Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias de um menino que vivia num bordel
Uma vida de riquezas

Há incontáveis motivos pelos quais escrevemos sobre nós mesmos. Às vezes, para compreendermos o que nos aconteceu e nos libertarmos do peso do passado, às vezes, apenas para relatar fatos interessantes e incríveis que vivemos ao longo dos anos. No início da empreitada de escrever sobre minha infância, eu não sabia direito o motivo que me arrastou para esta tarefa inconveniente de cavar um passado que parecia tranquilo e serenamente enterrado na lápide do tempo. À medida em que a narrativa avançava, eu fui percebendo que escrevi principalmente para buscar conhecer melhor aqueles com quem convivi nos meus primeiros anos de vida. E, ao conhecê-los, eu ampliei o conhecimento sobre mim mesmo.

Mas eu encontrei mais do que autoconhecimento. Durante muito tempo, por exemplo, eu achava que minha mãe era a principal vilã da minha história. Eu a culpava pela vida miserável que tive que enfrentar assim que nasci lá no bordel da Dona Tonica, em 1968, na cidade de Anápolis, no interior de Goiás. Então, enquanto escrevia, foi ficando muito mais claro que minha mãe era, na verdade, a heroína do filme da minha vida. Em relação aos meus tios, por exemplo, que também tiveram papel importante no roteiro da minha existência, eu troquei o desprezo pela a admiração.

Sim, chorei muito enquanto construía cada parágrafo! E ao final, chorei mais ainda! Chorei porque, ao contrário do que imaginava, eu nunca estive só! A minha infância não foi pautada apenas pelos abandonos que eu insistia em ver. Foi e tem sido uma vida de pequenos e grandes milagres! Se fui e ainda sou digno de receber tantos milagres, então, é porque tenho uma vida abençoada! E, na minha visão hoje, isso fez e faz valer a pena todos os obstáculos pelos quais passei e passo.

Hoje percebo claramente que a maior solidão que um ser humano pode enfrentar é a sua própria incapacidade de enxergar os pequenos e grandes milagres que o cerca em seu dia a dia. E, uma vez que passamos a vê-los, a vida deixa de ser apenas suportável e insuportável e vira uma prolongada infância. Quem disse que o deslumbramento diante do mundo, próprio das crianças, não pode ser resgatado na vida adulta? Será que tudo tem que parecer pesado e dramático? Será que a vida é apenas correr atrás de um salário medíocre ao final do mês e pagar contas e mais contas? Será que é só sonhar com uma aposentadoria que talvez nunca chegue?

Então, construir esta narrativa me ajudou a ficar mais atento a detalhes sutis da minha existência, que o meu lado de homem adulto de 50 anos nem sempre presta a devida atenção.

O adulto resgatou o menino e o menino resgatou o adulto! Foi este o principal efeito desta escrita sobre mim. Presente, passado e futuro se fundiram nesta busca que é a maior fortuna que eu poderia almejar: ter uma existência em que eu perceba os pequenos e grandes milagres que me acontecem diariamente! Obrigado mãe! Obrigado Deus! Obrigado Universo! Eu, que na infância sonhava ser rico, conquistei uma vida de riquezas!