VIAJOU.
MUITOS
SÁBIOS A MIRARAM…
MUITAS
SENTENÇAS ESCUTOU.
UM
BOTÂNICO FAMOSO,
AO IR-LHE
PARAR À MÃO,
TEVE NUM TOM PRESUNÇOSO
ESTA
DOUTA OPINIÃO:
OITO
PETALAS ESTREITAS
NUMA COROLA
ESTRANGULADA
AS CÉPALAS SÃO
IMPERFEITAS
DO CÁLICE NÃO
ESCORRE NADA…
OS
ESTAMES TRILOBADOS
ENCABEÇAM
O ANDROCEU,
AS ANTERAS SÃO
OVAIS
É RASGADO O GENECEU…
VEIO
ENTÃO UM MATEMÁTICO
E ESTA
SENTENÇA RESOU,
AO OLHAR
PARA A FLOR
LOGO O SÁBIO
VOCIFEROU:
A
RAIZ QUADRADA ENCAIXA
LOGARÍTMOS DE MONTA
COM AS
DERIVADAS DOS LADOS
NAS
ABSISSAS DA PONTA
FAZENDO O EXPOENCIAL
NUM
PERFIL TRIGONOMÉTRICO
ACHAMOS
QUE A INCÓGNITA
NÃO MEDE MAIS
QUE UM METRO!…
HEIS
UM FÍSICO FAMOSO
NOBEL DE
GRANDE TALENTO
QUE AOS
OUVINTES DISSE ISTO:
É UM
COSMOS EM MOVIMENTO
NOS
PLANOS INCLINADOS,
QUE A
GRAVIDADE CONTÉM,
EXISTEM
VÓRTICES VAGOS
E UMA
TRANSLAÇÃO TAMBÉM!
OS
ATÓMOS TEM CARBONO,
E AS
MOLÉCULAS COMPLEXAS,
NA
TEORIA DAS CORDAS
SÃO
UM UNIVERSO ÀS AVESSAS…
E
NÃO FICOU POR AQUI
A
LINGUAGEM SAPIENTE
DAS DOUTAS PROEMINÊNCIAS
DESTE MUNDO INCONSEQUENTE.
TAMBÉM UM ARTISTA LOUCO,
NESTAS COISAS DO PINTAR,
VEIO
ARMADO DE PINCÉIS
PARA
A FLOR “RETRATAR”
GASTOU O AZUL DA PRÚSSIA,
ACABOU O VERDE TURQUESA,
E COM
O QUE SOBROU DO CARMIM
BORROU O TAMPO DA MESA…
LOGO
AO VIRAR DA ESQUINA
UM
VIRTUOSO MAESTRO
DEDICOU-LHE TRÊS SONATAS
E UM
MINUETO EM VERSO!
OS
VIOLINOS GEMERAM,
O
PIANO ENLOUQUECEU,
QUATRO TROMBONES GEMERAM
E O
BATERISTA MORREU.
QUEM
NÃO PODIA FALTAR
A
ESTE ELENCO FAMOSO,
FOI
UM POLÍTICO SÁBIO
QUE
DISSE EM TOM DESDENHOSO:
PELO
CHEIRO É DE DIREITA,
NAS
CORES, A ESQUERDA ESTÁ VISTA
CONTUDO VISTA DO CENTRO
PARECE-ME PLURALISTA.
E
EMBORA EM BOA VERDADE,
SEJA
MINHA A OPINIÃO,
PARA
A EXPLORARMOS A FUNDO
SÓ
COM UMA COLIGAÇÃO.
E
ENTRE NOTAS DE IMPRENSA
E
ABRIR OS TELEJORNAIS
A
FLOR GARRIDA ERA
MUITO? POUCO? E TUDO O MAIS?!
Jmho – in a dialéctica da simplicidade
A Flor Cinzenta
O pequeno insecto
voou mais uma vez. No seu doce deambular ia
colando nas patinhas reluzentes o pólen das
mil folhas coloridas que encontrava na sua
peregrinação.
De quando em vez
quedava-se e saboreava docemente um pouco
daquele pó dourado que só as flores mais
coloridas têm. Para ele, no fundo, eram
esses grãozinhos minúsculos a sua riqueza,
os seus bens...
Por vezes rumava ao
Sol para, deliciado, retemperar o calor a
fim de evitar que o néctar das flores que
transportava, solidificasse demais; outras
vezes, quando o calor abrasava, temia que
tudo se derretesse e mergulhava, por
instantes, numa pequena gota de orvalho
perdida algures numa folha esquecida nas
sombras do caminho...
E assim foi que num
belo dia, quando enlouquecido pela
fragrância das flores do seu prado, reparou
numa linda flor cinzenta que nunca tinha
visto. Embevecido e trémulo, aproximou-se e
apercebeu-se que aquela flor não tinha
néctar, estava sequinha e triste
semienrolada na sua solidão. Então,
docemente, com as patinhas fervendo de amor
depositou um pouco de cada grãozinho de
néctar que transportava no seu bornal e que
o Sol lhe oferecera.
Atrás do pólen ia
também ficando o colorido das muitas flores
que visitara em tempos e a pequenina flor
cinzenta foi-se matizando de miríades de
cores transformando-se na mais bonita flor
daquele lugar enquanto o astro rei sorria…
O pequeno insecto
olhou a sua obra e ziguezagueando, de novo
no espaço, partiu alegremente à procura de
mais flores cinzentas.
Distante, o Sol
dourado da madrugada começava a iluminar o
prado para mais um dia, e no meio daquele
imenso mar florido uma pequenina flor sorria
lançando ao céu a cintilação radiosa dum
alegre arco-íris.
E tudo isto aconteceu
num dia em que o teu olhar estava triste…
O GARANHÃO
(crónica virulenta
duma tarde sonolenta de agosto no Alentejo
profundo)
Só quem o viu naquele
dia!
Largo e profundo,
narinas tensas e erectas, olhos em sangue,
semicerrados e aquele resfolgar trovejante
que lhe fazia jorrar a baba farta e
espessa que lhe brincava nos beiços, como um
aditivo catalisador ao anseio espermático
a ferver-lhe nas entranhas, pronto a
inundar o mundo e a reiniciar, assim, um
novo capítulo do sempre eterno milagre da
Criação!
A fêmea, doce e
fecunda, preparara já nas suas entranhas,
sem "sombra de pecado", os paramentos
biológicos com que a vida a dotara e que
haviam de receber aquela embaixada de amor a
percorrer-lhe processionalmente, fremente e
avassaladora, a antecâmara escaldante e por
onde fluímos todos!
Tudo se passou, mais
uma vez, numa sonolenta tarde de finais de
agosto, na antiga ganadaria, algures perdida
num dos muitos montes do agora bem tratado e
sequioso Alentejo...
.....
Se alguém o visse,
naquele dia, iria encontrá-lo mais uma vez
desvairado e arquejante, olhando para o
sexo, sem vida, de soslaio, como se alguma
maldição lhe tivesse sido lançada –
imagine-se a rogo de quem!?
Na aldeia, todos o
apontavam à socapa, mas havia mais; muitos
encharcavam-se, lá para o fim da tarde, com
uma mistela que o taberneiro lhes impingia à
guisa de vinho... de outros, dizia-se que o
abade enfeitiçara as mulheres com
estranho sermões e "rezas do fim do mundo",
o que é certo é que muitas se recusavam
já a cumprir "os deveres" com os seus
homens, tementes, quiçá da sida, do
mafarrico mascarado de corona, se do cansaço
de serem cobertas, uma vida inteira, como
vacas e sempre, sempre, com aquela estranha
sensação que estavam sendo agredidas por
eles... por vezes, algumas choravam em
silêncio. Depois, havia também, na terra,
funcionários... muitos deles a funcionar há
mais de quarenta anos, naquela pasmaceira,
sem horizontes que não fossem aquela
imprecisa linha, ao fundo, que no rigor do
verão desfocava o olhar e não fosse um ou
outro estafado calendário com lindas
mulheres nuas que lhes decoravam o fundo das
gavetas das ressequidas secretárias de
pinho, e o jornal, dito desportivo que,
depois de devorado na sanita do serviço,
ainda servia para outras azáfamas.
Em casa era sempre
a mesma coisa. Televisão aos berros ou
celulares balbuciantes para esquecer o
calor, muitos tiros, um roço permanente de
corpos escaldantes e aquelas estafadas
histórias de corrupção, todos os dias, a
todas as horas, como uma maldição,
de que todos falavam, dispunham e "faziam",
enquanto diariamente morria gente
indefesa, virosa, e sempre sem ninguém
fazer a ponta dum corno a não ser o ódio dos
beligerantes e a impotência dos
circunspectos. Vergonhas!
Os albergas da Mitra
continuavam vivos e recomendavam-se!...
Ah, mas as
carnes... na tevê, fartas, cheirosas, sem
pelos, tão lindas e limpas que
até por vezes parecia que os corpos cevados,
de tanto delírio, espalhavam estranhos
aromas por toda a casa e pátios de entradas
deixavam, nas bocas ressequidas de tantas e
tantas famílias, aquela estranha e
perturbadora sensação que a "vida adiada"
ainda não tinha passado por eles...
como se o que viam (virtual) fosse também
vida!
....
Naquela tarde, a
multidão estava ululante. Largos milhares de
pessoas enchiam a velha praça de terra
batida, mascarado a rigor, com os focinhos
tapados com coloridos “açaimos” rodeada de
tapumes, onde fora improvisado à pressa, um
hipotético curro, quase a desmanchar-se por
si próprio, à espera da hora decisiva.
Um silêncio de morte
antecedeu, por milésimos de segundo, a
entrada da "fera".
Destro,
enraivecido, mas não louco, trepidante mas
não senil, viril até ao tutano dos
ossos, com toda a sua dignidade de macho que
lhe era possível assumir naquela tarde
sinistra, o touro foi empurrado
à pressa para a arena onde fedia, há muito,
um cheiro pútrido a morte, mas não a dele,
que os touros morrem de pé!
Mirou em
redor a massa hilariante que não lhe dizia
absolutamente nada - por isso era
genuinamente uma besta - onde
nem sequer havia desprezo, depois foi a
estrafega total, a luta bárbara, aos
encontrões, desigual, desleal, os ferros
traiçoeiros a rasgar-lhe as carnes suadas, o
confronto sem motivo a que o sujeitavam,
pois não lutava por nenhuma fêmea, e aquele
chão coberto de pó, sem pastos, também não
era o seu, e aquele berrar de fundo que o
enlouquecia, avassalador, vindo das
gargantas roucas que em seu redor não
paravam de gritar: MATA! MATA! MATA! MATA!!!
Esquálido e cúmplice,
o presumível "lidador", mais uma vez
escondia, o ferro da morte debaixo da capa
onde se amortalhara a poeira suja e babada
da tarde.
A luta chegava ao
fim, não seria mais uma vez leal:
Cornos com cornos, ou se quiser à mão! Pois
assim mesmo é que devia ser, para ser nobre,
embora continuasse a faltar ainda um motivo,
de frente, sem ferros espetados e já
sangrado com as forças desvanecidas, como
fazem alguns forcados!
Herói? Aquele gajo? –
Uma merda!!!
Depois, foi o fim, ou
talvez, quem sabe, o princípio do fim!
Ferido de morte o
animal, arquejou, barbaramente assassinado
na praça pública, mas não sem antes
ter deixado de limpar, como por
desprezo, por segundos o falo
desencabrestado que sempre exibira durante a
refrega, pelas calças borradas do heroico e
famoso toureiro, que, entretanto
desaparecera, como qualquer criminoso
de segunda, depois de perpetrado o
crime!
Havia, na
assistência, quem se sentisse intimamente
vingado, pois o desgraçado bovino, ao fim e
ao cabo, sem se aperceber, arrestara
na sua morte inglória, as frustrações
odiosas de muitas "vacas" mal cobertas e de
muitos "touros" do nosso vasto
sequeiro lusitano e provinciano, há muito
com "os ferros" em baixo e impróprios
para as "lides"!...
Finalmente, oremos
para que a curto prazo seja retomado, em
Portugal, o ancestral e salutar culto do
"BOI APIS"! Que melhor bênção nos podia
calhar, entre outras, para despedida deste
milénio dito "das luzes" e agora dos vírus?!
Entretanto, do
outros pontos do planeta, o
povo continua a ser abatido às "manadas",
pois talvez seja também uma "tradição" que
venha de longe - sim, porque estas coisas da
morte podem tornar-se tradicionais e entrar
para o "folclore"; ante a passividade
de quem se habituou a comer índios ao
pequeno almoço, a brincar aos polícias
e ladrões e a "participar" em Guerras, via
tevê!.
Qualquer dia a guerra
é considerada uma tradição folclórica…
Mas não pensem que
sou puritano: adoro comer um bom bife – seja
de vaca ou de boi... sou, no entanto,
daqueles que defendem que a morte, qualquer
morte, deve ter recato, motivo natural e
dignidade q.b.!
PESADELOS DUM MEXILHÃO MASOQUISTA
Todos conhecem
esse heroico bivalve – preto por fora,
vermelho por dentro, cabeleira fortemente
enraizada na rocha madrasta que o viu
nascer, crescer e findar-se - carnes
musculosas rubicudas e casca dura que a
agrura das marés, ao longo de milhões de
anos de rebentação a cascar-lhe em cima,
impiedosamente, foi moldando… tudo isto, sem
que alguma vez lhe tenham dado o devido
valor como manjar dos assim assim, dos
filósofos das fábulas a beira rocha, quer
dos artesãos do "bricolage ideológico",
a não ser pela sua carga
erótico-existencial: É sempre, sempre, desde
que o mundo é mundo e que este bivalve
existe, que os deuses do diz que disse,
vociferam: – já "quando o mar bate na
rocha...”.
É essencialmente a
sua dedicação masoquista ao calhau
"madrasto" a que a sua condição o acorrenta
à nascença ao calhau (o mexilhão não é por
assim dizer um andarilho) onde é sempre tão
maltratado - come mal e parcamente, e leva
porrada do mar todo o santo dia
enquanto mastiga e quanto mais porrada leva
mais se agarra à rocha!!!
Mas donde vem este
profundo sentimento de apego ao calhau do
mexilhão?
Por que não quis ele
seguir as peugadas dos seus irmãos bivalves,
deambulantes, muito melhor sucedidos e menos
mal tratados?
Veja-se o caso da sua
prima a vieira, há tantos anos dedicada, com
sucesso, às indústrias petrolíferas!
E algumas das suas
irmãs ostras transformadas em industriais de
joalharia! Até o estouvado berbigão,
conhecido como o marisco dos pobres, a
indiscreta conquilha e a pornográfica
amêijoa, passando pelo obsceno lingueirão,
tiveram todos destinos bem mais felizes!
Há, contudo, na sina
do mexilhão essa bizarra analogia com outro
"molusco" de polpa mol e casca dura (esta
por dentro) – o chamado "Zé Povinho"!
Também ele
amarrado ao "calhau" que o viu nascer e a
que dá, por vezes, langorosamente o nome de
pátria (seria mais correto "madrástia" ou
até “bastardia”), se vê permanentemente
entalado e fustigado pelas agruras dos
flagelos ondulantes que a sua
precária e dependente existência busca e tem
de suportar para seu tormento! Um molusco
masoquista!!! Concretamente, aqui nesta
reflecção ao ter inventado, para seu tempero
o "destino" e o "credo" e
concomitantemente, o baile mandado entre os
dois!
Há muitos anos os
homens eram todos diferentes e embora
parecessem iguais, facilmente se distinguiam
pela sua grande verosimilhança!
Hoje, são todos
iguais, e, na verdade, embora pareçam
diferentes, cada vez mais nos apercebemos
que só as moscas é que mudam à sua volta…
Assim, no seu
acantonamento obsceno ao solo "madrasto" o
mexelhão humano foi produzindo e segregando,
com as suas glândulas "mais dotadas", as
classes sociais que tradicionalmente o
haviam de lixar, espremer, ou, se
preferirem, sodomizar "ad eterno" por todo o
lado e por todos os cantos …
A sina do mar é
malhar nos mexilhões!!! Pessoa e Camões
aperceberam-se dessa relação.
Um deles disse:
“Oh, mar salgado
quanto do teu sal são lágrimas – (digo eu
dos mexilhões) de Portugal” …
No início da
História o mexilhão humano começou, logo, a
dar o flanco à classe castrense – os pré
ancestrais dos consumidores de farda: militares, nobres, clérigos, etc. – que o
protegiam das agressões do exterior e, hoje
mesmo, sem agressões exteriores à vista,
essas classes (incluindo os acionistas)
continuam a dominar em todo o mundo dito
civilizado… e se o mexilhão refila: Pum, pum!
Dois submarinos ao fundo!
Depois apareceram,
também, há muitos anos, os iluminados e à
conta das “divindades" (com quem diziam
falar) e da "vida eterna" (que nunca
conheceram, mas que arranjavam para todos a
troco de uns trocos bem trocados) mamavam do
melhor
– por cima e por baixo, sem sombra de
pecado… O mexilhão (desde que pensou que
existia como marisco importante) tem uma
droga preferencial que dá pelo nomo de
“credoína” e nunca tantos comeram e comem à
conta desse apreciado néctar que dá pelo
nome de ideologia – para tratar do “corpo” e
religiões para tratar do “espírito”. Este
S.M.S. – Serviço Mundial de Saúde é
universal como não podia deixar de ser! É, no
fundo, a forma mais higiénica dos fortes e
dos chicos espertos tratarem do mais fraco
ou o mais tolo!
Quase na mesma
altura em que apareceram estes credores
(pessoas que vendem credos) o nosso mexilhão
clonou-se num outro tipo de bivalve afim,
mas com a casca mais fina: O primeiro do
género apareceu no Egito antigo e teve por
patrono o célebre escriba acocorado, que por
norma, entre outros serviços mais modestos,
fazia a limpeza e lubrificação dos sinetes
do faraó e restante família e comensais,
fiscalizava a contabilidade dos saques –
hoje conhecido pelo pomposo titulo de
"contribuições e impostos. Esta classe dos
acocorados evoluiu por mil e uma peripécias
acrobáticas e progressivas, para os chamados
homens públicos (não pudicos nem púbicos),
dando origem a todas as coleções de
burocratas, artistas, contabilistas,
doutores, políticos e treinadores de café,
etc., etc., que hoje povoam o planeta.
Como é lógico, toda
esta mariscada, de que a princípio "falei",
procurou e procurará, sempre, perpetuar o
seu domínio sobre o ainda auto denominado
"povo" que, das baralhadas que há para aí,
neste momento, por causa dum pedaço de DNA
mal acabado, só é possível distinguir e
encontrar açaimado nas grandes superfícies e
agora com os calores nas praias, e a quem se
aplica, a velha sentença:
"Quando o mar bate
na rocha quem se espreme é o mexilhão" e nós
acrescentamos, para que não restem
dúvidas, que não é só ele quem sente
os balanços desta orgia constante das ondas
do fisco, que há alguns iluminados bivalves
que atingiram a fase madrepérola, procurando
nas Nações Unidas e noutras montras de
socorros mútuos e afins, controlar o ímpeto
das marés vivas deste tão maltratado
marisco!!!
Entrámos, já uns
meses, no primeiro ano da E.P.C. – Era Pós
Corona – Uma nova classe de moluscos
encascados está a nascer juntamente com os
"netocratas", são os “caçavírus”!
Preparam-se pois, para levar com mais uns
vagalhões nas depauperadas cascas… e,
enquanto a onda vai e vem, uma nova forma de
governação começa a surgir no horizonte com
uma divindade virtual, tão de agrado dos
povos (adorar seres que não se vêm… os
vírus não se vêm mas que existem? Existem!)
e que assusta toda agente e dá pelo
antisséptico nome de: CORONOCRACIA!
CANTIGAS EM SOL MAIOR
Quando toca uma
guitarra,
Teu corpo abre-se em sonhos
Teus sonhos abrem-se em rosas
E as rosas abrem-se em braços
Os braços cantam abraços
E os abraços são regaços
Desaguando em mil cascatas
De serenas serenatas…
Quando toca uma
guitarra
Beijada por dedos quentes
Sobem as lavas eternas
Nos peitos rubros das gentes…
Por isso frágil
guitarra
Toca, toca… sem parar
Embala nas tuas cordas
Os prantos do meu cantar…
Pois jamais separarei
Da tua forma tão bela
Essa figura singela
Onde deus pôs tal feitiço
Engenho, arte, derriço
Que dá por nome: mulher.
Mulher, guitarra,
mulher…
Desgarra na minha alma
O pranto da tua dor
E seja sempre o amor
O teu sustento guitarra.
Guitarra minha
guitarra
Minha doce e eterna amante!
Minha eterna companheira
Deste viver de estudante…
Guitarra minha guitarra
Minha doce e eterna amante!
Zé Maria 2019
RUMO À VITÓRIA FINAL
(vem aí o verão e os seus pequenos percalços nouturnos…)
Isto já está a durar demais!
Ou eu, ou ele!
Neste preciso momento, estou em crer que o universo é terrivelmente pequeno para os dois!
Porra, Estou farto!!!
Em plena Idade do Ouro Apocalíptica, quando todas as forças Anti-Eros se congeminam para a arrancada final que dará início ao princípio do fim do terceiro milénio, em que tudo leva a crer, quando os quatro Cavaleiros do Apocalipse formaram a "holding", prevista, com quatro novos maiores empresários da atualidade: o Lixo, o Consumo, o Ruído e a Globalização, quando tudo isto acontece a uma escala nunca vista, dizíamos, o Lacerda teima. Insiste, remorde, intenta, remexe, chateia, empertiga, em não me deixar dormir e beber-me o sangue, vai para dez noites consecutivas!
Já tentei tudo, desde o ligeiro ao pesado, passando por emboscadas, cercos, tácticas de terra queimada, golpes de mão, guerrilha de elástico, armadilhas de fita gomada, xeltox, D.D.T., ácido sulfúrico, vudu, processos crime, telefonemas anónimos, cartoons, meditação, notas de imprensa, impostos, promessas eleitorais, tolerância zero, em sei lá, e o F. D. P. não descola!
Basta começar a cerrar os olhos e deixar-me embalar nos braços de "Morfina" (nunca gostei de Morfeu; prefiro a sósia), e aí vem ele qual Kamikaze, turbinas ao rubro, no máximo, pronto a ferrar-me pela enésima vez, e a procurar alimentar-se "ad eterno" à custa do meu precioso sangue (1º colheita 42, Serra da Estrela, meia encosta, carrascão)!
Os estragos não param lá em casa e, quando eu mais uma vez vou pensar que o limpei – o bandido tem dezenas de clones a trabalhar para ele – lá vem ele de novo, no silêncio da noite, em voo picado a fazer "rasemotes", "himellmens", "chik munkes", "folhas caídas", "loopings" "oito cubano", e outras acrobacias aéreas radicais, por cima da minha cabeça, totalmente aturdida e enterrada sob as mantas e apenas com a ponta do nariz de fora por motivos de sobrevivência, óbvia!
Tenho o divórcio à porta por causa dele, já dei dez murros na mulher em pleno sono, para além de indiretamente a ter agredido com dois sapatos, um pufo persa, uma prótese dentária da minha avó, em pirex, que serve de pisa papéis, e uma bíblia asteca!
Da minha mobília de quarto, estilo Império, já só resta inteiro o baú, que foi a arranjar vai para seis meses, bem como a arrastadeira que herdei dos meus antepassados, em loiça da Provença, que só escapou ao meu "apocalypse now" porque tem servido de gamela à minha bichana, e eu só ainda não pus a casa à venda, porque esta raiva cega, surda e sibilante que me invade e ferve em mim até aos tutanos, qual vulcão das Filipinas, me diz que mais tarde ou mais cedo hei-de apanhá-lo!
O nosso último confronto foi demolidor: os candeeiros de cabeceira, um anjinho de terracota de Barcelos, um aplique de porcelana, dos "cento e cinquenta", e a coleção de budas da patroa foram à vida!
A minha raiva, nesse dia, atingiu o paroxismo. A minha noite de sono foi igual a zero! O pulha, quando sentiu a minha perseguição impiedosa, fez-me uma finta de mestre, deixei do ver e logo a seguir enfiou-se-me pela orelha direita adentro, quase até ao córtex, assobiou uma valsa lenta e ainda teve tempo para me chamar de tudo!
Passei-me! Peguei no jarro de água que tenho sobre a mesa de cabeceira e despejei-o por cima de mim na esperança do afogar! Fiquei feito num pinto!
E o mais dramático disto tudo é que ele nunca vai morder a minha mulher, nem que seja uma vez por outra, para me dar tréguas!
Mas agora, finalmente, depois de muito pensar, creio que tenho a solução final para o problema: Vou apanhar uma real piela e a patroa; e ela, que é mais artista do que eu a apanhar mosquitos, vai ficar de atalaia, pois talvez ele se embebede, quando me picar pela décima vez e ela, a minha mulher a quem já prometi o testamento por inteiro, se me ajudar apanhá-lo, zás! Vai certamente deitar a mão ao Lacerda vivo, que é como eu o quero, para depois lhe fazer o mesmo, ou... melhor, ainda!
Não sei bem quais as tácticas que vou usar devido às nossas grandes diferenças de cultura e de escala, mas vou consultar a Internet e, depois, logo vos narro o resto... se sobrar alguém para contar!
O Corredor
Um dia, quatro bichinhos (a carocha, a formiga, a aranha e a mosca) resolveram dar um passeio conjunto através dum lindo túnel que descobriram na floresta.
A carocha foi pelo chão, a formiga pela parede, a aranha mandou a sua cordinha transparente de lado a lado e foi pelo ar, quanto à nossa amiga mosca, como estava cansada de voar, foi caminhando pelo tecto.
Quando chegaram ao fim do seu percurso resolveram falar das suas aventuras e cada um contou o que viu. Aí começou a discussão pois a carocha disse que tinha visto ervinhas, pequenas pedras, alguns buracos, meia dúzia de flores e um casalinho de bichos-de-conta, era assim o túnel para ela; a formiga, que foi pela parede, falou de musgo, pedrinhas bicudas, outras companheiras suas que ali moravam, pedacinhos de madeira a desprenderem-se, etc., era assim o túnel para ela; a aranha, que tinha viajado no seu teleférico brilhante, falou das alturas, de libelinhas que a cumprimentaram, dum passarinho que quase a ia derrubando, dum rio que se via ao longe,... Era assim o túnel para ela; finalmente a mosca falou do tecto onde encontrou cinco morcegos, muitas teias de aranhas pequeninas, gotas de água que escorriam das paredes, e muito mais, era assim o túnel para ela.
Os bichinhos deram com eles quase zangados a chamarem-se de mentirosos uns aos outros. Estava quase tudo envolvido em bulha quando apareceu uma borboleta azul que ali morava e que nas suas viagens pelo túnel, tanto conhecia as paredes, como o tecto, como o chão e como o ar. Ouvia-as a discutir surpreendida e pedindo licença meteu-se na discussão dizendo:
— Não percebo o vosso desacordo. Todos têm razão; só que cada um viu as coisas à sua maneira e como não pode ver o resto pensa que aquilo que viu era tudo o que havia para ver.
Eles escutaram a borboleta, perceberam a lições continuaram amigos por muito tempo e sempre que podiam juntavam-se para contarem uns aos outros as aventuras que passavam e que muito deliciavam os outros companheiros do grupo.
Com o tempo todos foram conhecendo melhor a floresta e como tinham aprendido a lição da borboleta ficavam sempre pensando quão bonita seria o resto da floresta vista por outros bichinhos que eles não conheciam, mas que por ali andavam por todo o lado...
A MÃO DE FREI JANUÁRIO
Frei Januário era um daqueles irmãos especiais, que aparecem de quando em onde, como se vindo directamente das calendas franciscanas, cheio de bonomia, pachorrice, boa vontade e um certo sortilégio gastronómico, sobretudo para rebuçados, pelos quais se sentia, pecadoramente, melodependente... e, quantos perdões a Deus já lhe tinham saído, sentidos, da alma, ainda mal os papelinhos tinha jogado ao chão (os frades nunca foram muito ecológicos)! Mas da boca é que ele não os largava.
Vivia, descuidado, numa pequena congregação comunitária, com Beneditinos e, para além das esmolas, que placidamente compartilhava com os mais carentes, dedicava-se a apascentar meia dúzia de bezerras, e a amanhar uma viçosa leira de couves lombardas nas cercanias dum pequeno convento, adaptado dum velho “shopping” (1.ª geração) abandonado, que compartilhava, entre biombos de contraplacado com mais 17 irmãos, irmãs e semi-irmãos, em grande austeridade e recato.
Ora aconteceu, numa bela e soalheira tarde de Verão, daquelas em que nem as varejeiras, se atrevem a zumbir sobre o que quer que seja, que, um pequeno cachorro, que andava ali por perto, se enfiou para dentro da emaranhada engrenagem duma debulhadora placidamente, (parecia) adormecida, à espera das próximas espigas.
Frei Januário não hesitou. Num gesto irreflectido, como quase todos os gestos que partem do coração, enfiou o braço para dentro da máquina e zás! O diabo teceu-as! A máquina desatou a trabalhar e a mão direita do bom do frade, desencaminhou-se por entre lâminas, rodízios, ferrugens, muito barulho e ... restos de palha.
Foi uma sorte! (!?). No hospital onde deu entrada, acabara de chegar, ainda quente, sob a forma de cadáver, um conhecido larápio, vítima de atropelamento, quando fugia a um grupo de comerciantes enfurecidos, (coisas da crise) que o tinham apanhado em flagrante gamanço! A equipa médica que o transplantou foi imbatível. Em três horas, com a mais lapidar e sábia microcirurgia, enxertaram-lhe a mão direita do foragido, que parecia ter caído do céu, em forma e em tempo, às maravilhas, por milagre (acrescentamos nós)!
Mas, Oh, desígnios do insondável, a mão, aquela mão que nos primeiros dias se encontrava adormecida sob os efeitos da anestesia, à medida que despertava do seu passado necrótico, começava a dar evidentes sinais de rejeição e não só. Mas o que deixava a comunidade médica “de pantanas” era a descontinuidade daquelas “crises” que só acontecem – nas estatísticas – por excepção; passando, a mão, por longos períodos de normalidade, sem inchaços visíveis, até fases agudas com formigueiro, tumefacção, latejar e tremores, como se quisesse saltar para fora do antebraço ao qual, acidentalmente, “pertencia” agora!
Frei Januário, que nunca rejeitara nada do que viesse da vontade do Supremo, apenas rezava mais fervorosamente nestes momentos de sofrimento, afastando então, agastado e meio em pânico, alguns estranhos sentimentos e pensamentos, que o assaltavam durante estas crises em que, pasme-se, tinha vontade de roubar, de deitar a mão ao que quer que fosse, mesmo que não lhe fizesse a menor falta! Era como que um impulso vindo não se sabe de onde e nesses “entretantos” a mão fervia-lhe, agitava-se caprichosa, e os dedos entravam num frenesim de tal ordem que tinha de escondê-los por debaixo do manto, para ninguém se aperceber daquela agitação frenética... passando mesmo a ser mal interpretado, pois começou a correr o boato que se coçava por debaixo do burel!
Entre Deus e o Diabo era por onde Frei Januário andava agora. E enquanto as sumidades ortopédicas estudavam a raridade científica daquele caso, o santo irmão vivia num profundo dilema: Uma vontade louca de roubar à direita e uma febre incontida de dar à esquerda!
A tomada de consciência desta realidade, caricata, e simultaneamente trágica, arrasou-o ainda mais quando se perguntou: estaria ele a transformar-se num “diabólico comunista”?! Daqueles que já só constavam nos manuais da necromancia mais ateia?
Um dia, há sempre um dia, em que o Sol se
espreguiçava caprichoso por entre os braços
da frondosa madressilva ancorada,
adormecida, há longos anos, à parede da sua
cela, frei Januário pôs-se a olhar (e
meditar), para a sua nova mão com se
quisesse sondar-lhe os desígnios ocultos,
como que a interrogá-la sobre a sua
inquietude, e bem no fundo o seu “querer”.
Veio-lhe então à memória a imagem do
miserável pecador que lhe tinha “oferecido”
aquele precioso órgão manipulador, órgão que
servira ao seu antigo proprietário para
sobreviver: roubando, Fora uma mão que nunca
aprendera a dar e era, no fundo, uma mão que
continuava a querer viver, como sempre tinha
vivido, roubando aqui e além... como se
tivesse memória própria, uma cons(ciência),
e um destino para cumprir, muito para além
duma “mera mão” a quem os médicos, apenas
aplicavam os seus conhecimentos mecanicistas
e estratificados – sem alma.
Agora, para Frei Januário aquela mão procurava, isso sim, “recuperar” a sua giesta própria, um pouco da essência do seu ser e do ser a quem pertencera: uma mão “gamante” e que estava prisioneira à espera da libertação, ou à espera dum pouco de paz desde que lhe dessem o “alimento” que precisava!
Frei Januário sentiu-se iluminado. Resplandecente! O Senhor, na sua Infinita Grandeza, abrira-lhe, um pouco mais, o manto das Maravilhas da Vida.
Frei Januário tinha de ir ao encontro dos anseios daquela sua nova aliada e convertê-la, sem trair a Deus, e sem agradar ao Diabo. Assim de cada vez que passava por uma loja onde houvesse rebuçados de que tanto gostava, e onde os comerciantes, que o conheciam como “guloso”, o autorizavam, desde sempre, a tirar um rebuçadinho, passou a tirar dois, com a mão direita:
– um que chupava deleitadamente e o outro que guardava, sorrateiro, para depois o oferecer, com a mão esquerda, às crianças que ia encontrando pelo caminho; enquanto vociferava baixinho, para consigo:
– Uma mão não deve saber o que a outra faz! E alargava aos Céus o seu grande e misericordioso olhar bovino, sorrindo como só os frades sábios, bondosos, bonacheirões e gulosos, sabem sorrir…
Escusado será dizer que as crises, ditas de “rejeição”, desapareceram...
Entretanto a comunidade médica continua; ainda hoje, a esta hora em que estas palavras estão sendo lidas; atónita, a fazer congressos, debates, mesas redondas, comissões de inquérito, simpósios… para estudar o caso, e até já há até alguns clínicos, on-line, que não conhecendo o miolo desta singela narrativa, começam a acreditar que estas coisas de “rejeição” e “aceitação” têm mais que se lhes diga!!!
FRANGÉLICO
A Muralha dos
Imortais
Em tempos fora apenas um lugar escampado... um daqueles escanifrados ermos suburbanos que costumam ficar ao abandono – ou porque nunca foram de ninguém, ou porque pura e simplesmente a civilização cansou-se de passar por ali, e partiu para outras bandas…
Terra barrenta de malaquite arenosa, gretada, por onde espreitavam, de quando em vez, agrestes rochedos de crómio, compartilhando o espaço com uma espécie de trepadeira rastejante, acastanhada, que mais parecia uma artéria crestada ao sol dum recém retalhado cadáver.
Lá longe, na linha do horizonte, o astro rei, vermelho rubro de raiva, derramava os últimos restos de calor e luz sobre a paisagem, naquele dia.
A meia encosta, descambando sobre o mar, estendia-se um extenso e estranha “muro”, com largos quilómetros, a esfumar-se ao longe, como cauda de serpente morta, há muito escanifrada...
O viajante aproximou-se, transido pelo medo e pelo frio, que àquelas horas da tarde começavam-se a fazer sentir. Mas o que mais o vergava era o temor, sobretudo pelo arrepio que sentia na mórbida curiosidade que o levara a percorrer centenas de quilómetros, para ver “aquilo”.
Desde criança que ouvira falar nesse sítio amaldiçoado, onde só alguns “desviados” ainda iam aparecendo, quem sabe se para cumprir velhas promessas de rituais esconjuratórios.
Até os maiores delinquentes da Terra, que em tempos fizeram “permanência” obrigatória naquele local, tinham sido despenalizados das suas penas, após longas lutas com o governo das nações, para os transferirem, nem que fosse para o inferno!
Talvez por isso mesmo é que as únicas ruínas que por ali jaziam pertencessem a uma velha fortaleza penitenciária, que albergara, em tempos, uma população de quase um milhão dos piores facínoras produzidos pelo planeta, sem contar com uma boa centena de milhares de funcionários prisionais, famílias, comerciantes, proxenetas e rameiras, entre outros, que englobavam o ramalhete.
Os tempos foram correndo, a engenharia genética, na sua expressão mutante, tinha sido posta de lado há muito, bem como os assassinos das espécies, os tarados dos catecismos, os loucos da esperança e todos os que eram “diferentes”. Nessa imensa multidão desapareceram igualmente (aperceberam-se disso “os árbitros” das nações, demasiado tarde) os últimos artistas da Terra. Os poetas, os pintores, os filósofos, os escritores e todos os outros sonhadores que ousavam pensar, sentir e agir diferente e por conta própria, tinham sido extintos!
Com a crise da globalização viera o novo holocausto, a extinção da floresta verde, o esgotamento dos mares, a “Guerra do Lixo”, a Guerra da
Água Potável, o esgotamento dos crudes, o cisma das energias alternativas, a extinção dos automóveis, a supressão dos electrodomésticos e para
colmatar esta sucessão de maldições “modernas” uma desvairada manipulação genética dera origem às primeiras gerações de imortais.
Por ironia do destino a ciência desenterrara das entranhas da Terra (para onde há muito eram lançados os lixos da superfície, através das chaminés gigantes tecidas nas entranhas de velhos vulcões semi-controlados, a fim de serem cremados nas longas torrentes de lava que fervilhavam nos abismos) um meteoro fóssil com esporos vivos congelados, numa geleira petrificada, com quase 15.000 milhões de anos; gerado, acreditava-se, quase no início do Big Bang... hipótese essa que mais tarde viria a ser rejeitada quando se descobriu que esse “esporo” sobrevivera e transitara, não se sabe como, doutro Universo anterior ao último Big Bang...
Nele foi encontrado aquilo que a ciência resolveu baptizar por gene da auto-suficiência; uma espécie de Genoma “moto-continuo” da vida, que extrai toda a energia que necessita, por osmose, directamente do meio envolvente, seja ele qual for, sem precisar da complexidade de orgãos especializados para a elaboração e manutenção de tudo o que em si processa. Esta “eternidade genética” fora transferida para o homem - alguns homens - através de tecnologias caríssimas, e, quando, passadas algumas centenas de anos, começaram a surgir os primeiros “arrependidos” já era demasiado tarde para voltar atrás. O gene trouxera, sem dúvida, a imortalidade, mas não a interrupção do envelhecimento, e que envelhecimento…
A eutanásia falhara!!!
Quase cinquenta mil imortais tinham sido engendrados artificialmente, depois... com o decorrer dos séculos e dos milénios esses “humanos” foram-se cansando de tudo, sobretudo de si próprios, mas óh maldição das maldições, não conseguiam morrer porque isso lhes estava eternamente interditado até ao mais profundo da sua essência cósmica.
Ao tentarem destruir-se e como tentaram tudo, de novo se reiniciava um eterno ciclo de regeneração, de perpetuidade e tédio infinito…
Essa turba estranha de “imortais” convergira, há muito, para ali, como que a procurar, com os seus iguais, dum “cemitério para vivos”, para encontrar a paz e o descanso eterno…em “vida”…
A estranha massa humana, que se espraiava ululante ao longo do muro, transformara-se sinistra trepadeira fóssil, semi petrificada, esquecida, ondulante como um vómito de vento, no tempo de todos os tempos, revestia-se de tons acastanhados e negro ressequido...
Singular “muro das lamentações” aquele, onde Deus não chegara e onde um murmúrio constante de rogativas, crepitava ao longo da extensa muralha como eco dum grito arrancado, em uníssono, às almas penadas dos mais profundos abismos dos Infernos de Dante!
Lá estavam eles envelhecidos como raízes, já quase sem forma humana, arbóreos, frutos da desilusão dum velho sonho da loucura humana, acoitados, ao longo de milénios, numa singular “confraria” de zombis, tecida com “mortos vivos”, semiapagados, esgotados, ululantes, perdidos
na memória do esquecimento… mas sobretudo vazios de alma, numa necrose eternamente adiada sem encantos, novidades, esperança e fé.
Eram a “nata” dos antigos rapinadores do planeta Terra, que tudo investiram, sequiosos, nesse estranho “elixir da longa vida”, cozinhado na aventura apocalíptica dum conjunto de experiências genéticas, só para ricos, forjada em laboratórios secretos, daqueles em que se fabricam os “antraxes”. Os “coronavírus” e outros venenos apocalípticos, longe dos povos, que começaram primeiro com os “congelados”, e acabaram por fim, ali, às “portas de Deus”, como pensavam, e por onde queriam penetrar, em vida, no apex dourado dos seus orgasmos paranóicos... esquecendo-se que Deus é em si o Único Eterno e a Única Porta!
O Viajante, ajeitou definitivamente a gola do borel que o revestia dos pés à cabeça, e preparou-se para abalar sem contudo ter conseguido evitar, num “adeus” derradeiro, de olhar, sobre a longa perspectiva da infindável trepadeira humana, a apagar-se aos poucos no horizonte do fim da tarde...
No ar pairava um estranho odor adocicado a humos, vindo da cortina fosforescente, que qual bambinela de limbos e líquenes entrelaçava os “pés raízes” dessa perversa “trepadeira humana”, petrificada, com olhos de “celulóide”, redondos como frutos exóticos, vomitando enxofre, vidrados e agitando-se numa estranha “macumba”, amarelecidos e inexoravelmente “escravizados” a um desconhecido “tempo” onde há muito ruíram os portais do ontem, do hoje e do amanhã!...
A Lenda da Alheira Lusitana
A propósito da censura "escolar" ao poema de Álvaro de Campos...
O gene jesuíta, na sua pior estirpe, continua a fazer parte do genoma da "raça lusitana",
quando se censuram versos de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) em livros de "estudo" para jovens de 17/18 anos, por causa de alguns comportamentos sexuais de conhecimento tão comum e corriqueiro à maioria dos jovens.
Esquecem-se, esses senhores sensores, de "alma puritana" e "casta" que qualquer garoto, de muito menos idade, (estão fartos de ver pornografia gratuita na net, nas têvês, etc..) sabe muito mais de “sexualidade” que qualquer destes arautos do "parece mal"!!!
Esta gente mete nojo e continua a fazer estragos nos caminhos da liberdade onde a livre escolha, quando não é reprimida, é muito mais saudável, pela sua diversidade e conhecimento de riscos, de certeza, que a vida sexual miserável que muitos desses arautos da venda e da rolha, continuam a proclamar... e muitas vezes em casa onde são péssimos exemplos para os próprios filhos e companheiros…
Falem mais de amor e deixem o sexo em paz !!!
Pena é que essa gente, "iluminada" por uma falsa moralidade, continue a ocupar posições políticos e sociais onde causam mais estragos às gerações jovens (reproduzindo nelas, muitas vezes, através do medo, o seu estigma repressivo e persecutório!
Já o povo diz : "públicas virtudes, vícios privados"...é assim a "nossa" moral judaico cristã !
Por cá ainda não conseguimos sair da "era da alheira"!!!
O Personagem
Toda a gente o
conhece! Simpático, cordial, bem parecido,
não aparentando minimamente a idade que tem,
por vezes irónico, mas lá no fundo o melhor
e mais justo dos mortais!
Para desfrutar da sua presença afável, amena
e imprescindível, todos os dias, para sentir
ao vivo a sua companhia sempre desejada,
muito pouco terá de fazer... por outro lado,
o que há de maravilhoso nesse personagem é
que está sempre crescendo, evoluindo,
melhorando, avançando rumo ao infinito,
trazendo, por vezes, no olhar, aquela
nostalgia da eternidade que o caracteriza!
Como lhe fica bem aquela graça humilde, que
ninguém diria...
Podia ser eterno!
Devia ser eterno! Não envelhecer, nem
adoecer...
- Um pouco mais de alento... e fora Deus!
- Um pouco mais de sonho... e fora Infinito!
Crescer é, contudo, a sua principal virtude e
ambição!
Depois, como não podia deixar de ser, ocupa
há muito o centro do Universo?!
Há nele um estranho mistério que o atrai...
qualquer coisa que vem de longe, muito
longe... algo que é como um apelo!
E é tão seguro! Se assim não fosse porque
diabo não haveria ele de vestir a roupagem
de todos os grandes personagens?
Capaz de tudo, cientista, poeta, ladrão,
deus e diabo, grande e pequeno, alto e
baixo, ora morrendo ora ressuscitando,
lutador e cobarde, nobre e vilão, povo e
rei, rico e pobre, santo e pecador, leal e
traidor, apaixonado e distante, novo e
velho, louco e ajuizado... parece
incrível tanta diversidade num só ser, tanta
amplitude num só abraço...tanto sonho num só
alento, e o mais espantoso é como ele
está tão próximo de si, tão perto, tão
tangível!
Quer conhecê-lo, finalmente?
Prometa-me que não cai para o lado, depois
do conhecer pessoalmente, e, sem mais
delongas, mate já a sua ansiedade crónica,
pegue num espelho bem grande, para
abrangê-lo todo, depois olhe-se
profundamente dentro dos seus próprios
olhos, deixe correr um pouco a cascata
do tempo ...e, se quiser, mais tarde,
logo me diz se não encontrou este
espantoso personagem?!
As Bolhas
Dizem os
entendidos que a vida começou no mar...
contudo, e se tomarmos em linha de conta a
grande propensão "aerofágica" da esmagadora
maioria dos seres vivos – sem "ar" não
há vida – sinto-me fortemente
inclinado a afirmar que a vida começou no
AR!
O que equivale a dizer que a "vida" antes de
meter água começou por meter AR.
Assim, muito antes das famosas trilobites e
demais bichinhos do antanho, e muito antes
de se precipitarem as chuvas diluvianas que
deram origem aos oceanos, já a antiga
atmosfera terrestre existia e era povoada
por numerosas "espécies" flutuantes, que por
motivos óbvios de fragilidade, (as bolhas
não têm consistência obsessiva) os
respectivos registos fósseis não chegaram ao
nosso conhecimento.
Pairavam, então, esses seres esféricos,
felizes, policromáticos e ululantes sobre a
paisagem antrocolítica terrestre.
Movia-as ora o vento ora um pequeno orifício
produzido, para o efeito, na sua superfície
e no sentido contrário para onde se queriam
deslocar. Esse orifício, a que podemos
chamar "pipo", após cumprir a sua função,
era imediatamente fechado e não se ficava a
notar absolutamente nada. Contudo o que as
"bolhas" gostavam efetivamente era de
"navegar" ao sabor dos ventos. A "bolina"
não era com elas!
Alimentavam-se, como é óbvio, dos gases
atmosféricos de então e chegavam a durar
milénios, pois como não havia nada que as
rebentasse, a sua tensão superficial era
praticamente constante, sem desgaste, nem
agressões, quase eternas...
Segundo as nossas fontes, foi essencialmente
o aparecimento dum composto atmosférico
– tipo gás
metano –
com um forte cheiro a ácido sulfídrico, que
as levou a abandonar a vida aérea e a
procurarem refúgio nas águas pouco
profundas e quentes do oceano. O resto da
história já você pensa que sabe, tal como
eu!
A esses espécimes, cuja única sustentação
plausível é ainda a atual configuração da
cabeça humana, poder-se-iam muito bem ter
chamado: BOLHAS! Esses são, pois, os nossos
legítimos e "primogénitos" antepassados que
a constarem na taxinomia Lamark-Darwiniana
seriam os primeiros na escala de evolução
das espécies.
As bolhas eram totalmente assexuadas, pelo
que nunca se lhes poderia, com propriedade,
atribuir a “origem da tragédia”!
Antes dessas "vesículas vivas", apenas
existiram as borbulhantes emanações das
erupções vulcânicas e de outros meteorismos
de não menos importância, que passaram à
história.
Ainda hoje, a cega paixão pelos balões, nas
crianças, pela bola, nos adultos, pelos
preservativos nos amantes, pelas bochechas
na política, e pela bolsa, nos acionistas
(entre outras), são a prova cabal do que
acabei de dizer.
Reparem como tudo o que é perfeito e
genuinamente "primitivo" se aproxima do
divino formato das esferas, da bolha!
Pitágoras e os seus acólitos é que tinham
razão e, quando Alcebiades, no "Banquete" de
Platão, disserta sobre esse ser "perfeito de
quatro braços e quatro pernas", próximo da
esfera, que queria conquistar o Olimpo, está
a bater em cheio naquilo que afirmamos… a
chamada bolha olímpica!!!
Demorará, certamente, ainda muito tempo para
que a "ciência oficial" venha a reconhecer
este facto: Não será certamente nas gerações
mais próximas, mas, quando o pião do tempo
rodar para o segundo centénio da era do
Aquário, é que esta verdade insofismável e
insuflável, virá a lume, iluminadamente pela
mão cristalina dos doutos "conscientistas".
(cientistas conscientes).
Até lá, paciência! As nossas fontes são
outras!
Contudo, se o meu amigo(a) guardar esta
notícia como recorte, de modo que os seus
trinetos, ou tetranetos, daqui a mais ou
menos, cento e vinte anos a descubram, iria
ouvi-los dizer, caso estivesse vivo:
– Os velhos é que
sabiam!...
(o que é certo é que esta tese já se
confirma…)
“Bandarrices minhas”…
A Morte do Pai Natal
José Maria de Oliveira
A última vez que
o vi foi no Largo de Camões, em Faro; creio
que no início deste frio mês de Dezembro.
Era ele, sem tirar nem pôr, barba branca,
bem semeada, mais ou menos no tamanho
daquelas searas ondulantes que preparamos
para o Presépio, também elas cultivadas na
mesma altura e prontas para o grande sucesso
da Noite de Natal.
Mas voltemos ao Pai Natal. Vestia um velho
colete escarlate, e um surrado fato de
vários tecidos, todo puído, com que se
disfarça, lindamente, todos os anos, para
não ser reconhecido, antes da Noite de
Natal.
Não calçara ainda as suas longas botas de
pele pretas e bem polidas, em seu lugar,
como disfarce, usava umas velhas sapatilhas,
sem cor, por onde se vislumbrava, entre as
farripas das meias esburacadas, aquilo que
adivinhávamos serem os dedos dos pés.
Outra curiosidade, da sua camuflagem: estava
deitado no chão, no Largo de Camões, em
Faro.
Não eram certamente ainda "Las cinco de la
tarde", mas eram, aproximadamente, umas duas
... logo a seguir ao almoço, (daqueles que
almoçam) ...
Aproximei-me, cauteloso, pois ao vê-lo com o
rosto encostado ao chão pensei que se
tivesse deitado assim, tentando perscrutar,
com o ouvido no chão, já, lá ao longe, o
característico barulho do seu magnífico
trenó, de muitos cavalos...
Mas não parecia dormir... pensei
então, que talvez estivesse
contando, mentalmente, o número de meninos
que viria visitar este ano, em Faro, no
nosso Algarve, ou talvez sonhando com os
muitos beijos, abraços, e desejos de
conversar, que muitos pediam aos pais e que
ele não conseguia satisfazer – Apenas dava
brinquedos, brinquedos, tralha, trapos,
chocolates, mas nada daquilo que todas as
crianças do mundo mais gostam de receber...
no Natal (e todo o ano). As carícias e o
respeito dos pais!!!
Mas não seria caso que ele estivesse
dormindo, por ter chegado mesmo agora,
cansado, muito cansado?
Aproximei-me, mal conseguia ouvir a
sua respiração e não apresentava evidentes
sinais de alcoolismo, dir-se-ia que fora
surpreendido por uma daquelas "doenças
súbitas fatais" que costumam levar muitos
"pais natais", deste mundo, para o Céu, pela
via mais rápida, a fim de lhes evitar
conflitos alfandegários, nas portagens do
Purgatório, do Limbo, ou, sabe-se lá, se até
para lhes evitar algum mau encontro com
Diabos à solta, dos mais danados!!!
Eu sou ainda daqueles que acreditam que
estes "Pais Natais" que morrem na praça
pública, vão directamente para o CÉU!
O "Pai Natal" pareceu-me mal!
Instantaneamente liguei para a P.S.P. e pedi
uma ambulância, com urgência.
Não lhe quis mexer, com medo do "acordar" da
sua condição de Pai Natal caído no Largo de
Camões (que ironia) e limitei-me a aguardar,
um pouco afastado, atento ao que me
envolvia, até que os socorros chegassem.
Entretanto, desfilaram pelo insólito
"espectáculo", algumas dezenas de pessoas,
tudo boa gente, homens e mulheres que
olharam, remiraram, alguns até sorriam, e lá
foram seguindo o seu percurso, sem que me
tenha apercebido que qualquer daqueles
transeuntes esboçasse o mais pequeno gesto,
para segurar num "filha da puta dum
telemóvel" e pedir socorro nem que fosse ao
Inferno!...
Lembrei-me do Zeca (O Afonso) e do refrão
dos que andam "na noite de breu (ou será de
Natal?) à procura, e não há quem lhes queira
valer"!
Sem me aperceber tinha caído um espesso
nevoeiro. Senti os óculos completamente
embaciados e quase que perdido na bruma que
me envolvia, mal consegui conter na garganta
um grito de Natal à Portuguesa...
A P.S. P. chegou, passado pouco tempo, bem
como uma ambulância para "tomarem conta da
ocorrência".
Naquele dia, tinha
assistido, petrificado, sem convite, na
primeira fila, do areópago do mundo, onde
todos representamos a comédia da vida, onde
todos à enésima MORTE DO PAI NATAL!
À minha memória vieram, então, imagens dos
milhares de Pais Natais que pelo nosso País
fora – católico, apostólico e romano – vamos
despejando por esses "Presépios" para "Pais
Natais no Desemprego, já sem saco" que dão
pelo disfarçado nome de "lares para a
terceira idade"!!!
Em que tipo de gente nos estamos
transformando?
É cada vez mais imperioso e urgente alertar todas as crianças, monstruosamente
ludibriadas e defraudadas, que o PAI NATAL
está MORTO, e há testemunhas, e que foram os
seus pais que o ajudaram a matar, em plena
praça pública, como é apanágio dos grandes
Heróis, numa hora de trânsito, algures
também em Faro... e não eram certamente
ainda "as cinco de la tarde"...
Mas nós ainda acreditamos em si,
especialmente em si, estimado leitor, que
conseguiu ler a nossa mensagem, e que ainda
não "morreu por dentro" para ajudar, dentro
das suas possibilidades, a dizer ao seu
"vizinho" o que é esta coisa maravilhosa do
Natal, donde vem, o que é, para o que
serve...
Ainda vamos todos
a tempo de passar a mensagem!!!