Fernando Vieira

à Deriva

Fernando Vieira

Secura

Ocorreram em março marçagão manhãs de inverno e tardes de verão? Não. Houve em abril águas mil? Também não. Está a ser maio o mês dos trovões? Até agora, não. Já atingiram as reservas aquíferas das barragens algarvias preocupantes indicadores? Sim…!

É por isso que volto a abordar o risco de seca severa e extrema que, recorrentemente, paira sobre a região algarvia.

Sem perspetivas de umas boas chuvadas nas próximas semanas, lá voltaremos a adotar medidas de contenção, que apenas podem atenuar (adiar, na verdade) esta míngua de proporções cada vez mais preocupantes, através da redução das regas nos espaços verdes, do reaproveitamento de águas residuais para usos não potáveis (por exemplo, na lavagem de ruas e de contentores) e da promoção de campanhas de sensibilização para a necessidade do uso racional da água, a que certos iluminados parecem incólumes e insensíveis.

Com uma disponibilidade aquífera bastante deficitária, segundo o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, as principais albufeiras e barragens da região exibem uma deprimente redução de volume em toda a linha, que as chuvas de finais do ano passado e inícios de 2023 pareciam compensar… só que estes três meses de secura ceifaram as expetativas mais otimistas.

Portanto, mentalizemo-nos desde já para mais um verão de grande carência e de medidas draconianas, que não deverá conhecer melhoras nos próximos tempos, ou não fosse o Algarve tão ‘geoclimaticamente’ influenciado pela corrente norte-africana.

E uma vez que esta influência não pode ser revertida, quer natural quer artificialmente, o aumento exponencial do número de visitantes/consumidores que se espera para os meses vindouros, nada preocupados com as nossas crises existencialistas, apenas virá agravar – e muito – este panorama.

Pelo sim, pelo não, vou começar desde já a colecionar uns garrafõezitos de água, antes que os especuladores entrem em cena.


Profissão: nadador-salvador

Se há uma atividade que associo imediatamente à sazonalidade da indústria turística algarvia, com tudo o que isso tem de periclitante, essa atividade é a de nadador-salvador, bastante dependente da época balnear e dos critérios – tantas vezes inconfessáveis – dos concessionários que servem.

Não me surpreende, portanto, a recente notícia de que os concessionários de praia do Algarve estão preocupados com a falta de nadadores-salvadores para a época balnear que se avizinha, tão pouco atrativa é essa função, quer em termos monetários quer ao nível das condições de trabalho.

Alegadamente para suprir essa lacuna, o presidente da Associação dos Industriais e Similares Concessionários das Praias da Orla Marítima do Algarve, Artur Simão, veio a público defender que a exigência de dois nadadores-salvadores por concessão seja reduzida em períodos de menor afluxo.

Segundo o responsável, “fora da época balnear, para qualquer coisa abrir, tem de funcionar com dois nadadores-salvadores. Neste momento, em que as coisas não são rentáveis, seria de bom-tom ter só um nadador-salvador. Várias concessões, se calhar, abriam e as praias já tinham, em determinadas alturas, um nadador-salvador. É melhor ter um do que não ter nenhum”, afirmou à Lusa.

Na minha opinião, esta postura até faz sentido, ao colocar em causa uma daquelas normas e regras decididas por quem está a leste da realidade, legislando sobre matérias das quais não percebe patavina.

Uma coisa é certa, a época balnear de 2023 está à porta (arranca a 15 de maio em Albufeira e a 1 de junho no resto da região) e os concessionários já se começam a deparar com o recorrente problema da exiguidade de pessoas dispostas a garantir a segurança no mar fronteiro aos areais que exploram.

E se não temos um levantamento apurado e atual sobre o número de nadadores-salvadores necessários para suprir as concessões autorizadas nas praias algarvias, também escasseia gente devidamente formada, o que leva o mercado a valer-se de imigrantes, sobretudo brasileiros.

Tudo isto porque não há uma aposta, estratégica e séria, na preparação de pessoas capacitadas para acudir aos sinistrados nas águas desta região, extremamente dependente do turismo de sol e mar.

Essa aposta, penso eu, deveria ser acompanhada por garantias e incentivos à profissionalização do nadador-salvador, cujas carências continuam a ser supridas por jovens estudantes em tempo de férias, ou por outros semi-voluntários que passados seis meses (ou menos…) caem no desemprego, alimentando o nefasto fenómeno da sazonalidade, tão pernicioso para o tecido social algarvio.


Em aceleração

Numa região excessivamente dependente da indústria turística nas suas mais diversas vertentes, ganha importância acrescida a abertura da nova temporada do Mundial de MotoGP no Autódromo Internacional do Algarve, pois pela primeira vez a prova rainha do desporto motorizado não começará no Qatar.

E o que isto tem de relevante?, perguntam vocês. ‘Pouca coisa’, respondo eu: apenas e só uma efervescência de visitantes incomum nesta época do ano, pois o Autódromo Internacional do Algarve, localizado na freguesia da Mexilhoeira Grande, está a ser um ponto de encontro de fãs das motos, atraindo por estas semanas alguns milhares de pessoas, oriundos das sete partidas, para assistirem aos treinos e testes de marcas e pilotos que aqui assentaram arraiais, sendo esperados cerca de 180 mil espetadores no dia da corrida propriamente dita, 26 de março.

A concretizar-se as expetativas da organização, isso representará o maior evento desportivo pago jamais realizado em Portugal, juntando os melhores protagonistas da modalidade e as escuderias de referência. ‘Nada de mais’, portanto.

Acresce o mediatismo inerente ao circo do MotoGP, com a presença na região de centenas de jornalistas e órgãos de comunicação social, cujo apogeu será a transmissão em direto da prova para todos os cantos e recantos do planeta e mais além.

Tudo junto, teremos em perspetiva uma mega visibilidade internacional e um apreciável – e sempre bem-vindo - impacto económico, tanto direta como indiretamente, ainda por cima em plena época baixa.

Segundo as previsões climatéricas, até o tempo primaveril que se espera para a última semana de março vai ajudar à festa, que poderá mesmo roçar a perfeição, caso o piloto autóctone Miguel Oliveira repita a proeza de 2020 e vença a prova de Portimão.

Sendo assim, a primeira das 21 rondas do MotoGP 2023 tem tudo para não deixar o Algarve mal visto e, como tal, trazer uma lufada de ar fresco à paupérrima economia regional, tão turisticamente subordinada.

Que não caia em saco roto.


Semear para colher

A julgar pelos dados recentemente vindos a público, 2023 começou de forma auspiciosa para o turismo algarvio, que pulverizou números com mais de duas décadas.

Segundo a insuspeita AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, a taxa de ocupação registada em janeiro transato ultrapassou todas as expetativas, batendo mesmo a frequência de turistas verificada durante período homólogo do excecional ano de 2001.

A surpresa foi de tal ordem que responsáveis pela associação confessaram mesmo ter contado e recontado as tabelas recebidas, não fosse dar-se o caso de alguém ter usado mal a calculadora. Em consequência, até a famigerada e crónica sazonalidade foi razoavelmente atenuada, para pasmo geral.

Tudo isto numa altura em que as conjunturas, nacional e internacional, se apresentam bastante reservadas, fruto de resquícios pandémicos e reflexos bélicos, nomeadamente a nível energético, para já não falar num sem-número de outras causas e efeitos, todos eles nefastos.

Portanto, e assim de repente, parece que o destino Algarve continua a fazer valer os seus atributos, que não são poucos, apesar de não se notar qualquer tipo de política concertada em prol do melhoramento infraestrutural desse poder de atração… que é essencialmente de natureza natural, passe a redundância.

Portanto, permitam-me não embandeirar em arco, já que ando por cá faz tempo e sei como esta coisa das tendências - favoráveis ou desfavoráveis – assim vêm como vão, ao sabor de ventos e marés. Na verdade, se o ditado popular reza que uma andorinha não faz a Primavera, certo é que um janeiro não fará o ano turístico.

Cumprirá, pois, aos responsáveis pelo setor e aos decisores políticos não apenas surfar a onda, desenvolvendo hoje e sempre esforços coordenados no sentido de semear para colher, através de estratégias promocionais agressivas (no bom sentido) e da criação de ambiciosas condições estruturais para melhor receber quem nos procura.


Pouca-terra, pouca-terra

Exatamente um século após a conclusão da Linha do Algarve, que une de comboio Vila Real de Santo António a Lagos, eis que avança a respetiva eletrificação, há muito reclamada.

Velha reivindicação dos algarvios, finalmente a empresa Infraestruturas do Algarve meteu mãos à obra, recorrendo para o efeito a fundos europeus, prevendo-se que o derradeiro troço (Tunes-Lagos) esteja operacional lá para finais de 2024.

Desenvolvido no âmbito do programa de expansão e modernização da Rede Ferroviária Nacional, o investimento está orçado em cerca de 80 milhões de euros e engloba a eletrificação, a instalação de novos sistemas de sinalização e de telecomunicações ferroviárias, a colocação de sistemas de informação ao público em todas as estações e a supressão de passagens de nível, esses nefastos pontos negros que inúmeras vidas ceifaram e tantos transtornos causam.

A partir do momento em que a futura infraestrutura de transporte público entrar em atividade, será viável a circulação de comboios de tração elétrica, mais modernos e ambientalmente sustentáveis, possibilitando a redução do tempo de percurso dos serviços regionais até um máximo de 25 minutos na ligação de Lagos a Vila Real de Santo António, assim como acesso direto nos trajetos de longo curso, sem necessidade de transbordos, o que representará uma pequena mais-valia para quantos recorrem à CP, sejam residentes ou turistas.

Quanto ao material circulante, sobretudo no que diz respeito às composições destinadas a passageiros, tudo aponta para que sejam adquiridas ‘novas’ carruagens, maioritariamente daquelas que a Espanha está a substituir no âmbito da renovação da sua frota, prevendo-se num espaço temporal ainda demasiado vago a ligação ferroviária entre o Algarve e a Andaluzia.

Do mal, o menos, como diria a minha avozinha, que deus tenha em boa conta e recado.

Na certeza – porém - que a tão badalada região algarvia, rainha das demandas turísticas e fonte de exorbitantes receitas para o Estado, segue na cauda dos investimentos estratégicos nacionais, continuando a ver passar o comboio… só que um pouco menos lento.


Temei os tremores

Coincidência ou não, por alturas da passagem do 267º aniversário sobre o devastador terramoto de 1 de novembro de 1755 foi registado um significativo aumento de ocorrências sísmicas, sobretudo ao largo da costa algarvia, nomeadamente a SW de Albufeira e no sempre agitado Banco de Gorringe, a cerca de 120 milhas marítimas a oeste-sudoeste do Cabo de São Vicente e perigoso sensor da atividade resultante da fricção entre as placas tectónicas europeia e africana.

Não é propósito desta crónica (longe de mim…) atiçar alarmismos especulativos, mas certo é que nós - os algarvios e aqueles que por cá andam – vivemos num autêntico “barril de pólvora que um dia vai explodir”, segundo Mário Lopes, engenheiro especializado em sismos e professor no Instituto Superior Técnico, segundo o qual “falta fiscalização das normas relativas à resistência sísmica” e, portanto, a prevenção terá que começar nos cidadãos, exigindo essas condições quando vão habitar uma casa.”

No caso concreto do Algarve, a explosão imobiliária verificada entre as décadas de 1970 e 1990, devida principalmente à demanda turística, originou o surgimento de milhares e milhares de edifícios projetados sob critérios demasiado displicentes, cuja fiscalização por quem de direito foi, na esmagadora maioria dos casos, tão ou mais permissiva.

E, no entanto, legislação é coisa que não falta, pelo menos desde 1958, visando aumentar o grau de exigência no dimensionamento dos projetos. O que falta é uma preocupação genuína por quem tem tido ao longo deste lapso de tempo a obrigação de fazer cumprir à risca as normas estabelecidas, a bem daqueles que habitam nesta região.

Voltando ao especialista a que recorro para basear este breve artigo, Mário Lopes lamenta andar há cerca de duas décadas a ‘pregar aos peixes’, na defesa da construção de edifícios e infraestruturas de engenharia civil preparada para resistir a abalos telúricos. Um alerta que pretende, apenas e simplesmente, reduzir em dez vezes o número de vítimas e danos materiais resultantes dos mais que prováveis tremores de terra de grande amplitude e subsequentes maremotos (tão devastadores na costa algarvia em 1755) a que estamos sujeitos.

Por tudo isto, uma coisa vos confesso: se há fenómeno natural de que tenho assumido pavor é o tremor de terra, pois sei bem o sério risco que corro ao morar paredes meias com o Rio Arade, a fissura tectónica que liga Portimão a Silves.

Enquanto folgam as costas, resta-nos alertar as entidades responsáveis e os principais atores do setor da construção civil e afins, cobrando-lhes o intransigente cumprimento das regras do jogo.


O sol quando nasce (não) é para todos

Como se não bastassem todas as agruras e vicissitudes que nos apoquentam no dia-a-dia, estamos a viver uma crise energética cada vez mais preocupante e sem solução à vista.

Receio mesmo que a componente económico/politicoide da coisa seja até muito mais grave que a redução – irreversível – dos recursos naturais, porque o ser humano é aquela besta irracional que tudo leva à frente em nome da sua ganância e egoísmo… e o resto das espécies que habitam o terceiro calhau a contar do sol não tem a menor capacidade de contrariar esta alucinante queda rumo ao precipício.

Vem tudo isto a propósito da obscena carestia das fontes energéticas mais comuns, como eletricidade, gasolina/gasóleo, gás natural, etecetera e tal.

Visivelmente apreensivo sobre o futuro próximo das minhas parcas economias, comecei a matutar sobre estratégias para atenuar o forte impacto da coisa. Embora me tenham vindo à ideia alguns truques, seguramente de resultados pífios, não é deles que vos quero escrever.

É que, no meio dessa reflexão, recordei-me de um lugar-comum que se popularizou bastante no início da década de 1990, quando o Algarve recebia jornadas dos Jogos Sem Fronteiras, esse programa televisivo que juntava representantes de localidades de vários países europeus e que chegou a ser líder de audiências.

Outros tempos, quando a região algarvia era promovida (com sucesso) por, alegadamente, ter 300 dias de sol por ano.

Exageros e facilitismos à parte, o foco desse chavão fez-me lembrar o potencial de energia solar que temos por cá, para o bem e para o mal.

No caso que me interessa sublinhar nesta crónica, é facto que dispomos de uma energia renovável sem fim à vista, sustentável e “saudável”, que pode ser explorada de forma ativa, através de painéis fotovoltaicos, ou passiva, pois não necessita de equipamento específico como a orientação de um prédio para o sol, permitindo a sua captura, conversão e distribuição.

Para além do aproveitamento que já se verifica em casas particulares e infraestruturas industriais, ainda de relevância bastante residual, imaginem só o uso generalizado da energia solar, por exemplo, nos veículos automóveis e afins, uma alternativa que vem merecendo crescente atenção por parte de algumas marcas de renome, que estão a equipar carros elétricos também com painéis solares, no sentido de poupar energia nas viagens e recarregar baterias.

Esta apenas uma de muitas outras possibilidades, uma vez que luz solar não nos falta o que falta mesmo é a vontade dos decisores em tirar real partido deste maná dos céus.

Haja alguém que medite nisto.


O meu reino (dos algarves) por umas bátegas

Para a crónica deste agosto, preferia escrever sobre um tema de circunstância, algo ligeiro e descomprometido, talvez recorrendo ao manancial de que a chamada ‘silly season’ é tão fértil. Mas não dá!

Face à inexorável gravidade do tema, sem resolução à vista, eis-me de novo a teclar sobre a seca severa e extrema que continua a flagelar o sul do país, com forte incidência na região algarvia e sobre a qual tenho vindo a tecer comentários desde quase o início desta revista de arte & ciência.

Na realidade, o problema está a tomar proporções cada vez mais alarmantes, ao ponto de recentemente terem sido aprovadas diversas medidas conjuntas pelos municípios algarvios, tais como a diminuição da rega de espaços verdes, com elevadas necessidades hídricas (visando a posterior reconversão desses espaços com espécies que necessitem de regas menos frequentes), o reaproveitamento de águas residuais para usos não potáveis (como por exemplo, na lavagem de ruas e de contentores) e a promoção de campanhas de sensibilização para a necessidade do uso racional da água.

Foi inclusive elaborado um levantamento de soluções a adotar localmente, considerando as especificidades de cada um dos 16 municípios, cuja concretização verificar-se-á ao longo das próximas semanas.

O fenómeno da seca severa é abrangente, atinge todo o país, mas o certo é que o Algarve é a região que se encontra em situação mais crítica.

No caso concreto do setor agrícola algarvio, o Governo implementou o Plano de Eficiência Hídrica, destinando para o efeito mais de 17 milhões de euros, aos quais acresce uma importante parcela dos cerca de um milhão de euros do Programa de Desenvolvimento Rural e dos cinco milhões de euros do Fundo Ambiental para campanhas de sensibilização e soluções de contingência.

Dinheiro, portanto, é coisa que não faltará.

Mas não é com euros que se nivelam as cotas das nossas barragens (atualmente com uma média de retenção na ordem dos dez por cento…), sendo que este fenómeno geoclimático – relacionado com a aproximação do Algarve ao Norte de África – é claramente agravado pelas alterações atmosféricas verificadas nos últimos tempos.

Continuo a não perceber muito bem como a tendência poderá ser revertida, quer natural quer artificialmente, sendo que este mês de agosto está a caracterizar-se por uma exponencial procura de turistas/consumidores, que querem lá saber de poupar água na lavagem recorrente dos seus carros ou nos seus vários duches diários, por exemplo.

Digo e repito, esperando enganar-me redondamente: está a formar-se uma ‘tempestade perfeita’ que irá atingir diretamente a Agricultura, um dos poucos segmentos económicos que poderiam contrabalançar a imprevisibilidade tão ligada à indústria do Turismo, no sentido de diversificar as fontes de rendimento dos algarvios.

No rol das perguntas que me coloco, faz parte uma catrefada de pontos de interrogação, relacionados aos seguintes aspetos: quais as estratégias a desenvolvidas para mitigar os impactos nefastos que a falta de água tem entre nós?; a construção de centrais de dessalinização e a criação de bacias de retenção e redes de transvases, ou mesmo certas inovações tecnológicas, poderão ser a resposta?; de onde virão os avultados recursos financeiros para dar, quanto antes, passos nesse sentido?; as potências económicas da União Europeia estarão dispostas a abrir os cordões à bolsa, dando a mão aos países da bacia mediterrânica, que continuam a ser vistos como sociedades intelectualmente inferiores?

Se hoje em dia a esmagadora maioria do pessoal ainda assobia para o lado, pois radicais regras de racionamento ainda não fazem parte do seu dia-a-dia, esperem por setembro/outubro, rezando para que – entretanto – caiam umas precoces bátegas de água,… com os subsequentes prós e contras.


Remendos pelo ar

Passam este mês 57 anos sobre a entrada em funcionamento do Aeroporto Internacional de Faro, que muito recentemente ganhou o nome de Gago Coutinho, honrando este pioneiro da aviação lusa.

Nem de propósito, com o exponencial afluxo de turistas esperados por conta da época estival já em curso e dos importantes eventos que neste período animarão a região algarvia, é uma das infraestruturas aéreas alvo do plano de contingência “Verão IATA 2022” preparado pelo Ministério da Administração Interna (MAI), entrando no início de julho "na máxima afetação" de reforço de meios, a qual consagra "ajustamentos necessários", caso a respetiva monitorização semanal prevista os revele imprescindíveis.

Trocado por miúdos, isso significa que o ‘nosso’ aeroporto, cuja dimensão continua aquém do desejado, será alvo de especial atenção por parte do MAI, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), ANA — Aeroportos de Portugal e outras entidades relevantes no que diz respeito ao controlo das fronteiras externas da União Europeia, para garantir a segurança do Espaço Schengen e promover a fluidez no processamento dos passageiros que entram e saem do país por via aérea.

Apesar de ser uma exceção ao crónico desinvestimento que o Poder Central dedica ao Algarve, pois na última década beneficiou de intervenções de vulto, ainda assim o Aeroporto Gago Coutinho apresentou elevadas taxas de ocupação das boxes nos períodos considerados de pico logo após a entrada em vigor do tal plano, o que motivou tempos de espera bem superiores ao ideal e obstou a um processamento célere dos fluxos de passageiros.

Para colmatar a lacuna, o MAI reafetou para Faro 15 inspetores do SEF e mais uns quantos agentes da PSP, ao mesmo tempo que está a proceder à atualização e monitorização de algumas soluções tecnológicas, entre outras medidas avulsas, sendo que esta preocupação acrescida tem prazo de validade, pois a partir de setembro tudo voltará à ‘normalidade’, mal a pressão diminua.

Pressão essa, recordo, que tem pulverizado os sistemas aeroportuários na Europa e noutros pontos do mundo, o que se traduz de forma generalizada no cancelamento de voos, no aumento dos tempos de espera e noutras perturbações que afetam os aeroportos, as companhias de aviação e os passageiros.

Sempre em ascensão desde 2011, ao ponto de ultrapassar os nove milhões de passageiros no ano pré-pandemia (a que se seguiu quebra acentuada e compreensível de tráfego em 2020), o aeroporto algarvio continua a aguardar uma expansão à séria, perspetivando as próximas décadas, e não apenas soluções pontuais, que mais não são que apressados remendos.


Quando a “primeira hipótese” deixa de o ser

Há quase um ano, estava eu por aqui a dissertar sobre a eventualidade de uma ligação marítima regular entre o Algarve e Marrocos, que as notícias de então davam como provável entre Portimão e Tânger.

Na oportunidade, escrevia eu que “no cerne da questão residem profundas divergências político-económico-religiosas entre Marrocos e Espanha, que geraram uma crise diplomática tendo Ceuta como pano de fundo. Mas isso a nós, portugueses, pouco ou nada importará, pois se o que Rabat quer são alternativas, então que as proporcionemos, com os benefícios que daí advirão.”

Também considerava – e mantenho – que “temos em perspetiva todo um novo mercado, até turístico, uma vez que as famílias marroquinas de classe média alta, com um apreciável poder de compra, passariam a frequentar a excelente oferta algarvia, que desconhecem totalmente, apesar de comungarmos muitos laços culturais”, pelo que “esta é uma oportunidade de ouro, que poderá – e deverá – anteceder outras, caso sejamos legitimamente ambiciosos e tenhamos em perspetiva que o Porto de Cruzeiros de Portimão se assume como uma privilegiada porta de saída e entrada para o Mediterrâneo”.



Entretanto, essa eventualidade foi perdendo gás, muito por força do crescente desinteresse manifestado por diversas entidades (sobretudo algarvias), sob argumentos díspares e vagos, enquanto as autoridades marroquinas não escondiam a sua perplexidade.

A coisa foi de tal ordem que, durante os últimos tempos, não mais se falou sobre o assunto, que parecia enterrado sob as toneladas do alheamento local.

Eis senão quando o tema da ponte marítima com o norte de África volta à baila e surgem notícias de que a mesma será discutida na próxima cimeira entre Portugal e Marrocos, a realizar ainda este ano.

Segundo consta, o ministro luso dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, estará a trabalhar numa agenda bilateral com Marrocos e essa vai ser matéria prioritária, juntamente com o fornecimento energético, nomeadamente através de uma interligação elétrica entre Marrocos e o Algarve, já a pensar no hidrogénio verde e nas energias livres de carbono.

Portanto, tudo indica que fazer de Portugal e Marrocos uma ponte privilegiada entre África e Europa consta dos planos nacionais, tanto por questões económicas, como no âmbito geopolítico.

Contudo, no caso específico da tal ligação marítima a opção algarvia vem perdendo defensores e fundamentos, ao ponto de João Cravinho ter admitido que, apesar de Portimão ser “a primeira hipótese”, haverá “outras possibilidades”, até porque “os operadores privados serão chamados a dar a sua opinião.”

Para bom entendedor…!


Dona Ana sem bandeira

O que chama a atenção na lista de atribuição da Bandeira Azul para a próxima temporada balnear é a saída da Praia de Dona Ana, uma das mais afamadas estâncias balneares da região algarvia.

Região algarvia que, por sinal, continua a dominar a listagem nacional, com 86 bandeiras destinadas às praias, a que se juntam quatro marinas (Lagos, Portimão, Albufeira e Vilamoura) e duas embarcações de ecoturismo, a grande novidade deste ano, ambas sediadas em Portimão.

Merece referência o concelho de Albufeira, com 25 praias (o recordista nacional), seguido por Vila do Bispo (11), Loulé (10), Portimão e Lagoa (6), Aljezur, Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António (4), Lagos (3), Castro Marim (3) e Silves (2).

Contas feitas, causa alguma espécie o desaparecimento da Praia de Dona Ana, alvo em 2015 de uma radical intervenção para suster o avanço do mar e que gerou forte controvérsia, sobretudo no seio da comunidade local, com muita contestação à mistura e o posicionamento de diversas entidades ligadas à preservação do ecossistema.

O Ministério do Ambiente foi mesmo acusado de protagonizar um “grave e premeditado crime”, ao proceder à dragagem e descarga de “toneladas de areia de qualidade miserável”, que soterraram “o mundo submarino e a paisagem marítima”, tendo sido igualmente criticada a construção de um dique com 50 metros.

Segundo fontes oficiais da própria edilidade lacobrigense, a não candidatura à Bandeira Azul 2022 prende-se com a ETAR de Lagos, cujas condutas estarão permeáveis à entrada de água salgada nos pontos onde o nível do mar está acima do saneamento, o que origina dificuldades no seu tratamento e afetaria as análises previstas para o período de avaliação referente ao galardão deste ano.

Apesar da qualidade da água na Praia de Dona Ana ser considerada pelas autoridades municipais “boa ou mesmo muito boa”, certo é que esses resultados analíticos impediram, muito provavelmente, a atribuição da Bandeira Azul para a época balnear que se avizinha.

Poderia achar esta situação, supostamente pontual, como aceitável, caso não viesse da própria autarquia a previsão de que só daqui a um par de anos o problema deverá estar definitivamente sanado, após o investimento que a empresa Águas do Algarve está a fazer na ETAR em causa.  

Poderia até desvalorizar a ausência da Bandeira Azul ondulando neste belo recanto da costa barlaventina, se levar em linha de conta a garantia de que a Praia de Dona Ana não perdeu nenhum dos seus predicados em termos de qualidade, segurança e controle da água.

Poderia mesmo ignorar este tema, sabendo que a Câmara de Lagos tomou a iniciativa de nem sequer candidatar a mais famosa estância balnear do concelho ao prestigiado galardão, instituído há 35 anos pela União Europeia, e sabendo de antemão que os indicadores são bastante exigentes.

Mas não devo esquecer que semelhante impasse se verificou em recentes anos nas praias da Batata e do Camilo, também elas padecendo de maleitas do género, mantendo-se incólumes a acidentes de percurso, apenas, a Praia da Luz, Porto de Mós e a Meia Praia.

Portanto, o facto daquela que foi eleita em 2013 como “a melhor praia do mundo” (pela revista espanhola Condé Nast Traveller) estar arredada da Bandeira Azul, sabe-se lá por quanto tempo, é algo que me custa a engolir, pois há ‘imprevisibilidades’ que são previsíveis, como parece ser o caso.


‘Lobby’ de interesses

Desde que ando metido nestas coisas do jornalismo – e já lá vão quatro décadas – tenho lido e ouvido recorrentemente lamúrias sobre a inexistência (ou ineficácia) de um ‘lobby’ de pressão que pugne pelos reais interesses do Algarve e dos algarvios, quer a nível social, quer no âmbito económico.

Durante este já longo período, têm surgido diversos coletivos, sobretudo empresariais, que asseguram aos quatro ventos vir para mudar as coisas, autoproclamando-se arautos de um Algarve melhor, mais coeso e melhor adaptado aos desafios atuais e futuros.

Contudo, a realidade tem sido bem diferente e, na prática, essas entidades/associações acabam por se revelar, na esmagadora maioria das vezes, meros laboratórios criados com o intuito de preparar elixires com propriedades político-partidárias, limitando-se a servir de rampas de lançamento, vulgo trampolins, para projetos de índole pessoal, uns mais ambiciosos que outros, supostamente visando o bem-estar da comunidade.

Tudo isto a propósito de um recente projeto, criado em 2015 na forma da AlgFuturo – União Empresarial do Algarve, que tem sido reiteradamente liderada pelo insuspeito José Vitorino, cujo vasto currículo é esclarecedor sobre os ideais que o movem enquanto personalidade interessada na coisa pública.

Detalhes à parte, gostaria imenso de acreditar que, por fim, a região passou a ter uma voz ativa, isenta e independente, inovadora e empreendedora, desinteressada e congregadora, capaz de exercer a tal pressão junto do poder central de que nós, algarvios, tanto carecemos, através da cooperação interativa entre as estruturas públicas e a sociedade civil.

Mas, pelos anos já decorridos desde a sua criação e perante as notícias que me vêm chegando das mais recentes posições oficiais da dita União, fico com a amarga impressão de que ainda não é desta que nos veremos livres da manipulação politiqueira de dados e factos, já que as queixas e críticas que os seus responsáveis vêm propagando para o exterior, podendo ser legítimas na sua génese, soam-me demasiado excessivas, desenquadradas da realidade e assumidamente contra a corrente, só porque sim.

Portanto, do meu ingénuo ponto de vista e até prova em contrário, eis mais uma oportunidade perdida, pois continuamos sem a tal voz forte, credível e agregadora que há muito necessitamos.

É pena.


Como pescar em águas turvas

Ao procurar distrair a mente dos preocupantes acontecimentos que dominam a atualidade e influenciam o nosso quotidiano, por mais distantes que pareçam ser, dei comigo lendo uma notícia sobre o concurso que a Fundação Oceano Azul está a organizar para o desenvolvimento de mecanismos que promovam a valorização económica do pescado em áreas marinhas, sob o tema "Take less, Earn more" e com um prémio de 150 mil euros.

A iniciativa desafia economistas a juntarem-se com juristas, cientistas, marketeers e outros que tais para, em conjunto, desenvolverem instrumentos que contribuam para a valorização económica do capital natural marinho português, que é imenso, embora não tenhamos muita noção disso.

Por esta via, os organizadores acreditam que irão aumentar o valor comercial do pescado através da valorização da sua origem, o que representará uma garantia de qualidade num contexto de normalidade, ou seja, caso a vida decorra normalmente, sem atropelos de maior, como epidemias naturais ou guerras artificiais.

Em Portugal no geral (e no Algarve em particular), a pesca e a aquacultura são os subsectores da fileira do pescado menos lucrativos da economia do mar. Isto porque a parte mais lucrativa encontra-se nas etapas finais da cadeia de valor, sobretudo na venda ao consumidor final. Assim, a rentabilidade das empresas de pesca é diminuta e a produção média por pescador situa-se significativamente abaixo de outros países europeus.

A baixa produtividade do setor é ainda agravada pela ausência do conhecimento de muitos dos stocks pesqueiros e de tecnologias aplicadas à valorização do pescado que permitam melhorar a sua conservação e transformação, e logo, diversificar o negócio.

No setor das pescas em concreto, que já teve grande peso económico e social na região antes do massivo abate da frota causado pelas políticas do algarvio Aníbal Cavaco Silva, à época Primeiro-ministro, o volume de negócios está ainda limitado pela escassez do recurso e consequentes épocas de defeso.

Como tal, o crescimento económico deve estar assente na criação de mais valor por unidade de captura, sendo que a sustentabilidade financeira da atividade requer ainda que o lucro seja mais equitativamente distribuído por todos os envolvidos. 

Creio que medidas como esta ainda virão a tempo, já que dispomos de uma das mais diversificadas frotas da União Europeia, tanto em variedade como de espécies capturadas (cerca de 200), entre peixes, bivalves, moluscos e crustáceos, embora muitas delas pouco abundantes ou com reduzida expressão económica. Esse fator de diferenciação é, todavia, subvalorizado, estando o rendimento dos pescadores limitado à quantidade de pescado capturado.

A qualidade posiciona-se, assim, como fator de diferenciação fundamental e, logo, de valorização das pescas. Para que seja possível implementar uma estratégia deste tipo, importará dirigir esforços dos setores privado e público que possibilitem mudanças estruturais e organizacionais capazes de transformar o atual paradigma.

No meu ponto de vista, algumas das soluções poderão passar por sistemas de certificação de processos e práticas de captura, selos de qualidade e certificação de denominação de origem, mecanismos de valorização alicerçados na criação de áreas marinhas protegidas, campanhas junto dos consumidores e, mesmo, incentivos à diversificação dos produtos finais de venda.

Por tudo isto, parece-me oportuno o desafio colocado pela Fundação Oceano Azul e só espero que os concorrentes – que devem submeter as suas propostas até 20 de maio próximo – proponham soluções tendentes a aumentar o valor do pescado nas áreas marinhas protegidas e diminuam o número de capturas.

Vamos lá ver é se as águas, já de si bastante turvas face aos últimos desenvolvimentos à escala global, não ficam demasiado alterosas e inavegáveis.


G’anda seca

Entrados em fevereiro, volta às manchetes a eventual escassez de água no Sul, especialmente na região algarvia, e, com ela, a ameaça de seca severa nas nossas barragens, com tudo o que de nefasto isso implica.

Trata-se de um fenómeno geoclimático claramente agravado pelas alterações atmosféricas verificadas nos últimos tempos e não sei muito bem como poderá ser revertido. Nem natural nem artificialmente.

O que sei por experiência própria, pois já o senti literalmente na pele em outras ocasiões, é que a coisa pode ficar bastante complicada (cada vez mais complicada…), mesmo que vá caindo uns aguaceiros aqui e umas chuvadas ali.

Por estas ocasiões, é habitual os representantes das chamadas ‘entidades responsáveis’ exercitarem a sua prerrogativa de exigir às mais altas instâncias «medidas de apoio», sobretudo dirigidas à Agricultura, mas também para o Turismo.

Essas «medidas de apoio» resumem-se, na maioria das vezes, a verbas destinadas a atenuar o aumento dos custos de produção e a criar algum tipo de facilidades no que toca a linhas de crédito e afins. Portanto, e do meu ponto de vista, mais não fazem – as medidas – que salpicar as nossas hortas e ‘resorts’ de euros. E nada mais.

Entretanto, desde há cerca de dois anos, a malfadada pandemia agravou violentamente um cenário económico e social já de si nada auspicioso, o que veio dar uma forte machadada no setor turístico, do qual o Algarve em tanto depende para a sua subsistência.

Sendo assim, receio estar-se a formar uma ‘tempestade perfeita’ entre a atual crise sanitária (longe de resolvida) e os desafios climáticos (insanáveis), atingindo diretamente a Agricultura, um dos poucos segmentos económicos que poderiam contrabalançar a imprevisibilidade tão ligada à indústria do Turismo, no sentido de diversificar as fontes de rendimento dos algarvios.

De resto, Agricultura e Pescas já tiveram preponderância económica na região, de que poucos se recordarão… até que chegou o Turismo e, pouco depois, políticas suicidas e insensatas foram impingidas.

Então, e face à realidade, como ultrapassar este melindroso momento e edificar uma economia mais saudável, mais abrangente e mais resiliente a crises como a que estamos a viver? Mais: de que forma se deve enfrentar a endémica escassez de água e seu abastecimento?

No rol das perguntas, e se me permitem, coloco-vos mais estas: que estratégias poderão ser desenvolvidas para mitigar os impactos nefastos que a falta de água tem entre nós? A construção de centrais de dessalinização e a criação de bacias de retenção e redes de transvases, ou mesmo certas inovações tecnológicas, poderão ser a resposta? De onde virão os avultados recursos financeiros para dar, quanto antes, passos nesse sentido? As potências económicas da União Europeia estarão dispostas a abrir os cordões à bolsa, dando a mão aos países da bacia mediterrânica, que continuam a ser vistos como sociedades intelectualmente inferiores?...

Respostas precisam-se!


Operacionalizar é preciso!

Mais um ano chegado, as mesmas preocupações, e o Algarve entrando numa espiral de 365 dias que não se afiguram propriamente auspiciosos. Para variar.

Dispensando-me de fazer o balanço do ano findo, por não ter dados nem veleidade para isso, também prescindirei de traçar cenários futuristas, tal a inconstância das coisas e até porque não possuo qualquer dom divinatório.

Em todo o caso, e pela relevância de que se reveste esta ferramenta, atrever-me-ei a tecer alguns considerandos sobre o que poderá (ou não) suceder nos próximos 12 meses a partir do Programa Operacional Regional do Algarve, que aumentou a execução em 15,3 pontos percentuais no ano transato, transferindo preciosos 48,7 milhões de euros de fundos comunitários para a economia sulina.

Começo, pois, por desejar que esse animador resultado não se retraia, até porque 2021 foi o melhor ano de execução desde o início do Quadro Financeiro Plurianual, iniciado em 2014. Isso merece um brinde.

Sublinho, particularmente, o reforço do investimento empresarial em inovação produtiva, no emprego qualificado, em reabilitação urbana, património e equipamentos culturais, capacitação e modernização administrativa, eixos que no final de 2021 atingiram uma taxa de execução superior a 60% sobre o programado para o período 2014-2020, tal como um significativo aumento do investimento na ciência e investigação.

Como a autoridade de gestão do Programa Operacional Regional tem como meta elevar este ano a taxa de execução em mais 20 a 22 pontos percentuais, com  o objetivo de atingir 78 a 80 por cento de taxa de execução no final de 2022, aumentando a sua eficiência e reforçando o investimento em inovação produtiva e competitividade, educação, infraestruturas escolares e cultura, ciência e inovação, emprego, empreendedorismo e inovação social, mobilidade suave, eficiência energética e energias renováveis, só poderei estar esperançoso e torcer para que assim seja.

Tomara nós que, em complemento, ambiciosos projetos (ainda e sempre na gaveta) comecem a ver, por fim, a luz do dia, nomeadamente na área dos transportes, com a modernização da linha ferroviária que liga barlavento a sotavento à cabeça, sem esquecer a ampliação do porto de cruzeiros de Portimão, entre tantos e tantos adiamentos que continuam a inibir o presente e a comprometer o futuro do Algarve e dos algarvios.


Uma calamidade nunca vem só…

Esta malfadada pandemia, cujas sórdidas origens ainda estão por explicar, não há meio de nos dar tréguas e muito receio eu que as novas cepas – detetadas a uma cadência angustiante – acabem por esgotar a curto prazo todas as letras do alfabeto grego.

Do meu ponto de vista, o retorno ao estado de calamidade, decretado a partir do dia 1 deste mês, mais não faz que confirmar como se continua a menosprezar (ao mais alto nível decisório) a força maléfica deste versátil vírus, pois deveríamos ter sobejas provas de que ele veio com armas a bagagens para nos fazer a vida negra… e mortal em tantos e tantos casos.

Já nem a vacinação maciça da população, apesar dos eloquentes resultados a nível mundial, nos vale de grande coisa: aos indicadores de esperança de há um ano, quando começaram a surgir as primeiras vacinas, sucedem-se dúvidas e incertezas quanto à duração e eficácia das mesmas, numa inglória corrida temporal contra as novas estirpes por alguns dos mais conceituados laboratórios, cuja única garantia palpável é a milionária faturação de que estão a ser ‘vítimas’.

Portanto, não é de espantar que o tema fraturante nas discussões entre amigos e familiares tenha passado da existência de uma cura, para o legítimo questionamento sobre a fiabilidade e segurança das vacinas com que podemos contar no combate a tão nefasta maleita, tendo por base o aumento do número de infeções e o índice de transmissibilidade da doença.

Voltam assim ao nosso quotidiano, virado do avesso desde março de 2020, a obrigatoriedade do uso de máscara, as medidas de prevenção sanitária, as testagens regulares, o regresso ao teletrabalho, o certificado digital e todas as outras restrições e regras de controlo pandémico, entre as quais as limitações em termos de viagens e frequência de espaços públicos e/ou privados.

Quer isto dizer que a economia algarvia, em particular o setor dos serviços e com especial incidência na restauração e na indústria turística, sofrerá novo impacto negativo e só lhe resta nos próximos tempos manter-se à tona, tentando (sobre)viver o melhor possível, a bem dos largos milhares de trabalhadores que dependem desta área laboral.

Não obstante e apesar de tudo, cumpre-me encerrar a última crónica do ano com votos de Boas Festas e desejos de um excelente 2022, na esperança que a 1 de março próximo consigamos ver – finalmente – uma luz ao fim do túnel e cesse o estado de calamidade a que voltamos a estar submetidos.


Carnaval pegado

A julgar pela cadência com que se estão a efetuar atos eleitorais neste país à beira-mar plantado, até parece que os portugueses se pelam por uma boa campanha e não perdem nenhuma oportunidade de exercer o seu direito cívico.

Mas, depois, vai-se a ver e o que temos são crescentes e preocupantes índices de abstencionismo, aos quais a classe política não dá a mínima bola, convencida que está dos seus méritos republicano-democráticos e do seu abnegado espírito de missão em prol do povo.

Pior que isso, revela-se pouco ou nada sensível aos transtornos funcionais, a todos os níveis, que as dispensáveis crises governativas, geradas por guerrinhas estratégicas do alecrim e da manjerona, causam no quotidiano do português comum, que legitimamente apenas ambiciona desfrutar de uma qualidade de vida proporcional à carga tribuária que o asfixia.

Em vez de a nossa elite política se debruçar em mixórdias como o hipotético recrudescimento da pandemia ou o avassalador aumento do preço dos combustíveis, já está tudo a cogitar quais as melhores táticas para a caça ao voto agendada para 30 de janeiro próximo.

Cá pelos algarves, onde é expetável mais uma pífia ida às urnas, como vem sendo tradição, começam já a notar-se as movimentações das forças partidárias no sentido de elaborar as suas listas de putativos deputados, quantos deles ignorantes da realidade desta região, à qual nunca prestarão contas, por mais eleitos que por cá sejam.

A propósito desta fase de incertezas, iniciada no momento em que se desenhou a crise forçada por politicoides de pacotilha e aplaudida por populistas fascizoides, pus-me a fazer contas sobre o tempo que mediará até ao exercício pleno do XXIII Governo Constitucional, nomeadamente no que tange ao congelamento de medidas e programas de benefício e incentivo ao Algarve e aos algarvios, e enquanto o próximo Orçamento da República não entrar em funcionamento.

Assim, e após as passeatas em janeiro dos candidatos às Legislativas e seus apaniguados, distribuindo bonés, lapiseiras, bandeirolas, porta-chaves, autocolantes e outras (in)utilidades, só teremos novidades palpáveis - na melhor das hipóteses - lá por alturas do Carnaval…!


Líder turístico na formação

O anúncio oficial de abertura, a tempo do início da próxima temporada letiva 2022/2023, das novas instalações da Escola de Hotelaria e Turismo de Portimão, a funcionar na antiga cadeia da cidade, inspira-me uma breve reflexão sobre a extrema importância da formação profissional para o principal setor económico da região algarvia.

Na verdade, enche-nos de orgulho qualquer notícia sobre as distinções que o turismo do Algarve costuma receber, e que não são poucas nem irrelevantes, muito antes pelo contrário. Espero não ser abusivo ao incluir-vos neste grupo…

Das melhores unidades hoteleiras às melhores praias e aos melhores campos de golfe, culminando no melhor destino turístico a nível mundial, o Algarve tem sabido merecer as mais altas honrarias, fruto das suas condições naturais, mas sobretudo de estratégias promocionais bem-sucedidas.

O surto pandémico que colocou as nossas vidas de pantanas foi dramático para os empresários do setor e, por tabela, para os seus colaboradores (e respetivas famílias), que vivem exclusivamente desta atividade, infelizmente ainda demasiado sazonal.

Mais uma vez se provou e comprovou como a quase total dependência da indústria turística fragiliza a sociedade algarvia, tanto a montante como a jusante, se bem que este ano já se esteja notando uma tímida tendência de crescimento, rumo aos fantásticos números de 2019.

Há muito se requerem alternativas viáveis e consistentes, que tardam em ser desbravadas. Neste âmbito, urge o investimento privado, devidamente suportado por incentivos públicos. Mas isso são contas de outro rosário.

Esta apressada crónica centra-se essencialmente, repito, na formação profissional, pois se ambicionamos um turismo de qualidade e atraente, capaz de resistir às agruras conjunturais e aos caprichos do mercado, deveremos pugnar por recursos humanos capacitados para desenvolver as suas tarefas de acordo com os mais exigentes padrões.

Tenho cá para mim que, quanto mais investirmos na qualificação profissional, maior será a nossa competitividade em termos de destino turístico, neste mercado tão competitivo.

Vou ainda mais longe e, para além dos jovens formandos que desejam apostar o seu futuro na vertente turística, defendo que essa mesma formação também deverá ser facultada – ao longo da vida – a trabalhadores já inseridos no mercado, não esquecendo os empresários, porque é primordial regenerar o setor, acompanhando as ideias que agitam o turismo à escala global e, com isso, incutindo-lhe lufadas de ar fresco.

Para além de todos os prémios internacionais, que bom será se o Algarve também for reconhecido como o melhor destino turístico do mundo a capacitar pessoas e a formá-las, criando mesmo – por que não?... – condições para recebermos formandos de outros países.


Venha de lá esse voto!

… E lá voltamos nós à rotina das passeatas, por cidades, vilas e aldeias, dos candidatos às Eleições Autárquicas e suas comitivas de apaniguados, distribuindo bonés, lapiseiras, bandeirolas, porta-chaves, autocolantes e outras gentilezas que tais, na pedincha daquele votozinho que tanto jeito lhes vai dar. De quatro em quatro anos, é assim.

Pelos 16 concelhos da região algarvia, como em todo o país, sai à rua a política de proximidade, como lhe chamam, e que mais não é do que gente com ares de importante que, por norma, mal nos cumprimenta ou nos dedica um desprezo em toda a linha, querendo (apenas por estes dias) abraçar-nos e beijar-nos efusivamente, perguntando como está a família e prometendo um futuro risonho a troco do nosso voto. Este ano, a título excecional, tais gestos de carinho ‘sincero’ ficam tolhidos pelo receio desse tal vírus que nos anda a afetar. Ao menos, uma serventia lhe reconheçamos…

Para além dessa novidade no trato, mais formal, poucas outras se me afiguram no quadro das listas apresentadas ao sufrágio de 26 de setembro, entre partidos e coligações, de barlavento a sotavento.

Na verdade, o que mais temos são candidatos que já exerceram a presidência num concelho e que se apresentam a outro, simplesmente por terem esgotado o ‘plafond’ de mandatos, ou os que foram eleitos por uma sigla partidária, deram força de maioria absoluta a uma outra sensibilidade política adversária e agora surgem sob novo invólucro, quais camaleões pugnando sempre, sempre, sempre pelo bem-estar do povo que juram representar. Há mesmo aqueles que, tendo exercido em tempos que já lá vão cargos de elevadíssima responsabilidade autárquica em nome de um determinado partido, num ápice redesenharam as suas convicções de alto a baixo e agora concorrem prestigiando (?) projetos que há meia dúzia de anos afirmavam – alto e bom som – abominar. Nada, portanto, que nos surpreenda.

Afinal de contas, quando falamos de eleições autárquicas estamos falando de pessoas, certo?

Mais do que nos símbolos partidários, são nelas que os eleitores (também pessoas…) depositam o seu voto, muito por conta da empatia que possam nutrir pelo cabeça de lista e sua equipa, e não tanto em programas superficialmente divulgados e raramente discutidos.

Acompanhando à distância as Autárquicas desde 1976, tenho cá para mim que os perdedores de hoje deveriam trabalhar logo a partir de amanhã por um resultado melhor daqui a quatro anos. Mas, como sabemos, isso não se verifica. Pelo contrário, só a escassos meses das eleições é que se começam a mobilizar, como se, entretanto, estivessem em hibernação política...

Se dá trabalho manter uma atividade cívica ao longo de mais de 1400 dias? Acredito que dê. Mas, por outro lado, tenho a certeza que esse esforço profícuo e persistente dará frutos aos mais empenhados e sérios. Conheço casos assim, as chamadas honrosas exceções.

Para aqueles que encaram as campanhas autárquicas como uma obrigação que tem que ser cumprida de quatro em quatro anos, à luz das estratégias partidárias a que se encontram obrigados, até é preferível que não obtenham especial relevância, a bem da sua estabilidade familiar e profissional, de que lá no fundo não querem abdicar. Esses estarão de volta em 2025, para mais uma feira de ilusões.

Entretanto, com algumas polémicas e ataques fulanizados a temperar o cenário (privilegiadamente nas redes sociais), lá vai decorrendo a campanha para as Autárquicas 2021, na qual se vem demonstrando como ética, deontologia, coerência, humildade, bom senso, honestidade, desapego, idealismo, dignidade ou independência são ingredientes que certos candidatos não possuem de todo… até porque não se encontram à venda na farmácia.


A(des)gosto

Tinha eu tenra idade e escassa noção do que me rodeava, já ouvia dizer que os algarvios suspiram ao longo do ano pela chegada de agosto… para ansiarem pelo seu fim o mais depressa possível.

Salvo os exageros da ordem, esse chavão não deixa de continuar a fazer algum sentido, mesmo nestes dois últimos verões flagelados pela Covid-19, pois a região algarvia ainda é o destino preferido para as merecidas e retemperadoras férias de muito boa gente.

Este agosto não está a ser exceção, a atestar pelos largos milhares de turistas portugueses que ‘invadem’ as estâncias balneares e os espaços de recreação aquática, além das grandes superfícies comerciais e dos restaurantes e similares.

Outros atrativos que o Algarve possui, sobretudo naturais e culturais, continuam a ser ignorados pela esmagadora maioria dos visitantes que nos demandam… Mas isso é outra estória.

Valha-nos, pois, o mercado nacional, já que os turistas britânicos, franceses, alemães e quejandos têm enfrentado entraves de vária ordem – não apenas sanitária – e estão temporariamente apartados deste nosso cantinho, o que origina um grave rombo na economia local.

Mas não é esse o principal problema com que o Algarve se depara nesta época: os fogos rurais e a seca severa também costumam concorrer para agostos bastante agitados, onde coisa que não falta são motivos para o ‘stress’ dos autóctones, vulgo algarvios.

Até ao momento, e felizmente, não se têm registado incêndios de grande monta, mas no que toca à crónica falta de água nas nossas barragens, aí o caso muda de figura.

De acordo com o mais recente boletim climatológico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, no final de julho mantinha-se a situação de seca meteorológica em Portugal, com significativa parte do Algarve em seca moderada e a preocupante diminuição dos valores de percentagem de água no solo, inferiores a 20 por cento.

Também desde pequeno, são recorrentes os alertas para a desertificação (irreversível…?) do nosso território, cujas cotas das barragens na região raras vezes ultrapassam médias pífias.

Ainda, e mais uma vez, faz décadas que ouço e leio sobre uma provável rede de barragens, de norte a sul, capacitada para disponibilizar água onde e quando fizer falta. Projetos e ideias que não passaram do papel.

Portanto, e por tudo isto, agosto leva-me a crer que – afinal – as tradições ainda são o que eram. Nos casos em apreço, para mal dos nossos pecados.


Tânger, Portimão, Lisboa e Madrid

Num momento em que se volta a ouvir a sirene de alarme face ao recrudescimento galopante da estirpe Delta da Covid-19, e quando as expetativas da economia algarvia, direta e indiretamente ligada ao turismo, baixam consideravelmente pelo fecho de portas dos seus principais mercados fornecedores, eis que há quem vislumbre uma luz ao fundo do túnel na forma da ligação marítima (diária!...) entre Tânger e Portimão. 

Grandes entusiastas da medida, os marroquinos não se têm poupado a esforços nas últimas semanas para desbloquear o aparente impasse que o Governo português está a protagonizar, ao que tudo indica para não melindrar os interesses dos nossos vizinhos espanhóis caso a rota em causa saia do papel. 

Se assim for – e tudo indica que é – fica a questão: caso os protagonistas mudassem de posição, ou seja, os espanhóis a prejudicar negócios portugueses, vocês acham que Madrid não assobiaria cinicamente para o lado? Exemplos abundam sobre o ponto de vista de ‘nuestros hermanos’ relativamente ao nosso jardinzinho à beira-mar plantado… 

Seja como for, fontes geralmente bem informadas garantem-me que Rabat tem pressa para garantir a rota Tânger-Portimão, como forma de não depender em exclusivo dos caprichos espanhóis, mas está a perder a paciência pelo extremo cuidado com que Lisboa administra o processo. 

Em cima da mesa está a realização de duas viagens diárias entre o Norte de África e o Algarve, movimentando cerca de quatro mil pessoas por dia, sobretudo a comunidade emigrante magrebina. 

No cerne da questão residem profundas divergências político-económico-religiosas entre Marrocos e Espanha, que geraram uma crise diplomática tendo Ceuta como pano de fundo. Mas isso a nós, portugueses, pouco ou nada importará, pois se o que Rabat quer são alternativas, então que as proporcionemos, com os benefícios que daí advirão. E não me parecem poucos… 

Temos em perspetiva todo um novo mercado, até turístico, uma vez que as famílias marroquinas de classe média alta, com um apreciável poder de compra, passariam a frequentar a excelente oferta algarvia, que desconhecem totalmente, apesar de comungarmos de muitos laços culturais, inspiradores da paisagem urbana e dos hábitos gastronómicos algarvios, que certamente lhes serão familiares. 

Portanto, e salvo opinião contrária, esta é uma oportunidade de ouro, que poderá – e deverá – anteceder outras, caso sejamos legitimamente ambiciosos e tenhamos em perspetiva que o Porto de Cruzeiros de Portimão se assume como uma privilegiada porta de saída e entrada para o Mediterrâneo, tanto mais que a rede atualmente a ser tecida por Rabat inclui o porto francês de Marselha e o italiano de Génova, entre outros ancoradouros de renome.  

Conseguem imaginar Portimão e o Algarve envolvidos nesta teia marítima? A verificar-se, e até ver, isto soa-me a música tocada por anjo em harpa.


Ingleses, para que vos quero?

Sob o pretexto da final da Champions League entre Chelsea e Manchester City, que o Governo português achou por bem acolher, os ingleses começaram a retornar – de forma algo abrupta e descoordenada – a terras onde se canta o fado e se come sardinhas à mão. 

E desde logo fizeram sentir o seu peso, tanto ao nível económico como nas atitudes de arrogância e desdém pelo alheio, dois fatores profundamente interligados, seja por defeito ou feitio dos súbditos de sua majestade. 

Cá pelos algarves, e desde as últimas semanas de maio, é ver chegar vagas de ‘tourists’, muitos deles cumpridores das regras de sanidade pública em vigor devido à atual pandemia, embora se rejeitem demasiadas infrações ao nível do incumprimento das mais elementares regras de higiene e distanciamento social, porque há gente que acredita estar numa terra sem rei nem roque. 

As portas foram-lhes escancaradas e as libras tudo pagam, julgam eles, mal-habituados a estratégias de acolhimento e campanhas promocionais subservientes, seja em Portugal, seja na Grécia, Espanha, Itália, Turquia ou noutros países de pendor turístico considerados mais limítrofes. 

Note-se que não meto no mesmo saco os outros britânicos (galeses, irlandeses e escoceses), pois o seu comportamento padrão nada tem a ver com os truculentos dominadores da Velha Albion. 

Entretanto, temos esfregando as mãos de contentamento as agências de viagens, as companhias aéreas, as rent-a-car, a restauração e – sobretudo – a indústria hoteleira, que registou aumentos de reservas na ordem dos 600 por cento no decurso das últimas semanas. Mas contenha-se este entusiasmo, pois tamanha percentagem é aferida em comparação com o movimento anterior… que era pouco mais que nenhum. 

Na verdade, bastará uma ligeira centelha, como por exemplo um qualquer problema originado pelos excessos dos turistas ingleses ou o simples agravamento dos números relativos aos casos de Covid-19, e tudo se esfumaça. 

Espero sinceramente que tenhamos um Verão em cheio e que a região algarvia volte a receber ondas de turistas vindos dos habituais países clientes, com tudo a correr pelo melhor, de maneira a que a economia local absorva a plenos pulmões esta lufada de ar fresco para os seus cofres, a bem da saúde financeira das empresas (não só turísticas) e da estabilidade dos postos de trabalho que geram. 

Mas… há que disciplinar os indisciplinados, preferencialmente através de ações e campanhas pedagógicas, para que uns quantos tresloucados (na maior parte dos casos inebriados pelo excesso do consumo de álcool) não prejudiquem as merecidas férias de todos aqueles que por cá procuram, prazerosos, a nossa hospitalidade de primeira, desfrutando a natureza de sonho, a gastronomia deliciosa e as condições turísticas “do very best”. 

Competirá às autoridades, nacionais e regionais, prevenir antes de remediar.


Impacto desproporcional

Acreditem que eu bem queria abordar um tema menos constrangedor, supérfluo até, a ver se dispersava as nuvens negras que pairam sobre nós. Mas não dá. 

Portanto, é com assumida resignação que volto ao tema recorrente dos malefícios que a atual pandemia trouxe à região algarvia, não apenas em termos pessoais, mas sobretudo no âmbito económico, e dos quais tardaremos a recuperar. 

Embora não tenha sido novidade para ninguém, certo é que um recente estudo do Observatório das Desigualdades concluiu que o Algarve é a região do país onde a pandemia está a ter um “impacto absolutamente desproporcional” e apresenta o maior aumento homólogo do desemprego. 

De referir que o Observatório é uma estrutura independente, constituída no quadro do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. O estudo, intitulado “Desemprego em 2020 - Impactos da Pandemia, Mapeamentos e Reflexões”, verificou “a inversão da trajetória de descida sustentada do desemprego, que vinha acontecendo desde 2012”, baixando regularmente de 710.652 pessoas oito anos antes, para 297.931 em janeiro de 2020. Contudo, “um repentino recrudescimento, mais notório a partir de abril do ano passado e que coincide com as primeiras medidas de confinamento, inverteu esta tendência”, colocando o total de desempregados registados em 375.150 no mês de dezembro. 

Os designados “desempregados imediatos”, que não beneficiaram do `layoff` simplificado, entre outras medidas indiretas de apoio ao emprego, foram sobretudo “trabalhadores mais precários, informais, trabalhadores independentes, falsos recibos verdes, em suma, gente vulnerável com vínculos contratuais frágeis ou simplesmente inexistentes, aos quais se juntaram os que estavam em período experimental e não continuaram”. Ou seja, o que mais há por terras algarvias. 

Particularizando a análise, com foco na atividade económica concreta, os investigadores verificaram que os desempregados são provenientes sobretudo do alojamento, restauração e similares. E é aqui que mais nos toca. 

Segundo o relatório em causa, que analisou o mercado de trabalho em Portugal continental durante o ano de 2020, com base em dados do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, “o setor do turismo continua a ser largamente penalizado pela pandemia”, tendo os investigadores feito questão de salientar que no caso do Algarve “o fenómeno é ainda mais expressivo”. 

Avançam mesmo que na região “a pandemia está a ter um impacto absolutamente desproporcional, explicado em grande medida pelo facto de ser muito dependente da atividade turística”, salientando que os dados do desemprego registado são “inéditos”.  

Se dúvidas houvesse, aí estão as evidências plasmadas em números, …que demorarão bastante a ‘normalizar’. Acontecerá isso algum dia?  


Delação não premiada

  •         05/04/2021

Causaram indisfarçável mal-estar no setor turístico-hoteleiro as polémicas declarações de Elidérico Viegas, histórico presidente da AHETA - Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, segundo o qual as distinções internacionais que vêm premiando o país e a região algarvia nos últimos anos, enquanto destinos de eleição, teriam uma importância nula e subvertida, uma vez que vêm sendo negociadas com as entidades que as atribuem, a troco de avultadas quantias. 

E a polémica foi de tal monta que o próprio Elidérico optou por se demitir do cargo, que assumia ininterruptamente há mais de 25 anos, preferindo assim cortar pela raiz o coro de contestações vindas dos seus colegas de direção e de diversos quadrantes da atividade turística, a montante e a jusante. 

Porque vos trago este assunto, nada abonatório para a boa imagem do turismo nacional, especialmente o algarvio, despoletado precisamente quando o setor sofre os devastadores efeitos de um ano de quase total regressão, devido aos efeitos colaterais desta terrível pandemia? 

Precisamente porque Elidérico também criticou o plano de vacinação nacional contra a Covid-19, que considera aquém do desejado, o que prejudicará, no seu entender, uma imagem turística já de si bastante afetada por este longo e atípico período, cuja recuperação se afigura lenta e dolorosa. 

Em boa verdade, não sei se é verdadeira a denúncia relativa aos prémios alegadamente comprados, nem tão pouco se a planificação das vacinas estará assim tão atrasada e, caso esteja, se se trata de mera incapacidade organizativa das entidades competentes, sobre a qual em nada interferirá o contexto internacional relacionado com o rocambolesco processo de produção, homologação, aquisição, distribuição e confiança das benditas vacinas ao dispor. 

Caso se confirmem as duas críticas, ambas deverão merecer o mais cuidadoso e célere reparo que justificam, doa a quem doer.  

O que me faz espécie é entender se, no caso específico das placas e estatuetas – supostamente – a saldo, seria este o momento mais oportuno para levantar a lebre, ainda por cima sem a apresentação de quaisquer comprovativos? É esta a celeuma que o turismo mais precisa nesta altura do campeonato? Não haveria outras prioridades de fundo a debater, em prol do bem-estar do setor e de quantos nele trabalham e dele vivem? Alguém ficou a ganhar com tamanha revelação (ainda) não sustentada? Elidérico Viegas, ele mesmo, atirou ao lixo um desempenho de décadas, só porque sim? 

Em suma: isto foi para quê?


Preparando a imunidade de rebanho

  •         01/03/2021

Todos nós esperamos que este segundo confinamento geral seja o último e que a maldita Covid-19 esteja, pelo menos, devidamente controlada à custa de dezenas de vacinas e milhões de injeções.

Um ano de frustrantes padecimentos e duras limitações depois, é o mínimo que merecemos, após termos abdicado de tantas coisas boas que a vida nos poderia ter proporcionado.

Vamos, pois, desejar ardentemente que tudo não tenha passado de um longo pesadelo, malgrado os resultados nefastos que provocou. Mas… será que teremos condições de retomar o nosso quotidiano, sem duradouros resquícios deste mau momento?

Para além das sequelas com que os infetados terão de conviver, que efeitos esta pandemia deixará no dia a dia dos confinados e quarentenados? Que terapias deveremos adotar para tentarmos regressar à normalidade, reabilitando-nos dos tiques provocados por esta espécie de coma social, seja em termos físicos, seja nos meandros da mente?

Falo, naturalmente, de gestos banais e corriqueiros – entretanto demonizados – como apertar a mão de amigos e conhecidos sem exageros e com a devida intensidade, o mesmo sucedendo com os beijinhos da praxe, para não falar no ato de acender luzes e tocar campainhas à cotovelada ou de empurrar portas à joelhada.

Fundamental será, ainda, desmamarmos o inconsciente vício de lavar e relavar as mãos com álcool gel por tudo e por nada, sem esquecer que, na sequência do regresso físico aos nossos postos de emprego, essa coisa de ficar um bocadinho mais no remanso da cama, à conta do teletrabalho, vai ter os dias contados.

Outro aspeto que considero essencial relaciona-se com o instintivo tique que nos faz desviar das pessoas nos passeios, enquanto suspendemos a respiração, já de si tão inibida devido ao uso de máscara. Dupla, nalguns casos.

Por tudo isto e muito mais, que agora não me ocorre, sugiro-vos um intenso treino em casa visando recuperar as anteriores rotinas, antes que seja alcançada a imunidade de rebanho e decretado o desconfinamento integral.


Fragilidades democráticas

  •         03/02/2021

No meio do dilúvio de notícias de e sobre a Covid-19 com que temos sido inundados nos últimos tempos, pouca atenção sobra para outros assuntos – digamos – menos prioritários.

É natural, portanto, que tenha passado relativamente ao lado da opinião pública e dos comentadores de serviço (aqueles que sabem de tudo um pouco…) o facto de Portugal ter descido de categoria no Índice de Democracia elaborado anualmente pela revista “The Economist” e agora divulgado, deixando de ser um “país totalmente democrático” para regressar ao grupo dos regimes democráticos “com falhas”, um recuo que terá sido impulsionado pelas medidas restritivas impostas, justamente, pela atual pandemia. 

Segundo os autores do relatório em causa, alusivo a 2020 e cujo título se poderá traduzir para “Na saúde e na doença?”, Portugal e França surgem no mesmo patamar, com o mesmíssimo avanço e recuo: ambos os países tinham na edição anterior avançado para “país totalmente democrático” e perderam agora esta categoria, sendo os únicos na Europa Ocidental a registar tal regressão. 

Nos dois casos, as restrições impostas como forma de conter a propagação da Covid-19, nomeadamente os confinamentos gerais, o distanciamento social e várias outras medidas, explicam grande parte da queda de categoria. 

Entre diversos motivos que concorrem para essa quebra, figuram as categorias do processo eleitoral e pluralismo e das liberdades civis, ao passo que se mantêm inalterados os quesitos do funcionamento do governo, da participação política e da cultura política. 

Aqui chegado, permitam-me partilhar algumas perguntas retóricas sobre os resultados obtidos na região algarvia por um certo candidato às Presidenciais de janeiro último, declarado patrono de uma visão política pouco ou nada democrática. 

Como se poderão interpretar os 16,60 por cento dos votos expressos nas urnas de barlavento a sotavento a favor desse simpatizante de ideias fascizantes (mais de 26 mil dos 155 mil votantes na região, isto é, quase 58 por cento dos eleitores efetivos)? 

Será que os votantes, naturais e residentes, se revêm assim tanto nos conceitos populistas e antissistema propagandeados pelo candidato em causa, atirando às urtigas os direitos e liberdades fundamentais plasmados na Constituição da República Portuguesa de 1976?

Será que este resultado não deve preocupar os democratas, pois apenas se terá tratado de uma pontual manifestação de descontentamento face ao status quo? 

Ou será que as falhas democráticas apontadas no estudo que citei vão ser exploradas com cada vez maior sucesso nos próximos tempos, ao ponto de colocar em sério risco os chamados valores de Abril? 

O que vai acontecer nas Autárquicas deste ano e, sobretudo, nas próximas Legislativas? 

Que fenómeno político-social é este a que estamos a assistir e até onde irá? 


Vacinação inspiradora

  •         04/01/2021

São vários os dilemas e inúmeros os desafios que 2021 traz, qual deles o mais determinante para – pelo menos – nos mantermos à tona, (sobre)vivendo o melhor possível. 

Um deles, seguramente, tem relação direta com o flagelo pandémico que virou a nossa vida do avesso no ano findo: deveremos, ou não, tomar a vacina preventiva contra a Covid-19, qualquer uma que seja? 

Durante os primeiros meses de convívio com esta terrível realidade e seus dramáticos resultados, todo o mundo ansiava pela criação de um antídoto, de alguma panaceia, capaz de travar tão nefastos efeitos. 

Num caso nunca visto de união de esforços, públicos e privados, eis que começam a surgir vacinas e mais vacinas, testadas com resultados promissores, e o mundo respira de alívio. Afinal, há uma cura e essa cura fica disponível em tempo ‘record’. 

Contudo, assim como os indicadores de esperança dispararam nos últimos meses de 2020, também dispararam as dúvidas e incertezas quanto à real eficácia das propostas apresentadas por alguns dos mais conceituados laboratórios. 

Num ápice, o tema fraturante de conversa deixou de ser a eventualidade de uma solução para tão grave problema, mas se essa solução dá reais garantias de fiabilidade e segurança. 

Um dos principais argumentos utilizados pelos céticos tem a ver com a rapidez como todo o processo decorreu, após a descoberta do novo coronavírus. 

Antes, em circunstâncias normais, passavam-se vários anos até que as vacinas contra diversas doenças se revelassem efetivas e eficazes. Por isso, quando os cientistas começaram a trabalhar numa vacina para o SARS-CoV-2, ninguém arriscou datas, pois toda a gente tinha noção da morosidade do processo. 

Certo é que, menos de um ano depois, já foram vacinados milhares em todo o mundo e essa onda parece irreversível, por muitas novas estirpes que possam surgir. 

Portanto, e se alguma coisa de positivo se pode extrair deste fenómeno epidemiológico, independentemente do modo como o mesmo será ultrapassado, mais cedo ou mais tarde, é o ‘lobby’ positivo que criou, à escala global. 

De facto, e sem pretender influenciar o vosso soberano poder de decisão na “toma da pica”, porque não é isso que está aqui em causa, cumpre-me salientar um aspeto que considero exemplar: nunca, em nenhuma circunstância da História, houve uma união a este nível por parte dos seres-humanos na busca de uma solução comum, que a todos beneficie. 

Ora, numa terra que se caracteriza pela forma desgarrada como sempre lidou com os seus problemas (e estou falando do Algarve…) não representará todo este processo um paradigma inspirador, à escala regional, para todas as áreas da nossa sociedade, tão carenciada de sinergias? 


Comer para (sobre)viver

Até onde a minha memória gustativa vai, lá para os três ou quatro anos de idade, venho-me alimentando (deliciado) com os ricos sabores da culinária algarvia, tão salutarmente influenciada pela dieta mediterrânica. 

Sendo daqueles que come para viver e não que vive para comer, nem por isso deixo de apreciar uns carapaus alimados, umas sardinhas assadas, umas papas de berbigão, uma salada de choco em sua tinta, uma caldeirada com o peixe da ocasião, uns búzios com feijão, uns guisados de grão e tantas e tantas especialidades típicas, que conjugam o que de melhor a terra e o mar nos proporcionam. Tudo bem acompanhado, claro está, com as pingas sulistas, de tinto e branco, trabalhadas pelo generoso sol, rematando cada refeição com uma bolinha de figo e amêndoa ou um doce fino, a que o cálice de medronho dá um toque especial. 

Ao longo destes anos – bem mais de meio século – fui experimentando casas tradicionais, das quais me tenho feito cliente habitual, pois preservam os sabores e saberes algarvios, passados de geração em geração. 

Por norma, são espaços rústicos, onde impera o asseio e as regras de acondicionamento e higienização alimentar impostas pelas autoridades do ramo, apanágio desses recantos de bem comer. 

De repente, com a intromissão descarada desta malfadada pandemia no nosso quotidiano, fiquei privado de os frequentar quando e como quero. 

E quem fala nestes paraísos dos petiscos, fala em alguns milhares de restaurantes e afins que, de barlavento a sotavento, lá vão sobrevivendo por entre restrições, limitações e castrações que lhes tolhem a faturação e indiciam o encerramento de portas, mais dia menos dia. Como já sucedeu demasiadas vezes. 

Nesta região tão dependente do turismo, é toda uma atividade empresarial a desmoronar, arrastando consigo largos milhares de postos de trabalho, dos quais dependem incontáveis agregados familiares. 

Perante esta crise sem fim à vista, e face a um futuro próximo que se afigura cada vez mais angustiante, empresários houve que chegaram a fazer greve de fome, exigindo objetivas medidas de apoio por parte do Estado. 

Mas... e nós, clientes (mais ou menos) assíduos? Mas… e nós, algarvios (mais ou menos) preocupados com este cenário, um de tantos outros que atingem de chofre a mono indústria turística que, para o bem e para o mal, é locomotiva económica do Algarve?  

O que fazer, para além de cumprirmos regras tão patéticas como passar o umbral da porta de máscara na cara, retirando-a logo a seguir, de nos sentarmos mesa sim, mesa não, de frequentarmos os restaurantes e similares das tantas às tantas, em determinados dias da semana, como se o coronavírus, nesses momentos, metesse folga? 

Porque estas questões me assaltam e incomodam, ao ponto de sentir necessidade de as partilhar convosco, pergunto: como poderemos contribuir para que a restauração continue a operar, mantendo a qualidade do serviço e o mapa de pessoal? 

Aceitam-se sugestões.

2-12-2020


Travagem a fundo

Aquilo que se passou recentemente no Autódromo Internacional do Algarve, durante o GP de Portugal em Fórmula 1, não se pode repetir, garantiu António Costa, alto e bom som, em frente a dezenas de microfones e câmaras de registo de imagem. 

“Aquilo”, esclareça-se, terão sido as atitudes irrefletidas de alguns milhares de espetadores, que não se revelaram minimamente preocupados com o vertiginoso recrudescimento de casos de covid-19 que assola a Europa e do qual Portugal não escapa. 

Atitudes irrefletidas essas não controladas ‒ e muito menos corrigidas ‒ pelas autoridades ditas competentes, cujo dever e missão seria impedir atos de displicência e leviandade. 

Mas quem ouviu o nosso Primeiro ficou com a sensação que o raspanete público se dirigiu especificamente aos responsáveis da Parkalgarve,… que não se pouparam a esforços para trazer de volta até nós a mais mediática competição do desporto automóvel, concentrando os holofotes do mundo (por alguns dias) no Sítio do Escampadinho, freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, distrito de Faro. 

É um facto que, em circunstâncias ‘normais’, nem tão cedo teríamos o regresso da Fórmula 1 a este jardim plantado no extremo ocidental da Europa. Mas, convenhamos, não foi nada fácil convencer os decisores da FIA a considerarem a vinda do circo aos antípodas do Velho Continente. 

E, se existem sérios reparos a fazer no que toca aos aspetos organizacionais, muito por força desta malfadada pandemia, certo é que a nível desportivo a espetacular pista do Autódromo Internacional do Algarve passou com distinção. Quem o diz são os pilotos e os responsáveis pelas escuderias em prova. 

Contudo, e não obstante, a reprimenda que serve como ponto de partida a esta minha despretensiosa crónica terá funcionado assim como um insensato tiro nos pés, ou uma imprudente travagem a fundo, que em nada abonará para um eventual regresso da Fórmula 1 a Portugal, pelo menos nos próximos tempos. É que a repercussão da coisa foi grande lá por fora…! 

Creio que há outras formas mais eficazes e menos espalhafatosas de apurar responsabilidades e afinar a máquina ‒ sem a hipotecar ‒, caso a perspetiva seja mesmo tirar partido de uma das mais bem-dotadas infraestruturas desportivas do país.  

Quanto mais não seja, a bem da economia nacional, regional e local, principal argumento invocado pelos nossos governantes para darem luz verde à prova e investirem balúrdios no projeto.

2-11-2020


Areias, para que vos quero?

Na minha atividade jornalística, pelo menos desde meados da década de 1980 que tenho escrito sobre a importância estratégica do desassoreamento do Rio Arade, que desce da zona de Silves até Portimão. 

Via fluvial de grande importância ao longo de séculos, foi perdendo significado à medida que o irreversível assoreamento, fruto de condições naturais e por força da influência humana, tomou conta do cada vez menor caudal das suas águas. 

Em particular, as obras de dragagem da foz do Arade são uma promessa governamental com mais de 20 anos, entre avanços e recuos… no papel. Com efeito, estudos é coisa que não falta, faltando – sim – ao erário público os milhares e milhares de euros já gastos com os ditos cujos.  

O tempo passa e o assoreamento progressivo do rio leva a que seja cada vez mais difícil navegar até Silves durante a maré alta. Vem-se perdendo, assim, o potencial turístico e ambiental deste percurso fluvial de inegável beleza. 

Mas não é propriamente o desassoreamento do Arade que abordo neste texto, antes a suspensão do projeto relativo à ampliação da barra de manobras para os navios de cruzeiros que demandam o Porto de Portimão, privilegiada escala atlântica de e para o Mediterrâneo. 

Intervenção da responsabilidade da Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS), o plano contempla, entre outras medidas, a remoção total de cerca de 4 630 000 metros cúbicos de materiais arenosos e outros materiais detríticos, o que permitirá a amarração de dois navios em simultâneo, fruto de um melhor aproveitamento do espaço disponível. Para tanto, serão necessárias dragagens do canal de acesso e da bacia de rotação, pensando em navios com até 334 metros, num investimento global de 17,5 milhões de euros.  

… Estava tudo prestes a avançar, eis que vozes contestatárias se opuseram ao depósito de parte das referidas areias em zonas afetas à freguesia de Ferragudo, no concelho fronteiriço de Lagoa, sob o argumento que, uma vez que o grande beneficiado vai ser o município de Portimão, a Portimão competirá receber esses milhares de metros cúbicos de areal. 

Num exemplo raro no nosso país, as entidades ditas responsáveis atenderam – aparentemente – a essa reclamação, tendo a CAIA - Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental (criada para o efeito) emitido um parecer desfavorável à coisa, dirigido à Agência Portuguesa de Ambiente. O relatório da CAIA alega a existência de diversas “lacunas” e “situações pouco definidas e sem qualquer avaliação concreta ou sustentada” no Estudo de Impacte Ambiental promovido pela APS, nomeadamente em termos dos efeitos que a deposição de areias poderá ter nos locais previstos. 

No momento em que redijo estas linhas, decorre o período para eventuais alegações da APS e só depois a APA divulgará a Declaração de Impacte Ambiental correspondente a este caso que, na minha modesta opinião, se tornou num braço de ferro entre os interesses económico-turísticos e a defesa do ecossistema local, notando eu, em ambas as frentes, motivações pouco confessáveis.

Mas isso é outra conversa.

4-10-2020


Futuro devoluto

Qualquer um de nós pode confirmar, se é que ainda não teve noção do fenómeno, o elevado número de habitações devolutas existentes nos principais centros urbanos do Algarve, na esmagadora maioria em mau estado de conservação.

Qualquer um de nós também pode aferir, se é que nunca passou pela traumática experiência, como a demanda por uma casa para arrendar constitui uma exasperante busca de agulha em palheiro, principalmente por jovens casais no início da vida a dois.

Talvez devido à atual conjuntura, está a verificar-se um pouco por toda a região um curioso fenómeno; o regresso de jovens que aqui pretendem constituir família e alicerçar futuro junto dos seus, depois de terem feito formação académica e/ou tentado emprego nos principais centros urbanos do país.

Assim de repente, e nos últimos dias, soube de 4 ou 5 casos… e das imensas dificuldades que estão a ter para conseguirem um lar dentro das suas possibilidades financeiras, evitando logo à partida um compromisso bancário para toda a vida, que lhes impõe implacavelmente uma disponibilidade monetária, na ordem dos 5 por cento do custo final (mais alcavalas), que muitos não têm.

Porém, face ao paupérrimo cenário dos alugueres disponíveis, só lhes resta “meterem-se com os bancos” a contragosto, pois a alternativa impõe-lhes condições verdadeiramente obscenas.

Na verdade, havendo tantos imóveis fechados a sete trancas e tão escassa oferta, a procura é confrontada com um ror de ilicitudes e imoralidades que se confundem entre si, desde rendas surreais face à qualidade medíocre dos habitáculos, até à exigência de várias cauções, tudo sem contratos e, como tal, sem recibos ou controle legal.

Para piorar ainda mais, grande parte das casas apenas está disponível entre outubro e maio, porque os proprietários não abdicam de faturar à tripa-forra durante os meses da chamada “época alta”.

Sem entrar em mais detalhes, pois o espaço escasseia, considero uma lástima a não existência efetiva – repito, efetiva – de um programa, ou plano, ou projeto, que estimule estes jovens algarvios a regressarem às origens e, como tal, a contribuírem para o bem-estar de todos nós com o seu potencial.

Como se compreende, o problema não passará só pela habitação, mas dela depende muito, já que é extremamente desolador querer voltar para junto dos seus e esbarrar com este panorama.

Para reflexão por quem de direito.

1-09-2020


Vem aí o circo da Fórmula 1

O país rejubilou com a notícia do regresso da Fórmula 1, após 24 anos de interregno, para uma corrida a disputar-se na magnifica pista do Autódromo Internacional do Algarve em 25 de outubro próximo. 

Se não houver percalços até lá, o poderoso mundo automóvel vai estar de olhos postos no Sítio do Escampadinho, freguesia da Mexilhoeira Grande, a poucos quilómetros da cidade turística de Portimão… e com público nas bancadas. 

Muitos já consideram aquela como uma das maiores datas históricas do desporto motorizado português, para o que terá concorrido a vontade e os esforços de diversas entidades locais, regionais e nacionais, podendo este projeto, que começou a ganhar corpo há poucos meses, servir de paradigma para outros cometimentos lusos de amplitude internacional. 

Contudo, creio que não se deveria embandeirar tanto em arco com esta vitória relativa, pois convém ter presente que a mesma jamais ocorreria – pelo menos nos próximos tempos – caso não atravessássemos uma pandemia que tudo tem pervertido à sua volta. 

É que os inegáveis dividendos que o retorno da Fórmula 1 ao nosso país poderão trazer, na ordem dos 300 milhões de euros segundo estimativas reservadas, estão ameaçadas pela guilhotina de um novo surto de Covid-19, que alguns especialistas da área da saúde receiam possa ocorrer com o advento do outono e, portanto, da época das viroses gripais e afins. 

Mais apreensivo fico sabendo que este novo Coronavírus, que tantas mortes causou e transtornos sociais provocou, é de uma imprevisibilidade exasperante, reinventando-se como poucos, para mal dos nossos pecados. 

Portanto, reconhecendo que o anúncio da realização no Algarve da prova maior do desporto motorizado deixa-nos a todos de peito inchado e faz muito bem à nossa auto estima, devo chamar a atenção para uma eventual reviravolta, caso os indicadores de controle da pandemia na região (e em Portugal) se revelem até lá inseguros e, como tal, insustentáveis. 

As autoridades regionais têm sabido dar uma eficaz resposta a este problema sanitário, graças ao empenho e competência dos profissionais de saúde e demais envolvidos, proporcionando as garantias de segurança que nos permitirão receber esta espécie de medalha de ouro do desporto mundial. 

A promoção global da prova e, por tabela, do destino turístico algarvio, é algo não quantificável, já que permitirá atingir os quatro cantos do planeta automóvel e mostrar todas as nossas qualidades, da hotelaria de excelência à saborosa gastronomia, das praias magníficas e do deslumbrante interior, ao património histórico-cultural e às marinas que salpicam a costa.  

Por isso, os responsáveis pela empreitada querem que esta não seja uma mera prova de substituição e se consolide no circo da Fórmula 1, constituindo um importante balão para as empresas da região, ao gerar uma forte dinâmica económico-financeira. 

Mas atenção: todos nós deveremos contribuir para que os índices de segurança sanitária sejam o mais elevados possível, quer para que o sonho de trazer a Fórmula 1 para o Algarve se concretize a 25 de outubro e se repita nos anos vindouros, quer – já agora – para o nosso próprio bem-estar.

5-08-2020


Amigos da onça

Se dúvidas houvesse que o turismo algarvio – e, como tal, a região no seu todo – está a atravessar um nefasto período, de reflexos bastante reservados e de longa duração, a decisão do Governo inglês de excluir Portugal dos "corredores de viagem internacionais" constituiu violenta machadada.

A resolução de Londres de nos banir da lista de destinos turísticos que permitem aos britânicos passarem férias sem cumprir quarentena no regresso, terá consequências muito graves no futuro próximo desta região, uma vez que só esse mercado representa cerca de 60 por cento dos turistas que nos visitam.

Não consigo vislumbrar uma razão clara e objetiva para esta decisão, tanto mais que Espanha, França ou Itália, por exemplo, fazem parte dessa ‘lista dourada’, apesar de serem os países mais afetados no continente europeu, quer em número de casos de covid-19 quer em número de mortes, logo atrás – recorde-se – da Inglaterra.

É que no Algarve temos menos de 650 casos acumulados para cerca de 500 mil residentes, o que representa, em termos de confirmações de coronavírus, uma percentagem pouco superior a 0,1 por cento de pessoas que foram ou estão infetadas com a covid-19.

Portanto, é com um sentimento de incompreensão e de injustiça que vejo países com indicadores muito inferiores a Portugal, como é o caso do número de testes por milhão de habitantes, serem considerados destinos seguros, sem obrigatoriedade de quarentena. Para mim, e em circunstâncias puras e normais, não faz o menor sentido.

Sei, entretanto, que esta decisão não influenciará os muitos turistas oriundos das terras de sua majestade que conhecem as qualidades inerentes ao Algarve e que sabem que nesta região a covid-19 está perfeitamente controlada.

Também sei que os milhares de residentes ingleses a viverem na região estão a passar a mensagem aos seus conterrâneos, desmistificando uma imagem preconceituosa, que Boris Johnson e seus pares acabaram por transmitir com a sua despropositada deliberação.

Os problemas que atravessamos são muito difíceis, pelo que é essencial que a União Europeia pós-Brexit trabalhe em conjunto, definindo estratégias comuns nos níveis nacional, regional e local, para a reabertura de fronteiras, restabelecendo um dos pilares da construção europeia: a livre circulação de pessoas e mercadorias, desde que tomadas as medidas de cumprimento das regras de circulação, de convivência e de distância segura entre as pessoas.

Como está a suceder no Algarve. cuja indústria turística representa 4,6 por cento do PIB português, estando 87 por cento do emprego gerado na região relacionado diretamente com este setor.

… Ah, e esqueçam lá isso da “mais antiga aliança do mundo ainda em vigor”.

8-07-2020


Invasão estival?

Num dos primeiros atos públicos que assisti após o período de confinamento social, causou uma indisfarçada onda de surpresa nos presentes a revelação, feita por uma figura proeminente do poder local algarvio, que os empresários turísticos e concessionários de praia do seu concelho esfregam as mãos de contentes, perspetivando um Verão em cheio.
Não obstante, e apesar de tudo.
Ao que parece, essas perspetivas auspiciosas e otimistas – exageradas…? – teriam sido partilhadas durante uma reunião de trabalho em que, precisamente, os agentes turísticos foram sensibilizados para as rigorosas medidas higiénicas que a atual conjuntura, ainda pandémica, recomenda.
Pessoalmente, não tenho dados, nem para surfar nessa boa onda, nem para ficar no areal, apreensivo, se bem que me incline mais para esta última postura.
Mas uma coisa é certa: o Algarve no seu todo, das entidades públicas aos privados, dos organismos de saúde e proteção civil ao cidadão comum, teve uma atitude exemplar desde a primeira hora desta crise epidemiológica… que ainda está longe de sanada.
E não esqueçamos que foi aqui que o coronavírus deu os primeiros sinais de também não poupar o nosso país.
Seja como for, e passados três longos meses, o Algarve figura, de pleno direito, no mapa europeu das regiões turísticas mais seguras, o que explicará a forte procura por quem quer fazer férias na região. Isso resulta, não duvido, da capacidade de resposta de todos nós, algarvios, a esta crise que ninguém esperava, nem nos piores pesadelos.
Tenhamos sempre presente que há duas áreas fundamentais para a atração de turistas: a segurança e a saúde, pois enquanto dependermos exclusivamente da monocultura do turismo, estas terão de ser as nossas prioridades.
É que quando o setor espirrar e apanhar uma gripe, essa virose minará a economia regional e afetar-nos-á sem dó nem piedade.

2-06-2020


Todos por um

Com o regresso da nossa vida à normalidade possível, muitos já perceberam que as coisas não vão ser como eram, por variados motivos que não vale a pena referir, de tão escalpelizados vêm sendo pelos especialistas de ocasião.

Em particular no que toca à monocultura do turismo, os responsáveis do setor e o tecido empresarial terão que se adaptar profundamente, repensando estratégias para minimizar prejuízos e, à luz da nova realidade, rentabilizar o potencial regional que – no fim de contas – não se perdeu nem um pouco e continua por aí.

Quero, contudo, abordar outra vertente, porventura menos focada, mas que para mim representa, talvez, um dos mais enriquecedores legados desta crise social que – ainda – estamos a viver.

O meu realce vai, então, para a forma ágil e acertada como as entidades regionais, nomeadamente o poder autárquico e as estruturas de saúde, proteção civil e segurança pública, enfrentaram a questão em tão curto espaço de tempo, antecipando as melhores respostas para os piores cenários.

Não tenhamos dúvidas que as medidas tomadas nos primeiros dias foram determinantes para o evoluir favorável do problema.

Em complemento, quero também enaltecer o comportamento dos algarvios, que perceberam o que estava em causa e assumiram os sacrifícios pedidos, em prol do bem comum. Cidadãos, empresários, movimento associativo, toda a gente demonstrou um imprescindível sentido de responsabilidade, enquanto o voluntariado assumiu um papel relevante, em diversas áreas consideradas fulcrais.

Todo esse comportamento contribuiu para que o malfadado vírus não se propagasse descontroladamente na comunidade.

Sobre a mudança de comportamentos que, fatalmente, se verificará, é natural que assistamos nos próximos tempos a um esfriamento nos relacionamentos e a um distanciamento interpares.

Mas creio que essa postura mudará gradualmente e, quando tudo isto não passar de ténues memórias, voltará ao de cima a nossa costela latina, pois a entreajuda, que nos une muito para além de todas e quaisquer diferenças, essa, estará sempre presente.

Faz parte do nosso ADN.

6-05-2020


Não fazer nada é uma ciência

Desconheço como estão passando o vosso tempo de auto quarentena.
Pois eu cá devo confessar que já não sei o que mais fazer, após duas semanas enclausurado em casa. Ou serão três...?
A sensação marcante por estes dias é que estou a ficar cada vez mais pírulas e, por isso, imploro-vos dicas, para além da minha rotina, que - grosso modo - gira em torno do seguinte teletrabalho:
13h00 – 02h00: Acompanhar na tv os noticiários que dão conta de como o mundo anda às voltas com a pandemia da Covid-19;
02h00 – 04h45: Maratona de programas americanos idiotas sobre adolescentes grávidas e jovens que são surpreendidos pelos pais em farras e festarolas tresloucadas;
04h45 – 07h00: Emissões culinárias de todo o mundo, para captar sugestões para os petiscos do dia;
07h00 – 13h00: Descansar os olhos e o cérebro de tantas baboseiras.

Ocasionalmente, circulo pela casa atrás de uma mosca ou um mosquito que teve a infeliz (e derradeira) ideia de entrar pela janela. Modéstia à parte, estou-me a tornar um caçador implacável, fruto da experiência que vou adquirindo.

A nível cultural, e assim de memória, já esgotei o repertório de músicas do Zeca Afonso, dos Xutos & Pontapés, do Marco Paulo, da Maria Leal e do Salvador Sobral (entre tantos outros), ao mesmo tempo que li de trás para a frente a Encyclopædia Britannica e todas as obras do Fernando Pessoa e seus heterónimos.
Também conto com alguma regularidade as folhas dos rolos de papel higiénico que consegui arrecadar antes do Grande Açambarcamento, se bem que esta atividade dure menos tempo a cada dia que passa, devido à redução das unidades, pois das 435 iniciais sobram 396 no momento em que vos escrevo.
Na vertente gastronómica, estou-me a tornar um requintado ‘chef’ no que toca à confeção de entaladinhos de todo o género e até já sei estrelar ovos e fazer gelo.
Em compensação, e para adiar o máximo possível a obesidade galopante que me vem incomodando há algum tempo, pratico – religiosamente - 5 minutos diários de exercícios de meditação na balança da Wii, o que também me ajuda a manter alguma sanidade mental e dá trabalho aos neurónios sobreviventes… embora reconheça que os efeitos comecem a ser algo duvidosos.
E digo isto porquê? Porque vou gradualmente manifestando certas atitudes excêntricas – batizei todos os sofás da sala com apelidos condizentes ao conforto que me proporcionam: ‘nuvenzinha’; ‘duro como a porra’; ‘pés de fora’.
Outra atitude bizarra para preencher o dia é telefonar para toda a gente que consta na lista do meu telemóvel, a ver se alguém atende e troca umas ideias comigo. Curiosamente, já restabeleci contacto com uns 4 ou 5 familiares e conhecidos, dos quais não tinha notícias há anos e anos.
Enfim, não fazer nada de jeito é uma ciência e dá MUUUUITO trabalho.
Bastante mais poderia escrever, mas creio que já entenderam o meu dilema.
Na verdade, o tédio vai-me esgotando as ideias e por isso recorro a todos vós, a ver se contribuem com dicas que refresquem o meu monótono quotidiano, até que vida regresse à – suposta – normalidade...
Venham de lá essas propostas!

2-04-2020


Coincidências pandémicas

Seria inevitável abordar esta escalada pandémica à escala global, conhecida por coronavírus ou covid-19. Quer queiramos quer não, vai-nos afetar a todos e a única dúvida que resta é saber até que ponto.
Conheço pessoas que, no preciso momento em que escrevo estas apressadas linhas, estão esvaziando avidamente as prateleiras dos supermercados, prevenindo a eventual carestia de produtos básicos, sobretudo alimentares.
Há mesmo aqueles que preparam planos de contingência para toda a família, reforçando o armário farmacêutico lá de casa com toda a sorte de medicamentos antigripais e afins.
Outros fazem contas de sumir, procurando antecipar os cenários mais negros para os seus negócios e/ou poupanças, face às expetativas de uma recessão económica com grande amplitude.
E também sei dos que cancelaram ou adiaram ‘sine die’ as suas viagens de férias, salvaguardando-se de hipotéticas contaminações fora de portas.
E é aqui que pretendo chegar nesta despretensiosa crónica.
O Algarve, esta nossa região tão dependente da monocultura do turismo e na qual o setor da saúde tem sofrido um inqualificável desinvestimento por parte do Poder Central, vai sentir a todos os níveis, de barlavento a sotavento, os efeitos deste devastador fenómeno, cujas ondas de choque se propagarão – fatalmente – por tempo indeterminado.
Na melhor das hipóteses, a temporada turística de 2020 ficará seriamente comprometida, pois o cancelamento de reservas começa a ser comum, sobretudo à medida que as unidades hoteleiras que fecharam na chamada ‘época baixa’ começam a reabrir portas.
E escrevo isto ciente de vários casos em que a retoma de atividade está sendo sinónimo da anulação de serviços previamente contratualizados.
Receio que estes dados se avolumem nas próximas semanas e que a época pascal, habitualmente encarada como o ponto de partida para a temporada turística, já reflita uma acentuada quebra de clientes… e receitas.

Ironia da História, ou talvez não, há exatamente cem anos o mundo estava a braços com a mãe de todas as pandemias, causada pelo vírus influenza e popularmente conhecida entre nós como Gripe Espanhola ou Pneumónica. O vírus mais mortal de que há memória ceifou mais de 50 milhões de vidas, numa época em que o conceito de viajar ainda era insípido.
Salvo as devidas proporções, há coincidências levadas da breca.

28-02-2020


Descentralizar ou lavar as mãos?

Teve lugar há dias uma reunião entre membros do Governo e os autarcas algarvios, para falarem sobre o processo da descentralização que se avizinha e que – tudo o indica – agora é que vai ser.

Trocaram-se ideias, fizeram-se balanços, traçaram-se cenários e colocaram-se na mesa as necessidades que os nossos representantes concelhios entendem deverão ser acauteladas para que a coisa avance mesmo e não faça mossas aos erários municipais, muitos deles parcos e que mal dão para pagar as despesas correntes.

A ideia que encorpa a medida até parece ser porreira e tal, isto é, o poder local passará a ter ferramentas para acudir no imediato, sem pedir licença prévia à capital, a questões prementes em áreas tão importantes para a nossa qualidade de vida como são a saúde ou a educação, as vias de comunicação ou o património devoluto.

A dúvida que me assalta é se este trabalho colaborativo e de proximidade entre o Estado Central e o Poder Local, agora iniciado, será um justo esgrimir de posições e um sensato leque de consensos, ou se não passará da mera passagem de batatas quentes de uns para os outros, numa cínica lavagem de mãos à moda de Pilatos.

São inquestionáveis os desafios colocados pelo processo descentralizador, tendo em vista a transferência de competências. Por isso mesmo, no final do encontro de trabalho os edis algarvios expressaram compreensíveis dúvidas, receando que o processo não venha a sobrecarregar os orçamentos de cada município, até porque existem diferentes possibilidades financeiras, diferentes dificuldades e diferentes velocidades na implantação do mesmo.

É que há muitas portarias para rever e corrigir e inúmeras medidas a tomar, no sentido de se agilizar essa bendita descentralização, criando as condições financeiras, operacionais, de recursos humanos e materiais que permitam - já no próximo ano - a assunção plena pelos Municípios de todas as novas competências que o Estado lhes pretende impingir.

31-01-2020


Míngua de Água

Depois das espalhafatosamente consumistas boas vindas ao Ano Novo, nas quais explodiram no ar milhões de euros em foguetórios e afins, eis que tudo volta à rotina de todos os dias, que neste bissexto 2020 serão 366. A vida regressa à “normalidade” para mais um período temporal de 12 meses, o qual só se deveria iniciar em março, caso o ser humano respeitasse o ciclo da Natureza, como era suposto.
Contudo – bem o sabemos – Homem e Ambiente andam de candeias às avessas, muito por culpa do primeiro, que usa e abusa do segundo a seu bel-prazer. Receio que até às últimas consequências.
Vem isto a propósito das perspetivas para a região algarvia ao longo do ano agora iniciado, que deverá agravar o estado de seca severa, caso as desoladoras previsões climatéricas para os próximos meses se confirmem.
Escassas reservas de água nas barragens, capacidade limitada de retenção de humidade em solos bastante fustigados pelos incêndios dos últimos anos, inexorável processo de desertificação, aquecimento global das temperaturas… Enfim, o cenário não se me afigura nada promissor, muito pelo contrário.
Entretanto, janeiro mal começou, o que me leva a acreditar que os ditos responsáveis pelas entidades ditas competentes estejam desde já a estudar planos de contingência, a salvaguardar eventuais constrangimentos, a garantir a qualidade de vida possível para residentes e visitantes.
...Sou um incorrigível otimista, eu…!

02-01-2020


Malfadada macrocefalia

Parece que a partir do próximo ano o Algarve – através do Porto de Cruzeiros de Portimão – deixará de se ligar por ferry ao Funchal, muito por força da malfadada macrocefalia, que tanto continuar a prejudicar este país no seu todo.

E se pensam que a carreira marítima entre a região e a pérola do Atlântico é coisa de somenos importância, atentem neste dado: nas viagens realizadas em 2018 foram contabilizados 10.424 passageiros e 2.300 veículos automóveis transportados.

Infelizmente, este raro exemplo de descentralização tem os dias contados, pois tudo indica que a partir de 2020 o armador espanhol Naviera Armas vai iniciar as suas operações a partir de Lisboa.

De resto, o porto da capital desta república irremediavelmente centralizadora já está a criar condições para açambarcar a carreira, que passa pelas Ilhas Canárias.

O Governo avaliou a sustentabilidade financeira da ligação, nomeadamente ao nível dos subsídios que a suportam, dando ouvidos às vozes insulares que têm manifestado preferência pela opção lisboeta, em detrimento de uma cidade algarvia – Portimão – cujos interesses, na verdade, sempre foram bastante desacompanhados neste processo.

Para piorar o cenário, deixaram-se cair os prazos para a intervenção na melhoria das condições de acessibilidade e infraestruturas marítimas do porto de cruzeiros portimonense, cujas obras deveriam arrancar este ano.

O que temos, então, perante nós? Nada mais que outro exemplo de investimento público anunciado para a região e que tarda em ser concretizado, não obstante o enorme potencial económico deste porto de cruzeiros, ancoradouro privilegiado de e para o Mediterrâneo.

O adiamento das obras e a perspetiva do desvio da rota Funchal-Continente para Lisboa, são tudo indicadores negativos, que não abonam a favor da sustentabilidade económica e social da região.

Pergunto eu: alguém por cá anda genuinamente preocupado com estes cenários? As sinergias locais unem forças e sintonizam baterias? Estão a ser dados passos para inverter a situação e fazer valer os argumentos de Portimão e do Algarve?

Tudo perguntas de retórica, pois o poder influenciador é praticamente nulo e lobby regional é coisa que o Algarve continua a não ter… e provavelmente nunca terá. Nesta ou em qualquer outra situação.

30-11-2019


Falência com estrondo
Fernando Vieira

A estrondosa falência do operador turístico britânico Thomas Cook, que há algumas semanas deixou meio mundo em estado de choque e a outra metade a fazer contas de sumir, nomeadamente algumas empresas do setor na região algarvia, fez-me recordar como esta indústria – de uma enorme importância para as economias regional e nacional – é tão instável e precária.

A bancarrota de uma entidade com 178 anos de atividade implica dívidas de valor muito elevado a algumas dezenas de credores, o que representa um impacto assinalável – principalmente – nas empresas de pequena e média dimensão.

Não quero dissecar o infeliz encerramento de portas de um autêntico monstro como era a Thomas Cook, detentora de mais de cem aviões e 200 hotéis. Escuso-me dissertar sobre o que aconteceu e o que era para ter acontecido, se houve ou não houve boa gestão de ativos e passivos.

O que me traz aqui é outra vertente da questão, que considero bem mais preocupante, pois muito provavelmente afetará a vida dos milhares e milhares que trabalham no e para o setor turístico.

Já não bastava o fenómeno da sazonalidade, que deixa a região de portas semifechadas de outubro a março, surge agora este gravíssimo rombo na contabilidade de algumas das maiores empresas do ramo, o que certamente terá repercussões na sua balança de pagamentos, nos seus projetos de negócio e, portanto, na sua capacidade empregadora.

Há anos e anos que leio e ouço ajuizados pensadores, teóricos da economia, sociólogos bem documentados e demais estudiosos alertando para este problema, pois hoje em dia a nossa bela região está a ser toda espremida, turisticamente falando, e nenhuma outra atividade industrial ou produto financeiro se afigura como alternativo. Acresce ainda o facto de o Algarve não ter qualquer peso político, apesar deste ser o primeiro destino turístico do país, representar 40 por das dormidas registadas em Portugal, e ter um contributo económico fortíssimo para os cofres do país.

Creio que a única forma de se combater a famigerada sazonalidade é atrair a fatia de mercado mais disponível para fazer férias “fora de horas”, que prefere pausas longas e que tem mais rendimento disponível para gastar: os chamados ‘seniores’.

Que quem de direito se debruce sobre esta dica, pois não paga mais por isso.  


Invasão brasuca
Fernando Vieira

É provável que tenham reparado no vosso dia-a-dia o aumento do Português com sotaque brasileiro, sobretudo nas filas dos supermercados.

Na verdade, há um forte surto de brasileiros, que na sua esmagadora maioria aqui procuram melhor qualidade de vida, nomeadamente em termos de segurança, saúde e educação.

Este fenómeno não é novo, pois há cerca de 20 anos o Algarve recebeu milhares de brasileiros, que por cá foram ficando até à eclosão da crise económica e social de 2008.

Mas esta onda de migrantes é claramente diferenciada da primeira, a qual estava nitidamente impreparada, e é estimulada por políticas governamentais, cuja lógica se prende com o envelhecimento da população portuguesa e a necessidade de sangue novo na sociedade local.

Os brasileiros de hoje estão, em grande medida, melhor preparados. Fizeram um planeamento tão aprofundado quanto possível, organizaram um pé-de-meia razoável para enfrentar os primeiros meses de procura de residência e trabalho e têm uma noção mais aproximada do que os espera.

No entanto, e por aquilo que vou percebendo em conversas com esses emigrantes, desconhecem praticamente a nossa cultura e julgam encontrar cá, apenas e só, um Brasil melhorado.

É que o brasileiro continua a ter dos portugueses uma imagem tacanha, resultado de décadas de anedotas de gosto duvidoso e totalmente descontextualizadas da realidade. Muitos acreditam que as portuguesas têm buços descomunais e que os portugueses são todos padeiros carrancudos. No imaginário do Brasil, o português diz a cada instante “Ora pois!”, por tudo e por nada.

Além disso, têm uma inesperada dificuldade em entender o genuíno português,… que eles alteraram, talvez com demasiada criatividade, no último século.

São anos e anos de costas ostensivamente voltadas para o país colonizador, desprezado em favor das grandes nações do momento, seja os Estados Unidos, seja a Inglaterra, a França ou até mesmo a Espanha.

Cá chegados, é a surpresa total, o deslumbramento indisfarçado: afinal o decrépito Portugal é um país moderno e muito organizado, os transportes públicos funcionam, as escolas estão bem apetrechadas, o Serviço Nacional de Saúde é um mimo, o país é lindo e, pasme-se, os portugueses são extremamente bem-educados e atenciosos. A segurança pública é das melhores do mundo, podendo o brasileiro andar à vontade com o seu celular a qualquer hora do dia ou da noite e fazer transações monetárias nas caixas multibanco a céu aberto, sem nenhum risco de assalto.

Mas, qual será o futuro imediato desta onda brasuca que nos escolheu para refazer as suas vidas, logo numa altura do ano em que a principal indústria empregadora, o turismo, tem uma elevada percentagem de empreendimentos fechados?

Haverá alojamentos, a preços justos, para tanta gente? E empregos?
Como serão os próximos meses desta gente, em muitos casos famílias com crianças de tenra idade?


Maré de E.coli
Fernando Vieira

Há dias, foi destaque noticioso de nível nacional a interdição de banhos na Praia do Alemão, ou mais corretamente na Praia do Barranco das Canas, no concelho de Portimão, devido à elevada presença da bactéria E.coli na água do mar.

A bactéria deu positivo na análise de uma amostra recolhida pela Agência Portuguesa do Ambiente, o que levou ao hastear da bandeira vermelha durante dois dias, salvaguardando-se assim o risco de os banhistas serem afetados por sintomas deveras constrangedores, como ataques incontroláveis de cólicas abdominais, enjoos e diarreias, muitas diarreias.

Dizem as más línguas que o problema se ficou a dever a uma descarga de dejetos sanitários no oceano, por obra e graça do proprietário de uma embarcação turística, vulgo iate, ancorada à vista da praia.

Em escassas semanas, este foi o segundo caso de presença da bactéria E.coli na costa algarvia, depois de uma situação idêntica verificada na Praia de Faro, e em ambos os casos a situação justificou grande alarido na comunicação social, que não perde uma oportunidade para falar do Algarve, geralmente pelos piores motivos, ignorando tantas e tantas vezes as coisas boas que acontecem nesta região.

Sei que há valores máximos permitidos por lei relativos à bactéria 'Escherichia coli', vulgarmente conhecida por E.coli.

Também sei que a legislação impõe uma contraordenação e coima entre os 55 e os 250 euros aos banhistas que desrespeitarem a sinalização e se fizerem ao mar, para além de arcarem com os sintomas inerentes à ingestão massiva de coliformes fecais.

Desconheço é o tipo de castigo aplicável ao eventual prevaricador que se terá estado positivamente a borrifar para as consequências do seu irrefletido acto, ficando o mesmo por identificar e punir, para efeitos pedagógicos e moralização do setor.

Ignoro igualmente se são sancionados os turistas da classe javardo que conspurcam as praias com todo o tipo de dejetos, desvalorizando assim os nossos areais, do mais fino e puro que possa existir no planeta Terra, mas que nesta altura do ano se transformam em campos minados por beatas, garrafas, latas, sacos e demais materiais não biodegradáveis, onde abunda o terrível microplástico.

Certo é que, mais uma vez, a região andou nas bocas do mundo e não pelos melhores motivos, mas simplesmente porque algum turista dos altos mares se terá marimbado para as mais elementares normas de respeito pela saúde pública e, como tal, cá vai disto ó Evaristo.

Esse mediatismo sensacionalista que tanto prejudica a imagem da região, sempre em busca de uma boa-má notícia, podia ter sido originado por mais de duas alforrecas a dar à costa simultaneamente e no mesmo local ou por uma natural invasão de algas à beira-mar, tratadas da forma mais alarmista possível…. Afinal, desta vez tudo não passou de uma questão de… biomassa borda fora.