Rute Rocha

Animals 'Я' Us

Rute Rocha

Mudanças e adaptação biológica!

Sinto que estamos a viver um momento histórico da humanidade!
Para mim tem sido tranquilizador, pensar desta forma. Vivo a mudança, com menos gasto energético. Sim, porque as mudanças são pouco fáceis e até muito difíceis para alguns! São momentos que nos consomem muita energia, porque a mudança nos quebra as rotinas pessoais, sociais e sobretudo as rotinas cerebrais.
A mudança aumenta a estimulação neuronal dos nossos corpos com um gasto energético associado muito elevado. Mas mais elevado do que o gasto energético associado à mudança, é o gasto energético associado à resistência que os seres vivos fazem a essa mesma mudança.
A ideia genérica de Charles Darwin de que não é o mais forte que sobrevive, mas sim o que melhor se adapta à mudança, nunca fez tanto sentido como nos dias de hoje.
Mas cuidado!
Não nos adaptemos ao “mau”!
A meu ver, os humanos, como animais que somos, apresentamos uma elevada capacidade de adaptação biológica, por vezes, inimaginável!
Recordemos a história, aquando do holocausto, em que 6 milhões de humanos se tentaram adaptar a tanta crueldade e monstruosidade, na tentativa de sobreviver.
Para este número tão elevado, foram muitas, as “Donas Begónias” que contribuíram para tamanha crueldade, aquando das denúncias sobre os seus vizinhos e familiares, instigando mais medo e mais gasto energético.
Um ser vivo não sobreviveria, se diariamente estivesse a gastar energia, como a que gasta quando lida com uma mudança.
Mas atenção! Não ponhamos em causa os valores éticos, como por exemplo, a democracia, adaptando-nos/submetendo-nos “cegamente” a tomadas de decisão, que algumas vezes são infundadas ou são resultado do efeito de “rebanho” (irrefletidas).
Dupla atenção, para o medo gerado e muitas vezes reforçado em contextos de mudança. O que tenho observado é que mesmo, algumas mentes mais criativas se têm resignado... e a meu ver, perdendo a lucidez e a energia para que ocorra a tão necessária mudança.
É um facto, as mudanças são rápidas, com exigentes adaptações e com gastos energéticos elevados. Por isso, quando ocorrem reais mudanças, estas não podem ser muitas, nem por períodos longos.
Neste ponto, identifico-me com a teoria de evolução dos equilíbrios pontuados de Niles Eldredge e Stephen Jay Gould, no qual admitimos que as populações passam por longos períodos, evoluindo de modo lento, sem alterações significativas nas características que exibem, seguidos por pequenos e rápidos períodos de grandes mudanças.
Agora, neste preciso momento, que estamos a vivenciar uma pandemia à escala planetária, estaremos nós a assistir a um período de grandes mudanças? De mudança na nossa organização social? A preparar-nos para viver em comunidades mais pequenas? A assistir ao início de uma revolução energética? A gerar “empregos” de outra natureza? A assumir-nos como humanos e que efetivamente fazemos parte da natureza?
Sinto que sim, repare no que atualmente se tem exigido aos humanos: um gasto energético elevado, uma rápida adaptação, emergência dos medos e uma grande resistência à mudança. Já reparou que o medo e a resistência emergem em períodos de mudanças?
Está consciente desta/s mudança/s? Ou ainda ;) considera que voltaremos ao que éramos?


Açaime!

Todas as vezes que saio à rua, sinto receio de nós mesmos. Devemos ser muito perigosos, porque andamos todos de açaime. Sim, leu bem, de açaime, uma peça que se coloca nos cães ou outros animais para não morderem.

Do senso comum emerge a ideia de que existimos nós os humanos e a natureza e, por consequência, a superioridade humana sobre a natureza e temos que nos proteger.

Desenganem-se, nós humanos, somos natureza! É neste sentido, que proponho uma responsabilização humana.

Os animais não são mais importantes que as plantas, os humanos não são melhores que os animais não humanos. Apenas e só, temos esta sensação de superioridade sobre tudo e todos, porque somos muitos, demasiados!

O vírus... o vírus apenas e só se propagou, propaga e se propagará muito, porque a população humana é excessiva e ocupa quase/todo o espaço do planeta.

Vivemos em grandes aglomerados, movimentamo-nos muito rápido de um local para o outro, adquirindo um estatuto quase de “omnipresente”! Estamos em todo o lado, invadimos tudo, colonizamos tudo e consequentemente, o vírus também estará em todo o lado. Alexandre Quintanilha afirma: “as bactérias, fungos e vírus que estão no nosso corpo perfazem quase 40% das células e mais de 90% da informação genética que transportamos.”

E mais, os vírus não querem matar-nos, eles querem os humanos vivos para nele se replicarem e se manterem. Quando as células humanas morrem, os vírus também “sucumbem”.

Mas o busílis está em que somos 7,8 mil milhões de humanos, desgastando o meio envolvente. Com pequenas ou grandes decisões, com pouco ou muito impacto sobre o meio envolvente, todos somos responsáveis, todos somos perigosos!

Atribuem a culpa desta pandemia aos chineses ou aos vírus. Considero uma falácia dupla! Por um lado sinto a culpa como um conceito religioso e se queremos refletir seriamente sobre esta pandemia, devemos procurar responsabilidades (e não culpas)! Por outro lado, não procuremos responsabilidade em algo externo a nós mesmos, humanos. Porque procurar responsabilidades no outro, é uma tentativa de nos desresponsabilizarmos!

E enquanto nos desresponsabilizarmos, continuaremos com os problemas e inevitavelmente com sucessivas pandemias.

Definitivamente, somos perigosos, precisamos usar açaime!


Trincheiras...

Milhões de soldados entrincheirados, sujeitos ao medo da chegada de um vírus, que nem estatuto científico de “ser vivo” tem!

Genericamente, um vírus é revestido por um invólucro proteico e no seu interior contém material genético sob a forma de RNA (ácido ribonucleico), em cadeia simples e/ou DNA (ácido desoxirribonucleico), em cadeia dupla, enrolada em hélice, tão bem descrito por Watson e Crick.

O COVID-19 apresenta apenas RNA como material genético e com este se replica e tão ferozmente se propaga.

Reparem no caricato da situação.

O mesmo RNA que pela simplicidade da molécula, há milhares de anos no azul do nosso planeta impulsionou a vida na Terra, põe agora a descoberto a fragilidade humana e mostra-nos convictamente que o ser humano não é mais o melhor e o superior dos seres vivos!

Tanto armamento, tecnologia, ciência, consciência, criatividade, linguagem, comunicação, economia... e nada nos serve, enquanto não assumirmos compreender as causas desta guerra biológica.

Talvez estejamos a assistir/participar na terceira guerra mundial, entrincheirados em casa, pseudo-protegidos a pensar que ultrapassaremos esta guerra em algumas semanas... Uns escondidos, outros – mais afoitos, a enfrentar “entidades” que evoluíram durante milhares de anos!

Não se iludam soldados! Não sairemos deste caos em algumas semanas. E “todos bem”, não será certamente!

Bem sei que a humanidade (ou a falta dela) não muda o seu registo em tão pouco tempo. Mas, se quisermos sobreviver, teremos de aceitar que a nossa espécie destruiu a capacidade inerente ao planeta Terra de manter a sua homeostasia – a propriedade que lhe permite regular o seu equilíbrio dinâmico e que lhe “permite viver e alcançar também o seu bem-estar”.

Será que este vírus estará ao serviço do planeta?! Estará a tentar sobreviver, com a mesma vontade que tem cada um de nós, na trincheira ou no campo de batalha? 

Humanos! Vamos de uma vez por todas repensar a natalidade, diminuir a população humana e relevar a biodiversidade do planeta. Não quero com isto dizer, aceitar esta "mortandade", negar a manutenção da espécie, mas não sejamos ingénuos ou nos vitimizemos. Há já muito que excedemos o limite razoável para uma população biológica (número de indivíduos de uma mesma espécie que vive numa determinada área, num espaço de tempo).

Reinventemo-nos como uma biocenose ou real comunidade, mais em equilíbrio com a natureza, assumindo-a como intrínseca e não como exterior ao ser humano.

E neste preciso momento, com muito respeito, aceitemos que o planeta Terra também está a tentar (sobre)viver...


Animais de (sub)estimação?!

Senta! Senta! Good boy! Lindo! Dá a patinha. Dá à dona, dá. Busca a bolinha. O meu cão! A minha Hachi(co)! A Hachi é considerada um animal de estimação, como tantos outros!

São animais que amamos. Mas que estranha forma de amar!

A meu ver, são animais que estão em permanente cativeiro. Mas, estão estes animais a recuperar de alguma patologia ou ferimento? Sujeitos a uma tentativa humana de os reproduzirem por se tratar de uma espécie em vias de extinção ou com alto grau de vulnerabilidade? É uma estratégia de conservação da subespécie (raça) ou manutenção do pedigree?

Parece-me mais uma vez, uma relação de posse dos humanos face aos não humanos!

Repara-se que só damos nomes às aos cães e aos gatos e alguns passeriformes que estão engaiolados!

Desde que os humanos se agregaram em centros urbanos, a grande maioria dos cães vivem em solidão nas casas dos «donos», ansiosos por uma única saída. Não sei porquê, mas este facto, recorda-me a escravatura!

Os gatos, ficam em casa dos donos, desde que nascem até que morrem, como que sentenciados com prisão perpétua!

Tiram-se, roubam-se, todas as possibilidades destes animais não humanos de viverem em habitats, que naturalmente seriam diferentes da casa dos «donos». Temos de admitir que não estamos a protegê-los coisíssima nenhuma, nem como espécie, nem como ser vivo, nem a permitir a sua bio/diversidade e diferentes possibilidades de vida.

Reconheço que amamos os «nossos» animais e como humanos, apresentamos uma predisposição para amar a natureza, a vida e os seres vivos, Edward Osborne Wilson designou esta nossa tendência de Biofilia. Mas, massivamente e talvez in/conscientemente, estamos a subestimar os «nossos fiéis amigos», submetendo-os a regras e a gostos do mais des/humano que temos e do menos animal que somos!

Imaginem o que seria, por analogia passear, alguém na rua, um humano com uma coleira e uma trela. Arriscaria a dizer, que de imediato, a este humano seria diagnosticada com uma qualquer patologia mental, que seria mediatizado como uma exibição sadomasoquista!

E… pendurar as pernas dos humanos em talhos? Como se de presuntos se tratassem! No mínimo, consideraríamos macabro e repudiante! Mas porque não o consideramos com os animais não humanos?

Porque insistem, numa atitude pseudoaltruísta, em alimentar os pombos e os gatos nas cidades? Quando estive na Flórida, recordo-me de ver escrito numa sinalética: não alimente os gatos, eles alimentam-se na natureza.

Também um dia, disseram-me, que os canários teriam de ser mantidos em gaiolas, porque se não, não sobreviveriam! Considero esta generalidade um mito (urbano), numa tentativa humana de validar as suas opções.

Experimente libertar uma ave e quiçá, terá mesmo a oportunidade de observá-la a interagir com outras, na árvore mais próxima!  


Família Epigenética?
Rute Rocha

Pergunto-vos se não estará na altura de mudarmos o conceito de família? Ou tomarmos consciência que dele fazem parte uma série de mitos que nos angustiam e escravizam!

Repare-se que o termo família deriva do latim famulus, que significa escravo doméstico.

Que conceito é este o de família que nos estão a querer impor?
– religioso, de matrimónio de dois humanos ateus?!
– de laços de sangue, que historicamente geraram tantas guerras?!
– com os mesmos genes? como se ambos os progenitores partilhassem dos mesmos genes!
– individualista, confinada a três elementos, de que já nem os avós e os tios fazem parte!
– pequeno burguês? num (pseudo)ambiente, materialista, acolhedor e de aconchego.

Vejamos as formigas! Já nem as formigas são o que eram! Foi o nosso conhecimento que mudou. Construímos a ideia de que as formigas "obreiras/trabalhadoras" servem a formiga "rainha/mãe". Contudo, estudos recentes mostram que a função das formigas na sua comunidade não está predeterminada, depende muito dos mecanismos epigenéticos. Repare-se que ao morrer uma formiga rainha, uma obreira tomará o seu lugar, produzindo feromonas e garantindo a sobrevivência de toda a comunidade de formigas. Também os golfinhos, na grande maioria das vezes, as crias são amamentadas pelas "tias".

Todos os humanos partilham de uma genética ancestral comum, mas não faz sentido assumirmos um organismo como uma individualidade genética, estanque. Todos os animais humanos e não-humanos estão sujeitos a fatores epigenéticos, que constantemente causam alterações do DNA (material genético das nossas células) e que se perpetuam no tempo através das divisões celulares. E mais... é saudável mudar os nossos genes, é a mudança que garante a homeostasia e o bem-estar. Como António Damásio, refiro-me quer à homeostasia interna quer à homeostasia sociocultural.

Talvez pela minha formação e/ou deformação em Biologia, projeto a família para um conceito mais sistémico e com muito mais (bio)diversidade, na qual, genepool, aprendizagens, experiências e afetos interagem para um bem comum.


Em Cativeiro... estamos todos!
Rute Rocha

Nada me surpreende relativamente aos animais viverem em cativeiro. Em pouco mais de 500 anos, desde os descobrimentos, invadimos biomas, ecossistemas, nichos, habitats... todo o espaço dito “selvagem” ... contaminando-o, incendiando-o, negligenciando-o, abusando-o, humanizando-o violentamente... com a “inteligência suprema” que nos caracteriza como Homo sapiens, anos seguidos, dias, horas, minutos...
Toda a natureza está humanizada. Toda ela é alterada esteticamente em função do que é humanamente belo e não do que é naturalmente belo. Até as cataratas do Niágara foram previamente determinadas a partir de uma maquete que permitisse exibir a exuberância da força das águas (1).
Diria mesmo, já nada me surpreende relativamente aos animais humanos também viverem em cativeiro. Sim, nós, os humanos vivemos também em cativeiro como os animais não humanos que se encontram em zoos, aquários ou reservas da biosfera. 
Viajamos em aviões como se de transporte de cavalos se tratasse. Navegam barcos carregados de refugiados como porcos a caminho dos matadouros. 
Quantas vezes nos sentimos uma ovelha em rebanho, nos festivais/feirinhas ou em megaconcertos? 
Quantas vezes nos sentimos no emprego como em um cárcere privado? Com polícia, juízes, advogados de defesa e acusação...
E nos prédios, cafés, centros comerciais, filas de trânsito, em praias e jardins? 
E as nossas crianças nas escolas e em ocupação de tempos livres? Onde memorizam com reforços positivos ou negativos, de acordo com a performance dos comportamentos exibidos entre os pares, em salas que nos lembram caranguejos em aquacultura...
Já não são necessários estudos para percebemos que os humanos são em número excessivo no planeta Terra. E que este excesso de população leva os (animais)humanos a coabitar em cativeiros. E em cativeiro, sob os efeitos de stress, diria mesmo em distress, as hierarquias são exacerbadas e a competição por fatores abióticos e/ou bióticos, em última instância, torna-se permanente, com uma agressividade extrema.
E como proceder? 
Ferindo as nossas suscetibilidades mais antropocêntricas e egocêntricas, considero que se o ser humano baixar drasticamente a natalidade, não haverá nem animais não humanos nem humanos em cativeiro, nem tão pouco ativistas ou pseudopolíticas ambientalistas. Não será necessário! 
Se continuarmos a aumentar a natalidade será sine qua non a con(sobre)vivência em cativeiro!

(1) SPIRN, Anne Whiston - Constructing Nature: The Legacy of Frederick Law Olmsted, in Uncommon Ground: Rethinking the Human Place in Nature, 1996, p.95.


(Des)humanidade da Devolução
Rute Rocha

“ADOÇÃO: Foram devolvidas 53 crianças adotadas nos últimos três anos” (OBSERVADOR, 30/7/2019).

Qual é realmente o objetivo deste título/artigo e “tema” que de forma sistemática é exibido nos órgãos de comunicação social?! 
Sem querer retirar a possibilidade de reflexão bem como desvalorizar a gravidade de tais situações, não consigo deixar de sentir a injustiça e a falta de bom senso em relação a todos os outros pais adotantes (mono ou biparentais). Aqueles que para o «superior interesse da criança» vivem numa vida de entrega como qualquer pai biológico.   
Já se deu conta dos «filhos biológicos» que são abandonados à nascença nos hospitais?
Do número de crianças sem «paternidade», os filhos e as filhas de «pai incógnito»? 
Do número de recém-nascidos sem direito à primeira mamada? 
Onde está a “humanidade” destes comportamentos?
Sempre preferi o conceito de animalidade face ao conceito de humanidade. Perdoem-me os psicólogos e os sociólogos, mas de humanidade vamos mostrando pouco e para mim, é um conceito com um sentido cada vez mais pejorativo!!!

Tem ideia do número de crianças “sem pais” que entram nas instituições nestes três últimos anos? Já sem referir as crianças que são acolhidas por maus tratos e violência extrema e/ou famílias de “sangue” que rejeitam passiva ou ativamente os seus filhos.
Desconheço as estatísticas, mas arriscaria a afirmar que o número de crianças em acolhimento é significativamente maior do que o apresentado no título como “devolvidas”.
Choca-me a exigência da opinião pública acerca dos adotantes face aos progenitores. 
Exige-se que os pais/mães adotivos sejam “super-heróis” perfeitos, sem dúvidas ou hesitações…
Lembro que o período de “gravidez” dos adotantes (períodos de espera entre os 3 e os 6 anos) é superior ao dos elefantes! 
Recordo-me de uma grávida, que fazia ecografias sistemáticas ao seu feto, me perguntar porque é que os adotantes “não querem” crianças com deficiências, “não querem” adolescentes, “não querem” crianças de nacionalidades diferentes… 
Não creio que existam diferenças significativas face à animalidade de ambos, adotantes e progenitores, quanto à vinculação afetiva que podem desenvolver ao longo da vida com os seus filhos, tal como nos outros animais não humanos (com as suas crias, juvenis, alevinos). 
Se recorrêssemos mais à nossa animalidade intrínseca e uma educação para a parentalidade, talvez pudéssemos exibir comportamentos mais empáticos para com os adotantes e pelo que deve ser o «superior interesse da criança».
A natureza dá-nos lições… Em comunidades de golfinhos é comum as tias amamentarem os recém-nascidos. 
Em 2011, num zoo na China, um chimpanzé fêmea adotou duas crias de tigre branco após a passagem de um tufão e a rejeição agressiva por parte da progenitora… 
Por fim, em modo de desafio reflexivo, como lidamos com o abandono por parte dos filhos biológicos quando põem os pais num lar, muitas vezes, num abandono total, numa espécie de “devolução”? Existem da mesma forma títulos e artigos publicados sobre este/s Aspectus?


Senso comunicação da ciência
Rute Rocha

Mais que fazer ciência, é importante comunicá-la e aprender a comunicar ciência. Na Biologia muito se tem comunicado sobre DNA, genes, hereditariedade ou epigenética, para investigadores, entre os pares, mas muito pouco para o senso comum.

Mas será que é realmente importante comunicar ciência? E de que forma? Aparentemente, seríamos levados a pensar que pouco importa comunicar ciência, mas de facto, a sua relevância prende-se com a minha preocupação de ultrapassar estereótipos e crenças, muito enraizadas culturalmente, que orientam os humanos para a discriminação e por várias vezes, a história mostra-nos que perderam a sua “humanidade”. Na tentativa de superar esta minha (pre)ocupação, proponho uma – Senso Comunicação – isto é, comunicar ciência (ou outra área do conhecimento) para o senso comum.

Como podemos educar para a diversidade, democracia, paz, altruísmo, sem nos ocuparmos em dar um salto para a senso comunicação da ciência?

É usual ouvirmos dizer que o filho vai ser alto como o pai ou ser mau em matemática como a mãe. Mas que conceito é este de hereditariedade? Bem sei que existem muitas características que passam à descendência. E acreditem, não passam apenas as “boas”. Isto de se pensar, que o que passa à descendência é o melhor que existe!!! Não deem isso por seguro! Tenho um filho adotado e reconheço-lhe características fenotípicas (características observáveis, expressão dos genes) bem melhor que as minhas!

Uma característica* para ser hereditária tem de apresentar uma distribuição bimodal na população. Entenda-se esta, uma distribuição com duas curvas, com duas modas (diferentes alelos provenientes de cada um dos progenitores). Logo, se a altura e a inteligência fossem características hereditárias, como poderíamos ter jovens tão altos, com ascendentes lusitanos tão pequenos?!

É este determinismo hereditário que me assusta, pela discriminação que provoca, pela angústia que gera em cada uma das crianças que ouve sistematicamente estes raciocínios “brilhantes” dos progenitores e que por praxis se habituam a passar à descendência.

É relevante percebermos que quando as nossas células precisam de insulina, os cromossomas organizam os seus genes de modo a que os ribossomas produzam esta proteína, num mecanismo estudado e altamente complexo. Contudo, os conhecimentos associados a estes fenómenos genéticos, por si só, servem de pouco, se não chegar à maioria dos humanos, para bem do planeta e dos seres que nele coabitam.

* Uma característica genética nem sempre é uma característica hereditária, que passa à descendência.


Uma árvore… Uma homenagem ao Vítor Reia*
Rute Rocha

A imagem de uma árvore carrega o simbolismo da retidão de valores, da paz e da esperança, da perpetuação da vida e das memórias. Uma casa na árvore é abrigo, segurança, mas também sonho, aventura e criatividade…
Numa abordagem científica da árvore, seríamos remetidos para a Botânica… para uma análise da sua morfologia ou descrição das suas funções vitais, falando de fotossíntese, reprodução ou trocas nutricionais.
Com crianças em início de descobertas, usaríamos os seus ciclos de reprodução ou de adaptação às diferenças de temperatura para ilustrar as estações do ano…
Poderíamos fazer uma reflexão sobre a forma como são classificadas, considerando as diferentes utilidades que lhes atribuímos… árvores de fruto, árvores fornecedoras de madeira ou de pasta de celulose, árvores pulmão, árvores sombra, árvores ornamentais…
Podíamos falar de espécies autóctones, espécies invasoras, espécies infestantes, espécies geneticamente modificadas ou até de espécies ameaçadas…
Podemos referir-nos a elas pelo seu nome comum Jacarandá, ou pelo nome científico - Jacaranda mimosifolia.
A nossa representação de árvore poucas vezes inclui os imensos seres que nelas vivem - de forma permanente ou temporária, e que fazem com que cada árvore se torne um pequeno ecossistema.
Apesar de haver árvores centenárias, sobreviventes a muitas gerações de humanos, raramente entendemos a árvore como um ser vivo.
Os nossos olhos não veem os seus movimentos por ação de fatores externos, e as árvores, a par das plantas de menor porte, são tidas como seres inanimados ou até objetos.
É com recurso à tecnologia que muito recentemente a investigação na área do «comportamento» das plantas tem dado a conhecer fenómenos que perspetivam de uma outra forma o conhecimento tido como inquestionável em relação ao reino das plantas.
Em estudos muito recentes, forma detetados movimentos de «pulsação» em algumas árvores que mostram que a variação da pressão que dá origem à deslocação interior de fluídos não é exclusivamente provocada pela ação da luz, mas sim por ciclos de movimentos «voluntários» cadenciados dos caules e das folhas, similar ao batimento cardíaco.
Também, em estudos muito recentes, percebemos que existem conexões que lhes permitem receber e transmitir informação sobre ameaças à sua integridade ou sobrevivência. Estudos de uma investigadora canadiana, revelam, que árvores mãe protegem as raízes de árvores filhas.
Este caminho de descoberta e conhecimento começou a ser trilhado e possibilita um novo olhar sobre os fantásticos seres que connosco habitam este planeta, mesmo que, por egomorfismo, o conhecimento que vamos construindo seja à semelhança do entendimento que temos de nós próprios, como espécie ou como indivíduos.
(2019-03-21)

* Vítor Reia é um nome incontornável na área da educação pelos media e da literacia. Dedicou a sua investigação científica à Literacia Fílmica, à Literacia dos Media e em Contextualizações Culturais do Cinema. Além disso foi também membro do Grupo de Peritos da Comissão Europeia em Literacia dos Media, consultor do British Film Institute para o projecto European Film Literacy, tendo participado nos Projectos da Comissão Europeia: EUROMEDUC, MEDIAPPRO e EDUCAUNET. Faleceu no dia 16 de Agosto de 2018, aos 64 anos, vítima de cancro.