Breves Notas
Aníbal de Sousa
Breves Notas sobre o Zéjel
- Partilhar 28/06/2022
A
sua invenção é atribuída a Muqaddam ibn
Muafá al Qabri (847-912), sendo mais tarde
tratado e reformulado por Ibne Gusmão
(1078-1160).
Trata-se de uma poética
apoiada em canto e dança, constituída por um
estribilho que alterna, no formato de al
Qabri, com uma infinidade de estrofes de
quatro versos, sendo que o último rima com
esse mesmo estribilho que, por sua vez, era
entoado por um coro. A celebração do Zéjel
aconteceria em festas populares ao ar livre.
No tempo de Ibne Gusmão já o Zéjel tinha
sido admitido nas cortes senhoriais e
naturalmente ganhou uma forma mais abreviada
e mais erudita.
Apresento a seguir
quatro exemplos de Zéjel, sendo que o
referido a Loulé mostra o modelo mais
elaborado do séc. XII, enquanto os que se
referem a Palmela, São Brás e ao mar são
construídos segundo a tradição dos séculos
IX, X.
São apenas ensaios com o que
pretendi recriar o espírito arábico-andaluz
que deixou tantas raízes entre nós.
Nasce o sol,
abro a janela;
Bendita sejas, Palmela!
Como um lírio, uma
açucena,
Na serra verde, verbena,
Flutuas doce e serena,
E ris-te, casta donzela;
Nasce o
sol, abro a janela;
Bendita sejas,
Palmela!
Enche-se o ar de frescura,
De uma azulada ternura
E a alma respira, pura,
Mais quem respira com ela;
Nasce
o sol, abro a janela;
Bendita sejas,
Palmela!
Na manhã santa, rezada,
Rosada espreitas, pintada,
Tão carmim, tão anilada,
Foi Deus que te quis tão bela;
Nasce o sol, abro a janela;
Bendita
sejas, Palmela!
Três mourinhas de
Loulé
Três mourinhas de
Loulé,
Cássima, Tula, Salé.
Três mourinhas me prenderam,
de Loulé,
Cássima, Tula, Salé.
Três mourinhas tão trigueiras,
Tão garridas, tão brejeiras,
Belas mouras feiticeiras
de Loulé,
Cássima, Tula, Salé.
Quem sois vós, jovens senhoras,
Tão belas, tão sedutoras?
–
Somos cristãs, fomos
mouras,
de Loulé,
Cássima, Tula, Salé.
São três mourinhas cristãs,
Colhendo figos, romãs,
Três langorosas irmãs
de Loulé,
Cássima, Tula, Salé.
Nas colinas de
São Brás
Nas colinas de
São Brás
Encontro, serena, a paz.
Cansado
de guerra e morte,
De ser cruel e ser forte,
Procuro agora outra sorte,
Que a vida é breve e fugaz,
Nas
colinas de São Brás
Encontro, serena, a
paz.
Cansado de fome e dor,
De atrocidades, de horror,
Procuro agora o amor,
Oh, meu amor, onde estás?
Nas
colinas de São Brás
Encontro, serena, a
paz.
Cansado de fome e frio,
Procuro o sol algarvio,
Oh, meu amor, quem te viu?
Quem novas, de ti, me traz?
Nas
colinas de São Brás
Encontro, serena, a
paz.
Três princesas
coloridas
À beira do mar
floridas
Três princesas coloridas.
Oh! Que
princesas tão belas,
Que jovens lindas aquelas,
Tão atraentes donzelas,
Sobre a areia aparecidas.
À beira
do mar floridas
Três princesas coloridas.
Três
princesas a bailar,
Deslumbrantes ao luar,
Mas que belezas sem par;
Danças venais, proibidas.
À
beira do mar floridas
Três princesas
coloridas.
Que alegres, que langorosas,
Que danças pecaminosas;
Três feiticeiras formosas,
Do alto dos céus descidas.
À
beira do mar floridas
Três princesas
coloridas.
Três bailarinas lascivas,
Nas suas danças furtivas;
Três andaluzas, três divas,
Na praia ardente perdidas.
À
beira do mar floridas
Três princesas
coloridas.
- n.38 • julho 2022