Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

150 anos de arte impressionista

Para comemorar o aniversário do nascimento deste movimento fundamental na história da arte, o Museu d'Orsay desmistifica corajosamente o episódio fundador da primeira exposição em 1874. O resultado é uma melhor compreensão da irresistível modernidade de Monet e dos seus camaradas, ainda adorados pelo público, mas agora observados com atenção pelos pintores contemporâneos.

É difícil imaginar hoje, ao passar pelo grande edifício em construção no Boulevard des Capucines, que foi ali, na primavera de 1874, que teve lugar uma das maiores revoluções pictóricas do modernismo. É certo que pouco resta do antigo estúdio do célebre fotógrafo Nadar, onde, a partir de 15 de abril de 1874 e durante três semanas, Monet, Renoir, Degas, Morisot, Pissarro, Cézanne e Sisley, entre outros artistas menos conhecidos, escolheram expor as suas obras em conjunto como um ato de resistência e de independência face ao conservadorismo do Salon, a exposição oficial, o templo do academicismo onde os seus quadros tinham sido frequentemente rejeitados. Alguns meses antes, em 1873, quatro deles já tinham começado a agitar as coisas, criando a Société des artistes, peintres, sculpteurs, graveurs et lithographes, com o objetivo de realizar exposições independentes. Então, porquê neste "palácio de fadas", como a imprensa lhe chamou na altura, que Nadar tinha abandonado em 1871 por razões financeiras? Simplesmente porque o espaço estava disponível e situado num bairro em plena renovação, os Grands Boulevards, onde as obras da nova Opéra estavam prestes a ser concluídas. Tratava-se do bairro teatral e comercial, símbolo poderoso do urbanismo triunfante do Segundo Império, liderado pelo Barão Haussmann. Por outras palavras, um bairro moderno e central, bem posicionado para atrair profissionais dos arredores. E é um local de dois andares, servido por um elevador, com luz natural - ao contrário do Salon – e acessível à noite graças à iluminação a gás. Duas semanas antes da abertura do Salon – instalado a cerca de vinte minutos de distância, no Palais de l'Industrie, perto dos Campos Elísios (no local do atual Grand Palais) – 31 artistas expuseram mais de 200 obras escolhidas por eles próprios, penduradas em cabides de lã castanho-avermelhada. Camille Pissarro esperava que "se agitarmos alguns milhares de pessoas desta forma, será bonito". É justo dizer desde já que a exposição não foi um grande sucesso, com apenas um punhado de obras vendidas e 3.500 visitantes contabilizados...

Um choque de estilos surpreendente

No entanto, cento e cinquenta anos mais tarde, é este momento fulcral que o Museu d'Orsay escolheu para celebrar, esta exposição tão lendária como pouco conhecida na realidade, mas que, no entanto, fez a arte entrar na modernidade, a dos "ismos" dos grandes movimentos da história da arte que se sucederam uns aos outros... É certo que estes artistas, por mais diferentes que fossem, tinham inventado um novo estilo de pintura, inspirando-se sobretudo no movimento moderno em curso, enquanto os "académicos" continuavam a olhar para o espelho retrovisor, utilizando um toque de grande liberdade que iria estabelecer novos padrões. Mas, como explica Sylvie Patry, uma das curadoras da exposição "Paris 1874 - Inventar o Impressionismo", o mito deste acontecimento foi em grande parte construído por volta de 1900, quando a lenda dos impressionistas foi escrita a posteriori. É preciso dizer que, apesar da investigação, a realidade material desta exposição tem muitas zonas cinzentas: não há imagens dela, apenas testemunhos escritos. No entanto, os seus protagonistas, este bando de revolucionários empenhados em quebrar a mecânica do Salon, são bem conhecidos. A primeira sala, com Renoir em primeiro plano, era deslumbrante, com os seus quadros que exaltavam a vida parisiense moderna: a sua Parisienne e a sua Danseuse, fazendo eco das obras de Degas sobre o mesmo tema, e o Boulevard des Capucines de Monet, numa divertida alusão ao local... Muitas vezes conservados fora de França (Nova Iorque, Washington, Londres, Cardiff...), alguns destes quadros estão a fazer o seu grande regresso a Paris.

A exposição mostra também que, para além dos grandes nomes que ficaram na história da arte, outros artistas encontraram aí o seu lugar, por vezes num surpreendente choque de estilos: Cals, o decano, e as suas singulares cenas de género; o artista rural Béliard; as aguarelas de Astruc, amigo de Manet; Ottin assinando um busto de mármore de Ingres. Embora frequentador assíduo do Salon, Ottin quer fazer parte dele por gosto pela liberdade... Na altura, era um militante socialista... De facto, todos eles têm uma coisa em comum: o seu espírito de independência e uma certa vontade de vender. Expuseram obras tão diferentes em termos de estilo, técnica e qualidade que o efeito deve ter sido explosivo. Um crítico da época não se enganou quando se referiu a uma "grande quantidade de côdeas que podiam ser utilizadas para fazer um excelente pão ralado para costeletas panadas". O resultado global do evento foi, no entanto, dececionante: um buraco nos cofres da Société des artistes – que viria a ser dissolvida – e poucas obras vendidas. As obras que encontraram compradores foram as de Sisley, Monet, Renoir e Cézanne. Cézanne expôs o seu extravagante esboço Une moderne Olympia, uma homenagem ao escandaloso quadro do Salon de 1865.

"Paris 1874 - Inventar o Impressionismo", que surpreendentemente adota esta abordagem de desconstrução do mito, toma a decisão de mostrar um certo número de obras de entre as 4000 que foram expostas no Salon oficial. E o confronto é a essência desta exposição no Museu d'Orsay. Bastien-Lepage, Gérôme, Henner, Gervex e Alma-Tadema estiveram presentes no Salon, tal como Mary Cassatt, descoberta por Degas, que se juntaria ao movimento independente quatro anos mais tarde. Um retrato dos gostos de uma época... De um modo geral, os críticos também não estão satisfeitos e Zola desespera. O público ficou fascinado por todos os quadros que evocavam a derrota de 1870 e a guerra, nomeadamente os de Detaille. Não é de admirar, uma vez que os acontecimentos estão ainda muito próximos. Mas Manet também está presente, apesar de alguns quadros rejeitados, tendo recusado o convite para expor no Boulevard des Capucines para preservar as suas hipóteses. O seu Chemin de fer foi, no entanto, alvo de chacota por parte do público. Eva Gonzalès também foi selecionada. Outros artistas estão presentes nas duas exposições (Lepic, De Nittis...). Tudo isto demonstra inteligentemente uma coisa: a grande porosidade entre os dois eventos, devido à estratégia dos artistas para serem vistos e venderem... O objetivo principal era claramente comercial. 

Como explicar, então, o impacto desta exposição no Boulevard des Capucines? E qual foi o verdadeiro impacto de Impressão, Sol Nascente, o ícone de Monet que se tornou o símbolo do movimento? Esta vasta vista do porto do Havre, comprada por Ernest Hoschedé, um dos grandes colecionadores destes artistas, inspirou certamente o termo "impressionista" do jornalista do Charivari, Louis Leroy. Depois de uma sucessão de troças, escreve: "Impressionismo, tenho a certeza. Também disse a mim próprio: já que estou impressionado, deve haver aí alguma impressão...". Mas a palavra não pegou imediatamente. Só na exposição de 1877, organizada graças ao apoiante Caillebotte, é que a ideia de um novo movimento se impõe e os artistas se proclamam impressionistas. Por outro lado, traduzir as impressões para a tela era o objetivo de Monet e dos outros.

Mas, o facto de reunir hoje todas estas obras, mostra também outra coisa: foram as pinturas que falavam do seu tempo que ganharam o dia, e muitas vezes passaram para a posteridade. De facto, este foi o ponto de viragem, a entrada da pintura na modernidade. Se todos estes artistas, que por vezes nos apressamos um pouco a ver organizados como um coletivo quando eram todos profundamente individualistas, venceram, mais do que pelo seu espírito rebelde, foi porque colocaram a pintura num caminho diferente. O da liberdade, no seu estilo, nas suas pinceladas, no envolvimento do seu corpo na pintura, mas também na escolha dos temas. Ali, na tela, está o mundo em mutação, a indústria nascente que começa a devorar as paisagens das margens do Sena, a sociedade do lazer, vaidosa e mundana, o mundo urbano, burguês e capitalista que ganha terreno, inclusive nas imagens e nas mentes. Tudo testemunhos fascinantes de uma nova era em gestação, a do Antropoceno, que acaba por colocar toda a questão da modernidade.

a partir de um texto de Sophie Flouquet