Memórias do Futuro
Fábio d'Abadia de Sousa
Eu amo Jane Fonda!
Ao
navegar pela rede social
Instagram,
deparei-me com uma foto da atriz e ativista
norte-americana Jane Fonda, algemada e
conduzida pela polícia norte-americana.
Fiquei um pouco chocado e fui ver o restante
da informação.
Tratava-se já da segunda prisão da atriz,
por fazer protestos em frente ao Capitólio,
edifício onde funciona o Congresso dos
Estados Unidos, em Washington(D.C.);
estranhamente, um prédio público onde não se
permitem manifestações. Inspirada pela
adolescente sueca Greta Thunberg, Jane Fonda
tentava chamar a atenção contra a destruição
do meio ambiente. Eu comentei a foto: “I
just love her”.
Imediatamente, alguém com um perfil
republicano, perguntou-me, em tom de
sarcasmo e ironia: “Só por curiosidade, por
que você a ama, mesmo?”
Sem querer polemizar muito, eu respondi: “o
amor, assim como o ódio, não tem muita
explicação lógica. Eu simplesmente a amo”.
Mas motivos não faltam pela minha grande
admiração por Jane Fonda.
Ultimamente, o meu amor por ela tem sido
mais em virtude da sua participação na série
da Netflix
Grace e Frankie.
Esta série, lançada em 2015 e que está na
sexta temporada, é uma das pouquíssimas
dedicadas ao público sênior. Nela, Jane,
lindíssima aos 81 anos, mostra que a
velhice, sem eufemismo nenhum, pode, sim,
ser a melhor fase da vida de um ser humano.
Assim como faz fora das telas, Jane vive
Grace, uma mulher ativista por uma vida
plena. A separação do marido, vivido por
Martin Sheen – cujo personagem se assume gay
aos 75 anos e se casa com outro homem – é a
oportunidade que ela tem de riscar todo
o
tipo
de hipocrisia de sua vida.
Grace, que antes da aposentadoria era uma
implacável mulher de negócios na área de
cosméticos, faz renascer seu espírito de
empresária ao lançar um vibrador desenhado
especialmente para mulheres mais velhas.
Sim, as mulheres se masturbam, inclusive as
mais velhas!
Grace
adora o seu consolo anatômico, mas ela quer
mais. Ela quer ser amada por um homem de
verdade. É dificílimo de encontrar, mas ela
prefere morrer tentando.
Ao
lado da amiga Frankie, vivida pela
maravilhosa Lily Tomlin, a irreverente Grace
vive situações típicas de quem está
envelhecendo e que se defronta com uma
sociedade que negligencia e abomina a
velhice. Por trás de cada risada, a série
discute, algum drama bastante real daquilo
que, eufemisticamente, chamamos no Brasil de
terceira idade ou “a melhor idade”. Com
Grace e Frankie, a velhice é realmente a
melhor idade! E quem está a envelhecer, como
é o meu caso, perde grande parte do medo de
enfrentar esta fase que pode, sim, ser a
melhor da vida!
Na
década de 1980, Jane Fonda destacava-se
pelos seus vídeos de ginástica para mulheres
balzaquianas (na faixa dos 30 anos). Tanta
malhação talvez tenha sido o motivo de ela
chegar à sua oitava década de vida
esbanjando saúde, beleza e consciência de
cidadã. “Talvez passe o meu aniversário de
82 anos na cadeia”, disse ela, no final de
2019, para um programa jornalístico da
televisão brasileira, ao ressaltar que sua
militância em defesa do planeta Terra só
está começando. Nos anos 60, quando era
considerada uma das mulheres mais
sexy
do planeta, Jane chegou a ser declarada
inimiga pública dos Estados Unidos, por
causa de seus insistentes protestos contra a
Guerra do Vietnã. No dia 4 de janeiro de
2020, lá estava Jane novamente, começando o
Ano Novo em frente ao Capitólio, a protestar
contra o ataque inconseqüente de Donald
Trump ao general iraniano Qasem Soleimani.
“Não queremos mais guerras!”, gritava ela,
sob o frio de zero grau, acompanhada de uma
multidão entusiasmada. Assim como inspirou
milhares de pessoas a cuidarem do corpo nos
anos 80 do século passado, hoje, Jane Fonda,
na vida real e na ficção, nos provoca a
envelhecermos com prazer, dignidade,
consciência de cidadania e responsabilidade
com o planeta. E, é claro, com muito
botox
no rosto!
Estes
são apenas alguns dos motivos que fizeram
com que eu declarasse, no
Instagram,
o meu respeito e o meu amor por Jane Fonda.
Numa época em que governantes racistas,
mentirosos, misóginos, homofóbicos e
inimigos do planeta Terra são eleitos,
inacreditavelmente, pelo voto direto, em
países como o Brasil e os Estados Unidos, a
militância de Jane Fonda é uma boa lembrança
de que o mundo é habitado também por pessoas
contrárias à destruição e ao apocalipse. O
planeta não é só dos
haters
(pessoas que só espalham o ódio)!
Inspirada pela menina Greta Thunberg, a nova
fase de militância de Jane Fonda é a prova
de que as gerações mais velhas não são
compostas apenas de gente indiferente,
omissa e preconceituosa. Nossas rugas e
nossos cabelos brancos não destruíram a
nossa capacidade de nos indignar. Obrigado
Jane Fonda por nos inspirar!
I just love you!
- n.8• janeiro 2020