Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale

As feiras de Champagne

A feira é um mercado medieval, sazonal e que tem lugar fora da cidade. As trocas comerciais, durante a Idade Média, não se fazem necessariamente dentro da cidade. O hábito ensina que o melhor mercado é fora das muralhas onde se deslocam os que querem comerciar. Os senhores apoiam esta iniciativa que é mais uma forma de arrecadar impostos.

O curioso é que o bispo também podia ser o patrono e os benefícios seriam dele. Assim, em Champagne e em certas cidades, como Reims, o conde não possui o direito de organização dos mercados. Esta situação é uma herança dos tempos carolíngios, em que os senhores concedem aos bispos essa regalia, já que se estabelecem laços mais estreitos.

O desenvolvimento das feiras prende-se com a restauração do poder público laico, o único que garantia a segurança das trocas e dos mercadores. No século XII, esta mudança efetua-se no interior dos estados feudais, como a Flandres, Provença, Champagne e Catalunha. O século seguinte mostra a afirmação das monarquias e desloca-se para Paris, onde o rei é suserano.

O conde Thibaud, o Grande, outorga, em 1137, um grande privilégio à cidade de Provins. Fica autorizada, desde então, a organizar duas feiras anuais. Antes de 1164, Troyes, Lagny e Bar-sur-Aube, receberão direitos análogos. Champagne converte-se no centro do comércio europeu. A partir de 1148, as suas feiras são frequentadas pelos grandes comerciantes de Paris.Os italianos são, ali, mencionados pela primeira vez.

No início do século XII, os condes de Campagne figuram entre os mais poderosos do reino de França. Rivalizam com os próprios reis, cujo domínio, ainda frágil, ameaçam a leste. Em 1125 o novo conde de Chapagne é Thibaud, o Grande, personagem ambígua que alguns apresentam como um homem falso e orgulhoso e outros, em particular os monges, como uma pessoa generosa, sábia e valente. É fabulosamente rico e faz do seu dever de príncipe uma ideia muito elevada.

Para ele o essencial é assegurar a paz, isto é, a protecção dos homens que se reclama dele, contra qualquer acto que os pudesse vir a prejudicar. Na primeira linha são os comerciantes que mais recebem. Outorga-lhes o seu conduto e, nas suas terras, toma-os sob a sua protecção e estende-a para lá do condado. Oferece garantias a todas as pessoas que se dirijam ás feiras de Champagne para comerciar.

Atacá-los, provocá-los, roubar as mercadorias ou danificar os seus bens, é como se o fizessem a si próprio. Para tal, os inúmeros parentes do conde, o seu prestígio e o seu dinheiro, permitem tornar estas protecção eficaz. O que daqui resulta, esta grande segurança, está na origem da transformação de Lagny, Provins, Troyes e Bar, em locais de comércio internacional.

Por outro lado, o conde assegura a regularidade das transacções, a ordem das mercadorias e um justo regulamento dos litígios. Por fim, dota as feiras de Champagne de um instrumento monetário de imenso valor, o dernier de Provins. Em prata, pesado e muito valioso, revela-se adaptado ás necessidades dos comerciantes que o exportam e dele se servem para fazer os pagamentos por toda a Europa.

As quatro cidades com feira não fazem concorrência entre si. Os privilégios concedidos pelo conde e seguidos pelo seu filho Henrique, o Liberal, criam entre as cidades uma verdadeira rotação que resulta em feiras que, quase em interrupção, funcionam o ano inteiro. O conde faz-se retribuir pois cobra uma taxa sobre o montante total das transacções, bem baixa, cerca de quatro por mil. O seu interesse tem mais relação com o prestígio do que com o dinheiro.

O que lhe importa é o poder de carácter internacional que estas lhe dão e a capacidade de fazer respeitar a ordem. Por outro lado, estimulando estas feiras, as cidades cresciam de ponto de vista económico e os ganhos seriam maiores. As cobranças entram para os cofres públicos e todos lucram com esta movimentação.

os comerciantes afluem de todos os lados. Os flamengos chegam para vender os seus tecidos a italianos que os levam para Génova ou Pisa para aí serem tratados. Na década de 1150, os derniers de Provins circulam em Itália, antes de serem imitados nas principais cidades. Esta é a origem. Quanto aos tecidos são expedidos para o Médio Oriente. É o eixo essencial. É em torno da troca entre a Itália e a França que de desenvolve a prosperidade das feiras.

Em tornos dos comerciantes gravita uma constelação de personagens que exercem os ofícios indispensáveis às trocas, na primeira fila dos quais se encontram os cambistas. Este é um papel paralelo mas essencial. O aspecto financeiro é brilhante e funcional.

A partir dos finais do século XII, os mercadores regularizam as suas dívidas, as que foram contraídas nos outros locais, por vezes bem afastados, elaborando técnicas de compensação e de transferência de fundos cada vez mais sólidos, sofisticados e elaborados, mostrando como as técnicas comerciais se foram desenvolvendo com eficácia.

O desenvolvimento destas feiras é um dos sinais da revolução comercial dos séculos XI-XII. As trocas com o Médio Oriente não cessaram desde o final da Antiguidade. Os aristocratas são grandes apreciadores de sedas e especiarias e estas podem ser encontradas em Bizâncio e nos países muçulmanos. O comércio incide sobre pequenas quantidades de produtos de valor imenso.

A partir do século XI, as condições alteram-se. As grandes cidades marítimas italianas, Génova, Pisa, Veneza e Amalfi, exportam cada vez mais quantidades maiores de produtos finos, como os tecidos flamengos e importam as ditas mercadorias preciosas que o ocidente carece.

Serão, posteriormente, substituídas e abandonadas já no século XII, pelas cidades do interior, Milão, Placência, Asti e outras. As cidades francesas são as mais concorridas com as feiras de Champagne no século XII, papel que não tinham anteriormente.

Na verdade a essência destas mercados nunca se perdeu no tempo. Agora, em tempos de outras facilidades e onde a globalização impera, os mercados são mais singelos e servem propósitos bem mais simples. Na sociedade de usar e deitar fora, o valor das peças deixou de ter interesse.