
à Deriva
Fernando Vieira
Fragilidades democráticas
- Partilhar 03.02.2021
No meio do dilúvio de
notícias de e sobre a Covid-19 com que temos
sido inundados nos últimos tempos, pouca
atenção sobra para outros assuntos – digamos
– menos prioritários.
É
natural, portanto, que tenha passado
relativamente ao lado da opinião pública e
dos comentadores de serviço (aqueles que
sabem de tudo um pouco…) o facto de Portugal
ter descido de categoria no Índice de
Democracia elaborado anualmente pela revista
“The Economist” e agora divulgado, deixando
de ser um “país totalmente democrático” para
regressar ao grupo dos regimes democráticos
“com falhas”, um recuo que terá sido
impulsionado pelas medidas restritivas
impostas, justamente, pela atual pandemia.
Segundo os autores
do relatório em causa, alusivo a 2020 e cujo
título se poderá traduzir para “Na saúde e
na doença?”, Portugal e França surgem no
mesmo patamar, com o mesmíssimo avanço e
recuo: ambos os países tinham na edição
anterior avançado para “país totalmente
democrático” e perderam agora esta
categoria, sendo os únicos na Europa
Ocidental a registar tal regressão.
Nos dois casos, as
restrições impostas como forma de conter a
propagação da Covid-19, nomeadamente os
confinamentos gerais, o distanciamento
social e várias outras medidas, explicam
grande parte da queda de categoria.
Entre diversos
motivos que concorrem para essa quebra,
figuram as categorias do processo eleitoral
e pluralismo e das liberdades civis, ao
passo que se mantêm inalterados os quesitos
do funcionamento do governo, da participação
política e da cultura política.
Aqui chegado,
permitam-me partilhar algumas perguntas
retóricas sobre os resultados obtidos na
região algarvia por um certo candidato às
Presidenciais de janeiro último, declarado
patrono de uma visão política pouco ou nada
democrática.
Como se poderão
interpretar os 16,60 por cento dos votos
expressos nas urnas de barlavento a
sotavento a favor desse simpatizante de
ideias fascizantes (mais de 26 mil dos 155
mil votantes na região, isto é, quase 58 por
cento dos eleitores efetivos)?
Será que os votantes, naturais e residentes, se revêm assim tanto nos conceitos populistas e antissistema propagandeados pelo candidato em causa, atirando às urtigas os direitos e liberdades fundamentais plasmados na Constituição da República Portuguesa de 1976?
Será que este
resultado não deve preocupar os democratas,
pois apenas se terá tratado de uma pontual
manifestação de descontentamento face ao
status quo?
Ou será que as falhas
democráticas apontadas no estudo que citei
vão ser exploradas com cada vez maior
sucesso nos próximos tempos, ao ponto de
colocar em sério risco os chamados valores
de Abril?
O que vai acontecer
nas Autárquicas deste ano e, sobretudo, nas
próximas Legislativas?
Que fenómeno
político-social é este a que estamos a
assistir e até onde irá?

Vacinação inspiradora
- Partilhar 04.01.2021

São vários os dilemas
e inúmeros os desafios que 2021 traz, qual
deles o mais determinante para – pelo menos
– nos mantermos à tona, (sobre)vivendo o
melhor possível.
Um deles,
seguramente, tem relação direta com o
flagelo pandémico que virou a nossa vida do
avesso no ano findo: deveremos, ou não,
tomar a vacina preventiva contra a Covid-19,
qualquer uma que seja?
Durante os primeiros
meses de convívio com esta terrível
realidade e seus dramáticos resultados, todo
o mundo ansiava pela criação de um antídoto,
de alguma panaceia, capaz de travar tão
nefastos efeitos.
Num caso nunca visto
de união de esforços, públicos e privados,
eis que começam a surgir vacinas e mais
vacinas, testadas com resultados
promissores, e o mundo respira de alívio.
Afinal, há uma cura e essa cura fica
disponível em tempo ‘record’.
Contudo, assim como
os indicadores de esperança dispararam nos
últimos meses de 2020, também dispararam as
dúvidas e incertezas quanto à real eficácia
das propostas apresentadas por alguns dos
mais conceituados laboratórios.
Num ápice, o tema
fraturante de conversa deixou de ser a
eventualidade de uma solução para tão grave
problema, mas se essa solução dá reais
garantias de fiabilidade e segurança.
Um dos principais
argumentos utilizados pelos céticos tem a
ver com a rapidez como todo o processo
decorreu, após a descoberta do novo
coronavírus.
Antes, em
circunstâncias normais, passavam-se vários
anos até que as vacinas contra diversas
doenças se revelassem efetivas e eficazes.
Por isso, quando os cientistas começaram a
trabalhar numa vacina para o SARS-CoV-2,
ninguém arriscou datas, pois toda a gente
tinha noção da morosidade do processo.
Certo é que, menos de
um ano depois, já foram vacinados milhares
em todo o mundo e essa onda parece
irreversível, por muitas novas estirpes que
possam surgir.
Portanto, e se alguma
coisa de positivo se pode extrair deste
fenómeno epidemiológico, independentemente
do modo como o mesmo será ultrapassado, mais
cedo ou mais tarde, é o ‘lobby’ positivo que
criou, à escala global.
De facto, e sem
pretender influenciar o vosso soberano poder
de decisão na “toma da pica”, porque não é
isso que está aqui em causa, cumpre-me
salientar um aspeto que considero exemplar:
nunca, em nenhuma circunstância da História,
houve uma união a este nível por parte dos
seres-humanos na busca de uma solução comum,
que a todos beneficie.
Ora, numa terra
que se caracteriza pela forma desgarrada
como sempre lidou com os seus problemas (e
estou falando do Algarve…) não representará
todo este processo um paradigma inspirador,
à escala regional, para todas as áreas da
nossa sociedade, tão carenciada de
sinergias?
Comer para (sobre)viver

Até onde a minha
memória gustativa vai, lá para os três ou
quatro anos de idade, venho-me alimentando
(deliciado) com os ricos sabores da
culinária algarvia, tão salutarmente
influenciada pela dieta mediterrânica.
Sendo daqueles que
come para viver e não que vive para comer,
nem por isso deixo de apreciar uns carapaus
alimados, umas sardinhas assadas, umas papas
de berbigão, uma salada de choco em sua
tinta, uma caldeirada com o peixe da
ocasião, uns búzios com feijão, uns guisados
de grão e tantas e tantas especialidades
típicas, que conjugam o que de melhor a
terra e o mar nos proporcionam. Tudo bem
acompanhado, claro está, com as pingas
sulistas, de tinto e branco, trabalhadas
pelo generoso sol, rematando cada refeição
com uma bolinha de figo e amêndoa ou um doce
fino, a que o cálice de medronho dá um toque
especial.
Ao longo destes anos
– bem mais de meio século – fui
experimentando casas tradicionais, das quais
me tenho feito cliente habitual, pois
preservam os sabores e saberes algarvios,
passados de geração em geração.
Por norma, são
espaços rústicos, onde impera o asseio e as
regras de acondicionamento e higienização
alimentar impostas pelas autoridades do
ramo, apanágio desses recantos de bem comer.
De repente, com a
intromissão descarada desta malfadada
pandemia no nosso quotidiano, fiquei privado
de os frequentar quando e como quero.
E quem fala nestes
paraísos dos petiscos, fala em alguns
milhares de restaurantes e afins que, de
barlavento a sotavento, lá vão sobrevivendo
por entre restrições, limitações e
castrações que lhes tolhem a faturação e
indiciam o encerramento de portas, mais dia
menos dia. Como já sucedeu demasiadas vezes.
Nesta região tão
dependente do turismo, é toda uma atividade
empresarial a desmoronar, arrastando consigo
largos milhares de postos de trabalho, dos
quais dependem incontáveis agregados
familiares.
Perante esta crise
sem fim à vista, e face a um futuro próximo
que se afigura cada vez mais angustiante,
empresários houve que chegaram a fazer greve
de fome, exigindo objetivas medidas de apoio
por parte do Estado.
Mas... e nós,
clientes (mais ou menos) assíduos? Mas… e
nós, algarvios (mais ou menos) preocupados
com este cenário, um de tantos outros que
atingem de chofre a mono indústria turística
que, para o bem e para o mal, é locomotiva
económica do Algarve?
O que fazer, para
além de cumprirmos regras tão patéticas como
passar o umbral da porta de máscara na cara,
retirando-a logo a seguir, de nos sentarmos
mesa sim, mesa não, de frequentarmos os
restaurantes e similares das tantas às
tantas, em determinados dias da semana, como
se o coronavírus, nesses momentos, metesse
folga?
Porque estas questões
me assaltam e incomodam, ao ponto de sentir
necessidade de as partilhar convosco,
pergunto: como poderemos contribuir para que
a restauração continue a operar, mantendo a
qualidade do serviço e o mapa de pessoal?
Aceitam-se sugestões.
2-12-2020
Travagem a fundo

Aquilo que se passou
recentemente no Autódromo Internacional do
Algarve, durante o GP de Portugal em Fórmula
1, não se pode repetir, garantiu António
Costa, alto e bom som, em frente a dezenas
de microfones e câmaras de registo de
imagem.
“Aquilo”, esclareça-se, terão
sido as atitudes irrefletidas de alguns milhares de
espetadores, que não se revelaram minimamente
preocupados com o vertiginoso recrudescimento de
casos de covid-19 que assola a Europa e do qual
Portugal não escapa.
Atitudes irrefletidas essas
não controladas ‒ e muito menos corrigidas ‒ pelas
autoridades ditas competentes, cujo dever e missão
seria impedir atos de displicência e leviandade.
Mas quem ouviu o nosso
Primeiro ficou com a sensação que o raspanete
público se dirigiu especificamente aos responsáveis
da Parkalgarve,… que não se pouparam a esforços para
trazer de volta até nós a mais mediática competição
do desporto automóvel, concentrando os holofotes do
mundo (por alguns dias) no Sítio do Escampadinho,
freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de
Portimão, distrito de Faro.
É um facto que, em
circunstâncias ‘normais’, nem tão cedo teríamos o
regresso da Fórmula 1 a este jardim plantado no
extremo ocidental da Europa. Mas, convenhamos, não
foi nada fácil convencer os decisores da FIA a
considerarem a vinda do circo aos antípodas do Velho
Continente.
E, se existem sérios reparos
a fazer no que toca aos aspetos organizacionais,
muito por força desta malfadada pandemia, certo é
que a nível desportivo a espetacular pista do
Autódromo Internacional do Algarve passou com
distinção. Quem o diz são os pilotos e os
responsáveis pelas escuderias em prova.
Contudo, e não obstante, a
reprimenda que serve como ponto de partida a esta
minha despretensiosa crónica terá funcionado assim
como um insensato tiro nos pés, ou uma imprudente
travagem a fundo, que em nada abonará para um
eventual regresso da Fórmula 1 a Portugal, pelo
menos nos próximos tempos. É que a repercussão da
coisa foi grande lá por fora…!
Creio que há outras formas
mais eficazes e menos espalhafatosas de apurar
responsabilidades e afinar a máquina ‒ sem a
hipotecar ‒, caso a perspetiva seja mesmo tirar
partido de uma das mais bem-dotadas infraestruturas
desportivas do país.
Quanto mais não seja, a bem
da economia nacional, regional e local, principal
argumento invocado pelos nossos governantes para
darem luz verde à prova e investirem balúrdios no
projeto.
2-11-2020
Areias, para que vos quero?

Na minha atividade
jornalística, pelo menos desde meados da
década de 1980 que tenho escrito sobre a
importância estratégica do desassoreamento
do Rio Arade, que desce da zona de Silves
até Portimão.
Via fluvial de grande
importância ao longo de séculos, foi
perdendo significado à medida que o
irreversível assoreamento, fruto de
condições naturais e por força da influência
humana, tomou conta do cada vez menor caudal
das suas águas.
Em particular, as obras
de dragagem da foz do Arade são uma promessa
governamental com mais de 20 anos, entre
avanços e recuos… no papel. Com efeito,
estudos é coisa que não falta, faltando –
sim – ao erário público os milhares e
milhares de euros já gastos com os ditos
cujos.
O tempo passa e o
assoreamento progressivo do rio leva a que
seja cada vez mais difícil navegar até
Silves durante a maré alta. Vem-se perdendo,
assim, o potencial turístico e ambiental
deste percurso fluvial de inegável beleza.
Mas não é
propriamente o desassoreamento do Arade que
abordo neste texto, antes a suspensão do
projeto relativo à ampliação da barra de
manobras para os navios de cruzeiros que
demandam o Porto de Portimão, privilegiada
escala atlântica de e para o Mediterrâneo.
Intervenção da
responsabilidade da Administração dos Portos
de Sines e do Algarve (APS), o plano
contempla, entre outras medidas, a remoção
total de cerca de 4 630 000 metros
cúbicos de materiais arenosos e outros
materiais detríticos, o que permitirá
a amarração de dois navios em simultâneo,
fruto de um melhor aproveitamento do espaço
disponível. Para tanto, serão necessárias
dragagens do canal de acesso e da bacia de
rotação, pensando em navios com até 334
metros, num investimento global de 17,5
milhões de euros.
… Estava tudo prestes a
avançar, eis que vozes contestatárias se
opuseram ao depósito de parte das referidas
areias em zonas afetas à freguesia de
Ferragudo, no concelho fronteiriço de Lagoa,
sob o argumento que, uma vez que o grande
beneficiado vai ser o município de Portimão,
a Portimão competirá receber esses milhares
de metros cúbicos de areal.
Num exemplo raro no
nosso país, as entidades ditas responsáveis
atenderam – aparentemente – a essa
reclamação, tendo a CAIA - Comissão de
Avaliação de Impacto Ambiental (criada para
o efeito) emitido um parecer desfavorável à
coisa, dirigido à Agência Portuguesa de
Ambiente. O relatório da CAIA alega a
existência de diversas “lacunas” e
“situações pouco definidas e sem qualquer
avaliação concreta ou sustentada” no Estudo
de Impacte Ambiental promovido pela APS,
nomeadamente em termos dos efeitos que a
deposição de areias poderá ter nos locais
previstos.
No momento em que
redijo estas linhas, decorre o período para
eventuais alegações da APS e só depois a APA
divulgará a Declaração de Impacte Ambiental
correspondente a este caso que, na minha
modesta opinião, se tornou num braço de
ferro entre os interesses
económico-turísticos e a defesa do
ecossistema local, notando eu, em ambas as
frentes, motivações pouco confessáveis.
Mas isso é outra
conversa.
4-10-2020
Futuro devoluto

Qualquer um de nós pode
confirmar, se é que ainda não teve noção do
fenómeno, o elevado número de habitações devolutas
existentes nos principais centros urbanos do
Algarve, na esmagadora maioria em mau estado de
conservação.
Qualquer um de nós também pode
aferir, se é que nunca passou pela traumática
experiência, como a demanda por uma casa para
arrendar constitui uma exasperante busca de agulha
em palheiro, principalmente por jovens casais no
início da vida a dois.
Talvez devido à atual
conjuntura, está a verificar-se um pouco por toda a
região um curioso fenómeno; o regresso de jovens que
aqui pretendem constituir família e alicerçar futuro
junto dos seus, depois de terem feito formação
académica e/ou tentado emprego nos principais
centros urbanos do país.
Assim de repente, e nos últimos
dias, soube de 4 ou 5 casos… e das imensas
dificuldades que estão a ter para conseguirem um lar
dentro das suas possibilidades financeiras, evitando
logo à partida um compromisso bancário para toda a
vida, que lhes impõe implacavelmente uma
disponibilidade monetária, na ordem dos 5 por cento
do custo final (mais alcavalas), que muitos não têm.
Porém, face ao paupérrimo
cenário dos alugueres disponíveis, só lhes resta
“meterem-se com os bancos” a contragosto, pois a
alternativa impõe-lhes condições verdadeiramente
obscenas.
Na verdade, havendo tantos
imóveis fechados a sete trancas e tão escassa
oferta, a procura é confrontada com um ror de
ilicitudes e imoralidades que se confundem entre si,
desde rendas surreais face à qualidade medíocre dos
habitáculos, até à exigência de várias cauções, tudo
sem contratos e, como tal, sem recibos ou controle
legal.
Para piorar ainda mais, grande
parte das casas apenas está disponível entre outubro
e maio, porque os proprietários não abdicam de
faturar à tripa-forra durante os meses da chamada
“época alta”.
Sem entrar em mais detalhes,
pois o espaço escasseia, considero uma lástima a não
existência efetiva – repito, efetiva – de um
programa, ou plano, ou projeto, que estimule estes
jovens algarvios a regressarem às origens e, como
tal, a contribuírem para o bem-estar de todos nós
com o seu potencial.
Como se compreende, o problema
não passará só pela habitação, mas dela depende
muito, já que é extremamente desolador querer voltar
para junto dos seus e esbarrar com este panorama.
Para reflexão por quem de
direito.
1-09-2020
Vem aí o circo da Fórmula 1

O país rejubilou com
a notícia do regresso da Fórmula 1, após 24
anos de interregno, para uma corrida a
disputar-se na magnifica pista do Autódromo
Internacional do Algarve em 25 de outubro
próximo.
Se não houver
percalços até lá, o poderoso mundo automóvel
vai estar de olhos postos no Sítio do
Escampadinho, freguesia da Mexilhoeira
Grande, a poucos quilómetros da cidade
turística de Portimão… e com público nas
bancadas.
Muitos já consideram
aquela como uma das maiores datas históricas
do desporto motorizado português, para o que
terá concorrido a vontade e os esforços de
diversas entidades locais, regionais e
nacionais, podendo este projeto, que começou
a ganhar corpo há poucos meses, servir de
paradigma para outros cometimentos lusos de
amplitude internacional.
Contudo, creio que
não se deveria embandeirar tanto em arco com
esta vitória relativa, pois convém ter
presente que a mesma jamais ocorreria – pelo
menos nos próximos tempos – caso não
atravessássemos uma pandemia que tudo tem
pervertido à sua volta.
É que os inegáveis
dividendos que o retorno da Fórmula 1 ao
nosso país poderão trazer, na ordem dos 300
milhões de euros segundo estimativas
reservadas, estão ameaçadas pela guilhotina
de um novo surto de Covid-19, que alguns
especialistas da área da saúde receiam possa
ocorrer com o advento do outono e, portanto,
da época das viroses gripais e afins.
Mais apreensivo fico
sabendo que este novo Coronavírus, que
tantas mortes causou e transtornos sociais
provocou, é de uma imprevisibilidade
exasperante, reinventando-se como poucos,
para mal dos nossos pecados.
Portanto,
reconhecendo que o anúncio da realização no
Algarve da prova maior do desporto
motorizado deixa-nos a todos de peito
inchado e faz muito bem à nossa auto estima,
devo chamar a atenção para uma eventual
reviravolta, caso os indicadores de controle
da pandemia na região (e em Portugal) se
revelem até lá inseguros e, como tal,
insustentáveis.
As autoridades
regionais têm sabido dar uma eficaz resposta
a este problema sanitário, graças ao empenho
e competência dos profissionais de saúde e
demais envolvidos, proporcionando as
garantias de segurança que nos permitirão
receber esta espécie de medalha de ouro do
desporto mundial.
A promoção global da
prova e, por tabela, do destino turístico
algarvio, é algo não quantificável, já que
permitirá atingir os quatro cantos do
planeta automóvel e mostrar todas as nossas
qualidades, da hotelaria de excelência à
saborosa gastronomia, das praias magníficas
e do deslumbrante interior, ao património
histórico-cultural e às marinas que salpicam
a costa.
Por isso, os
responsáveis pela empreitada querem que esta
não seja uma mera prova de substituição e se
consolide no circo da Fórmula 1,
constituindo um importante balão para as
empresas da região, ao gerar uma forte
dinâmica económico-financeira.
Mas atenção: todos
nós deveremos contribuir para que os índices
de segurança sanitária sejam o mais elevados
possível, quer para que o sonho de trazer a
Fórmula 1 para o Algarve se concretize a 25
de outubro e se repita nos anos vindouros,
quer – já agora – para o nosso próprio
bem-estar.
5-08-2020
Amigos da onça
Se dúvidas houvesse
que o turismo algarvio – e, como tal, a
região no seu todo – está a atravessar um
nefasto período, de reflexos bastante
reservados e de longa duração, a decisão do
Governo inglês de excluir Portugal dos
"corredores de viagem internacionais"
constituiu violenta machadada.
A resolução de
Londres de nos banir da lista de destinos
turísticos que permitem aos britânicos
passarem férias sem cumprir quarentena no
regresso, terá consequências muito graves no
futuro próximo desta região, uma vez que só
esse mercado representa cerca de 60 por
cento dos turistas que nos visitam.
Não consigo
vislumbrar uma razão clara e objetiva para
esta decisão, tanto mais que Espanha, França
ou Itália, por exemplo, fazem parte dessa
‘lista dourada’, apesar de serem os países
mais afetados no continente europeu, quer em
número de casos de covid-19 quer em número
de mortes, logo atrás – recorde-se – da
Inglaterra.
É que no Algarve
temos menos de 650 casos acumulados para
cerca de 500 mil residentes, o que
representa, em termos de confirmações de
coronavírus, uma percentagem pouco superior
a 0,1 por cento de pessoas que foram ou
estão infetadas com a covid-19.
Portanto, é com um
sentimento de incompreensão e de injustiça
que vejo países com indicadores muito
inferiores a Portugal, como é o caso do
número de testes por milhão de habitantes,
serem considerados destinos seguros, sem
obrigatoriedade de quarentena. Para mim, e
em circunstâncias puras e normais, não faz o
menor sentido.
Sei, entretanto, que
esta decisão não influenciará os muitos
turistas oriundos das terras de sua
majestade que conhecem as qualidades
inerentes ao Algarve e que sabem que nesta
região a covid-19 está perfeitamente
controlada.
Também sei que os
milhares de residentes ingleses a viverem na
região estão a passar a mensagem aos seus
conterrâneos, desmistificando uma imagem
preconceituosa, que Boris Johnson e seus
pares acabaram por transmitir com a sua
despropositada deliberação.
Os problemas que
atravessamos são muito difíceis, pelo que é
essencial que a União Europeia pós-Brexit
trabalhe em conjunto, definindo estratégias
comuns nos níveis nacional, regional e
local, para a reabertura de fronteiras,
restabelecendo um dos pilares da construção
europeia: a livre circulação de pessoas e
mercadorias, desde que tomadas as medidas de
cumprimento das regras de circulação, de
convivência e de distância segura entre as
pessoas.
Como está a suceder
no Algarve. cuja indústria turística
representa 4,6 por cento do PIB português,
estando 87 por cento do emprego gerado na
região relacionado diretamente com este
setor.
… Ah, e esqueçam lá
isso da “mais antiga aliança do mundo ainda
em vigor”.
8-07-2020
Invasão estival?
Num dos primeiros atos públicos que assisti após o período de confinamento social, causou uma indisfarçada onda de surpresa nos presentes a revelação, feita por uma figura proeminente do poder local algarvio, que os empresários turísticos e concessionários de praia do seu concelho esfregam as mãos de contentes, perspetivando um Verão em cheio.
2-06-2020
Todos por um
Com o regresso da nossa vida à normalidade possível, muitos já perceberam que as coisas não vão ser como eram, por variados motivos que não vale a pena referir, de tão escalpelizados vêm sendo pelos especialistas de ocasião.
Em particular no que toca à monocultura do turismo, os responsáveis do setor e o tecido empresarial terão que se adaptar profundamente, repensando estratégias para minimizar prejuízos e, à luz da nova realidade, rentabilizar o potencial regional que – no fim de contas – não se perdeu nem um pouco e continua por aí.
Quero, contudo, abordar outra vertente, porventura menos focada, mas que para mim representa, talvez, um dos mais enriquecedores legados desta crise social que – ainda – estamos a viver.
6-05-2020
Não fazer nada é uma ciência
Desconheço como estão
passando o vosso tempo de auto quarentena.
Pois eu cá devo confessar que já não sei o
que mais fazer, após duas semanas
enclausurado em casa. Ou serão três...?
A
sensação marcante por estes dias é que estou
a ficar cada vez mais pírulas e, por isso,
imploro-vos dicas, para além da minha
rotina, que - grosso modo - gira em torno do
seguinte teletrabalho:
13h00 – 02h00:
Acompanhar na tv os noticiários que dão
conta de como o mundo anda às voltas com a
pandemia da Covid-19;
02h00 – 04h45:
Maratona de programas americanos idiotas
sobre adolescentes grávidas e jovens que são
surpreendidos pelos pais em farras e
festarolas tresloucadas;
04h45 – 07h00:
Emissões culinárias de todo o mundo, para
captar sugestões para os petiscos do dia;
07h00 – 13h00: Descansar os olhos e o
cérebro de tantas baboseiras.
Ocasionalmente,
circulo pela casa atrás de uma mosca ou um
mosquito que teve a infeliz (e derradeira)
ideia de entrar pela janela. Modéstia à
parte, estou-me a tornar um caçador
implacável, fruto da experiência que vou
adquirindo.
A nível cultural, e
assim de memória, já esgotei o repertório de
músicas do Zeca Afonso, dos Xutos &
Pontapés, do Marco Paulo, da Maria Leal e do
Salvador Sobral (entre tantos outros), ao
mesmo tempo que li de trás para a frente a
Encyclopædia Britannica e todas as obras do
Fernando Pessoa e seus heterónimos.
Também conto com alguma regularidade as
folhas dos rolos de papel higiénico que
consegui arrecadar antes do Grande
Açambarcamento, se bem que esta atividade
dure menos tempo a cada dia que passa,
devido à redução das unidades, pois das 435
iniciais sobram 396 no momento em que vos
escrevo.
Na vertente gastronómica,
estou-me a tornar um requintado ‘chef’ no
que toca à confeção de entaladinhos de todo
o género e até já sei estrelar ovos e fazer
gelo.
Em compensação, e para adiar o
máximo possível a obesidade galopante que me
vem incomodando há algum tempo, pratico –
religiosamente - 5 minutos diários de
exercícios de meditação na balança da Wii, o
que também me ajuda a manter alguma sanidade
mental e dá trabalho aos neurónios
sobreviventes… embora reconheça que os
efeitos comecem a ser algo duvidosos.
E
digo isto porquê? Porque vou gradualmente
manifestando certas atitudes excêntricas –
batizei todos os sofás da sala com apelidos
condizentes ao conforto que me proporcionam:
‘nuvenzinha’; ‘duro como a porra’; ‘pés de
fora’.
Outra atitude bizarra para
preencher o dia é telefonar para toda a
gente que consta na lista do meu telemóvel,
a ver se alguém atende e troca umas ideias
comigo. Curiosamente, já restabeleci
contacto com uns 4 ou 5 familiares e
conhecidos, dos quais não tinha notícias há
anos e anos.
Enfim, não fazer nada de
jeito é uma ciência e dá MUUUUITO trabalho.
Bastante mais poderia escrever, mas creio
que já entenderam o meu dilema.
Na
verdade, o tédio vai-me esgotando as ideias
e por isso recorro a todos vós, a ver se
contribuem com dicas que refresquem o meu
monótono quotidiano, até que vida regresse à
– suposta – normalidade...
Venham de lá
essas propostas!
2-04-2020
Coincidências pandémicas
Seria inevitável abordar esta escalada pandémica à escala global, conhecida por coronavírus ou covid-19. Quer queiramos quer não, vai-nos afetar a todos e a única dúvida que resta é saber até que ponto.
Conheço pessoas que, no preciso momento em que escrevo estas apressadas linhas, estão esvaziando avidamente as prateleiras dos supermercados, prevenindo a eventual carestia de produtos básicos, sobretudo alimentares.
Há mesmo aqueles que preparam planos de contingência para toda a família, reforçando o armário farmacêutico lá de casa com toda a sorte de medicamentos antigripais e afins.
Outros fazem contas de sumir, procurando antecipar os cenários mais negros para os seus negócios e/ou poupanças, face às expetativas de uma recessão económica com grande amplitude.
E também sei dos que cancelaram ou adiaram ‘sine die’ as suas viagens de férias, salvaguardando-se de hipotéticas contaminações fora de portas.
E é aqui que pretendo chegar nesta despretensiosa crónica.
O Algarve, esta nossa região tão dependente da monocultura do turismo e na qual o setor da saúde tem sofrido um inqualificável desinvestimento por parte do Poder Central, vai sentir a todos os níveis, de barlavento a sotavento, os efeitos deste devastador fenómeno, cujas ondas de choque se propagarão – fatalmente – por tempo indeterminado.
Na melhor das hipóteses, a temporada turística de 2020 ficará seriamente comprometida, pois o cancelamento de reservas começa a ser comum, sobretudo à medida que as unidades hoteleiras que fecharam na chamada ‘época baixa’ começam a reabrir portas.
E escrevo isto ciente de vários casos em que a retoma de atividade está sendo sinónimo da anulação de serviços previamente contratualizados.
Receio que estes dados se avolumem nas próximas semanas e que a época pascal, habitualmente encarada como o ponto de partida para a temporada turística, já reflita uma acentuada quebra de clientes… e receitas.
Ironia da História, ou talvez não, há exatamente cem anos o mundo estava a braços com a mãe de todas as pandemias, causada pelo vírus influenza e popularmente conhecida entre nós como Gripe Espanhola ou Pneumónica. O vírus mais mortal de que há memória ceifou mais de 50 milhões de vidas, numa época em que o conceito de viajar ainda era insípido.
Salvo as devidas proporções, há coincidências levadas da brec
28-02-2020
Descentralizar ou lavar as mãos?
Teve
lugar há dias uma reunião entre membros do
Governo e os autarcas algarvios, para
falarem sobre o processo da descentralização
que se avizinha e que – tudo o indica –
agora é que vai ser.
Trocaram-se ideias, fizeram-se balanços,
traçaram-se cenários e colocaram-se na mesa
as necessidades que os nossos representantes
concelhios entendem deverão ser acauteladas
para que a coisa avance mesmo e não faça
mossas aos erários municipais, muitos deles
parcos e que mal dão para pagar as despesas
correntes.
A ideia
que encorpa a medida até parece ser porreira
e tal, isto é, o poder local passará a ter
ferramentas para acudir no imediato, sem
pedir licença prévia à capital, a questões
prementes em áreas tão importantes para a
nossa qualidade de vida como são a saúde ou
a educação, as vias de comunicação ou o
património devoluto.
A
dúvida que me assalta é se este
trabalho colaborativo e de proximidade entre
o Estado Central e o Poder Local, agora
iniciado, será um justo esgrimir de posições
e um sensato leque de consensos, ou se não
passará da mera passagem de batatas quentes
de uns para os outros, numa cínica lavagem
de mãos à moda de Pilatos.
São
inquestionáveis os desafios colocados pelo
processo descentralizador, tendo em vista a
transferência de competências. Por isso
mesmo, no final do encontro de trabalho os
edis algarvios expressaram compreensíveis
dúvidas, receando que o processo não venha a
sobrecarregar os orçamentos de cada
município, até porque existem diferentes
possibilidades financeiras, diferentes
dificuldades e diferentes velocidades na
implantação do mesmo.
É que há
muitas portarias para rever e corrigir e
inúmeras medidas a tomar, no sentido de se
agilizar essa bendita descentralização,
criando as condições financeiras,
operacionais, de recursos humanos e
materiais que permitam - já no próximo ano -
a assunção plena pelos Municípios de todas
as novas competências que o Estado lhes
pretende impingir.
31-01-2020
Míngua de Água

Depois das espalhafatosamente consumistas boas vindas ao Ano Novo, nas quais explodiram no ar milhões de euros em foguetórios e afins, eis que tudo volta à rotina de todos os dias, que neste bissexto 2020 serão 366. A vida regressa à “normalidade” para mais um período temporal de 12 meses, o qual só se deveria iniciar em março, caso o ser humano respeitasse o ciclo da Natureza, como era suposto.
Contudo – bem o sabemos – Homem e Ambiente andam de candeias às avessas, muito por culpa do primeiro, que usa e abusa do segundo a seu bel-prazer. Receio que até às últimas consequências.
Vem isto a propósito das perspetivas para a região algarvia ao longo do ano agora iniciado, que deverá agravar o estado de seca severa, caso as desoladoras previsões climatéricas para os próximos meses se confirmem.
Escassas reservas de água nas barragens, capacidade limitada de retenção de humidade em solos bastante fustigados pelos incêndios dos últimos anos, inexorável processo de desertificação, aquecimento global das temperaturas… Enfim, o cenário não se me afigura nada promissor, muito pelo contrário.
Entretanto, janeiro mal começou, o que me leva a acreditar que os ditos responsáveis pelas entidades ditas competentes estejam desde já a estudar planos de contingência, a salvaguardar eventuais constrangimentos, a garantir a qualidade de vida possível para residentes e visitantes.
...Sou um incorrigível otimista, eu…!
02-01-2020
Malfadada macrocefalia

Parece que a partir do próximo ano o Algarve – através do Porto de Cruzeiros de Portimão – deixará de se ligar por ferry ao Funchal, muito por força da malfadada macrocefalia, que tanto continuar a prejudicar este país no seu todo.
E se pensam que a carreira marítima entre a região e a pérola do Atlântico é coisa de somenos importância, atentem neste dado: nas viagens realizadas em 2018 foram contabilizados 10.424 passageiros e 2.300 veículos automóveis transportados.
Infelizmente, este raro exemplo de descentralização tem os dias contados, pois tudo indica que a partir de 2020 o armador espanhol Naviera Armas vai iniciar as suas operações a partir de Lisboa.
De resto, o porto da capital desta república irremediavelmente centralizadora já está a criar condições para açambarcar a carreira, que passa pelas Ilhas Canárias.
O Governo avaliou a sustentabilidade financeira da ligação, nomeadamente ao nível dos subsídios que a suportam, dando ouvidos às vozes insulares que têm manifestado preferência pela opção lisboeta, em detrimento de uma cidade algarvia – Portimão – cujos interesses, na verdade, sempre foram bastante desacompanhados neste processo.
Para piorar o cenário, deixaram-se cair os prazos para a intervenção na melhoria das condições de acessibilidade e infraestruturas marítimas do porto de cruzeiros portimonense, cujas obras deveriam arrancar este ano.
O que temos, então, perante nós? Nada mais que outro exemplo de investimento público anunciado para a região e que tarda em ser concretizado, não obstante o enorme potencial económico deste porto de cruzeiros, ancoradouro privilegiado de e para o Mediterrâneo.
O adiamento das obras e a perspetiva do desvio da rota Funchal-Continente para Lisboa, são tudo indicadores negativos, que não abonam a favor da sustentabilidade económica e social da região.
Pergunto eu: alguém por cá anda genuinamente preocupado com estes cenários? As sinergias locais unem forças e sintonizam baterias? Estão a ser dados passos para inverter a situação e fazer valer os argumentos de Portimão e do Algarve?
Tudo perguntas de retórica, pois o poder influenciador é praticamente nulo e lobby regional é coisa que o Algarve continua a não ter… e provavelmente nunca terá. Nesta ou em qualquer outra situação.
30-11-2019
Falência com estrondo
Fernando Vieira

A estrondosa falência do operador turístico britânico Thomas Cook, que há algumas semanas deixou meio mundo em estado de choque e a outra metade a fazer contas de sumir, nomeadamente algumas empresas do setor na região algarvia, fez-me recordar como esta indústria – de uma enorme importância para as economias regional e nacional – é tão instável e precária.
A bancarrota de uma entidade com 178 anos de atividade implica dívidas de valor muito elevado a algumas dezenas de credores, o que representa um impacto assinalável – principalmente – nas empresas de pequena e média dimensão.
Não quero dissecar o infeliz encerramento de portas de um autêntico monstro como era a Thomas Cook, detentora de mais de cem aviões e 200 hotéis. Escuso-me dissertar sobre o que aconteceu e o que era para ter acontecido, se houve ou não houve boa gestão de ativos e passivos.
O que me traz aqui é outra vertente da questão, que considero bem mais preocupante, pois muito provavelmente afetará a vida dos milhares e milhares que trabalham no e para o setor turístico.
Já não bastava o fenómeno da sazonalidade, que deixa a região de portas semifechadas de outubro a março, surge agora este gravíssimo rombo na contabilidade de algumas das maiores empresas do ramo, o que certamente terá repercussões na sua balança de pagamentos, nos seus projetos de negócio e, portanto, na sua capacidade empregadora.
Há anos e anos que leio e ouço ajuizados pensadores, teóricos da economia, sociólogos bem documentados e demais estudiosos alertando para este problema, pois hoje em dia a nossa bela região está a ser toda espremida, turisticamente falando, e nenhuma outra atividade industrial ou produto financeiro se afigura como alternativo. Acresce ainda o facto de o Algarve não ter qualquer peso político, apesar deste ser o primeiro destino turístico do país, representar 40 por das dormidas registadas em Portugal, e ter um contributo económico fortíssimo para os cofres do país.
Creio que a única forma de se combater a famigerada sazonalidade é atrair a fatia de mercado mais disponível para fazer férias “fora de horas”, que prefere pausas longas e que tem mais rendimento disponível para gastar: os chamados ‘seniores’.
Que quem de direito se debruce sobre esta dica, pois não paga mais por isso.
Invasão brasuca
Fernando Vieira

É provável que tenham reparado no vosso dia-a-dia o aumento do Português com sotaque brasileiro, sobretudo nas filas dos supermercados.
Na verdade, há um forte surto de brasileiros, que na sua esmagadora maioria aqui procuram melhor qualidade de vida, nomeadamente em termos de segurança, saúde e educação.
Este fenómeno não é novo, pois há cerca de 20 anos o Algarve recebeu milhares de brasileiros, que por cá foram ficando até à eclosão da crise económica e social de 2008.
Mas esta onda de migrantes é claramente diferenciada da primeira, a qual estava nitidamente impreparada, e é estimulada por políticas governamentais, cuja lógica se prende com o envelhecimento da população portuguesa e a necessidade de sangue novo na sociedade local.
Os brasileiros de hoje estão, em grande medida, melhor preparados. Fizeram um planeamento tão aprofundado quanto possível, organizaram um pé-de-meia razoável para enfrentar os primeiros meses de procura de residência e trabalho e têm uma noção mais aproximada do que os espera.
No entanto, e por aquilo que vou percebendo em conversas com esses emigrantes, desconhecem praticamente a nossa cultura e julgam encontrar cá, apenas e só, um Brasil melhorado.
É que o brasileiro continua a ter dos portugueses uma imagem tacanha, resultado de décadas de anedotas de gosto duvidoso e totalmente descontextualizadas da realidade. Muitos acreditam que as portuguesas têm buços descomunais e que os portugueses são todos padeiros carrancudos. No imaginário do Brasil, o português diz a cada instante “Ora pois!”, por tudo e por nada.
Além disso, têm uma inesperada dificuldade em entender o genuíno português,… que eles alteraram, talvez com demasiada criatividade, no último século.
São anos e anos de costas ostensivamente voltadas para o país colonizador, desprezado em favor das grandes nações do momento, seja os Estados Unidos, seja a Inglaterra, a França ou até mesmo a Espanha.
Cá chegados, é a surpresa total, o deslumbramento indisfarçado: afinal o decrépito Portugal é um país moderno e muito organizado, os transportes públicos funcionam, as escolas estão bem apetrechadas, o Serviço Nacional de Saúde é um mimo, o país é lindo e, pasme-se, os portugueses são extremamente bem-educados e atenciosos. A segurança pública é das melhores do mundo, podendo o brasileiro andar à vontade com o seu celular a qualquer hora do dia ou da noite e fazer transações monetárias nas caixas multibanco a céu aberto, sem nenhum risco de assalto.
Mas, qual será o futuro imediato desta onda brasuca que nos escolheu para refazer as suas vidas, logo numa altura do ano em que a principal indústria empregadora, o turismo, tem uma elevada percentagem de empreendimentos fechados?
Haverá alojamentos, a preços justos, para tanta gente? E empregos?
Como serão os próximos meses desta gente, em muitos casos famílias com crianças de tenra idade?
Maré de E.coli
Fernando Vieira

Há dias, foi destaque noticioso de nível nacional a interdição de banhos na Praia do Alemão, ou mais corretamente na Praia do Barranco das Canas, no concelho de Portimão, devido à elevada presença da bactéria E.coli na água do mar.
A bactéria deu positivo na análise de uma amostra recolhida pela Agência Portuguesa do Ambiente, o que levou ao hastear da bandeira vermelha durante dois dias, salvaguardando-se assim o risco de os banhistas serem afetados por sintomas deveras constrangedores, como ataques incontroláveis de cólicas abdominais, enjoos e diarreias, muitas diarreias.
Dizem as más línguas que o problema se ficou a dever a uma descarga de dejetos sanitários no oceano, por obra e graça do proprietário de uma embarcação turística, vulgo iate, ancorada à vista da praia.
Em escassas semanas, este foi o segundo caso de presença da bactéria E.coli na costa algarvia, depois de uma situação idêntica verificada na Praia de Faro, e em ambos os casos a situação justificou grande alarido na comunicação social, que não perde uma oportunidade para falar do Algarve, geralmente pelos piores motivos, ignorando tantas e tantas vezes as coisas boas que acontecem nesta região.
Sei que há valores máximos permitidos por lei relativos à bactéria 'Escherichia coli', vulgarmente conhecida por E.coli.
Também sei que a legislação impõe uma contraordenação e coima entre os 55 e os 250 euros aos banhistas que desrespeitarem a sinalização e se fizerem ao mar, para além de arcarem com os sintomas inerentes à ingestão massiva de coliformes fecais.
Desconheço é o tipo de castigo aplicável ao eventual prevaricador que se terá estado positivamente a borrifar para as consequências do seu irrefletido acto, ficando o mesmo por identificar e punir, para efeitos pedagógicos e moralização do setor.
Ignoro igualmente se são sancionados os turistas da classe javardo que conspurcam as praias com todo o tipo de dejetos, desvalorizando assim os nossos areais, do mais fino e puro que possa existir no planeta Terra, mas que nesta altura do ano se transformam em campos minados por beatas, garrafas, latas, sacos e demais materiais não biodegradáveis, onde abunda o terrível microplástico.
Certo é que, mais uma vez, a região andou nas bocas do mundo e não pelos melhores motivos, mas simplesmente porque algum turista dos altos mares se terá marimbado para as mais elementares normas de respeito pela saúde pública e, como tal, cá vai disto ó Evaristo.
Esse mediatismo sensacionalista que tanto prejudica a imagem da região, sempre em busca de uma boa-má notícia, podia ter sido originado por mais de duas alforrecas a dar à costa simultaneamente e no mesmo local ou por uma natural invasão de algas à beira-mar, tratadas da forma mais alarmista possível…. Afinal, desta vez tudo não passou de uma questão de… biomassa borda fora.