Vaguear na Maionese
Paulo Falcão Alves
PEDRO E O LOBO
Em janeiro,
confidenciava em família –
vamos deixar de falar
do coronavírus, o mais tardar, em finais de
fevereiro
– estava completamente enganado. Hoje tenho
mais dúvidas que respostas. O impacto que
este fenómeno está a ter nas nossas vidas torna-o
efetivamente preocupante. Não me estou a
referir apenas à propagação do vírus, mas
aos efeitos colaterais como o desfalecimento
gradual dos setores económicos que, num curto
prazo, irão ter um enorme impacto nas nossas
vidas futuras.
Os
media,
e sobretudo os agentes políticos, estão a
revelar que não sabem lidar com esta
situação – estamos perante uma nova forma de
coerção social – o medo, ao mesmo tempo que
assistimos incrédulos, impávidos e serenos
ao descalabro social, económico e político
mundial.
Mas sendo a
informação uma das armas para combater o
medo porque é que ela continua praticamente
inexistente? Porque é que em vez de ouvirmos
falar do número de infetados e mortes não
ouvimos a opinião de especialistas, das mais
diversas áreas, ajudando a esclarecer as
dúvidas que pairam nas nossas cabeças?
A resposta a estas
questões deve-se sobretudo a duas razões. A
primeira, deve-se ao facto de os meios de
comunicação terem deixado de exercer há
muito tempo a sua principal função –
informar, contribuindo para um clima de
dúvida e desconfiança, apregoando vezes
sem conta a vinda de um lobo que agora, sem
ninguém estar à espera, chegou e
ninguém sabe como controlar. A segunda
razão deve-se à ideologia da nossa
contemporaneidade, uma ideologia
caracterizada pela descrença no discurso
público e na disfuncionalidade das
instituições. Uma ideologia que não aceita a
ordem prevalecente, questionando-a e adaptando-a aos
gostos pessoais de cada um, assente
numa consciência individual e egoísta.
Espero que quando
tudo isto passar não surjam estudos a
defender que este alarme social podia ter
sido evitado e, tal como em 2009 na pandemia
do vírus H1N1, não apareça outro Wolfand
Wodarg[1]
a afirmar que a pandemia do
coronavírus não tenha passado de um
alarmismo exacerbado, alimentado pela
desinformação e pela incapacidade dos
governos em gerir toda esta situação.
Talvez seja
este o preço que devemos pagar por vivermos
numa sociedade consumista, mercantilista,
egoísta e incompetente, onde a tecnologia e
o conhecimento técnico são mais valorizados
que a sensatez e a reflexão filosófica de
outros tempos...
[1]
Presidente da Comissão de Saúde da
Assembleia Parlamentar do Conselho
da Europa em 2009.
- n.10 • março 2020