Paulo Falcão Alves

Vaguear na Maionese

Paulo Falcão Alves

ESTÓRIAS SEM FIM

O panorama mediático em que hoje nos encontramos deve-se sobretudo às notícias que abrem os telejornais e que enchem as primeiras páginas dos jornais, praticando um jornalismo de matilha criando aquilo a que Ramonet chamou de «espetáculo do acontecimento», um pântano patético onde todos parecemos estar-nos a afundar (1).
Senão vejamos, a senhora Isabel dos Santos é agora acusada por um consórcio “independente” de jornalistas, pago sabe-se lá por quem, de desviar elevadas quantias de capital de Angola para proveito próprio. Mas o que é que se passa? Todos nós sabemos que isto acontece em Angola há mais de quarenta anos o desfalque selvagem de um país extraordinariamente rico em recursos naturais, gerido por um regime político corrupto que só pensa em si e não no seu povo – para quê tanto frenesim à volta da senhora?
Depois temos o caso Rui Pinto, um suposto pirata informático que é detido e acusado de extorsão e acesso ilegal a informação privada e confidencial (...) coitado, ele só queria ajudar e ganhar algum dinheirito se possível…tem de ser libertado diz o povo! Mas como é que alguém que não age de acordo com a lei pode fugir da justiça por entre os pingos da chuva? É óbvio que tem de ser julgado e caso se verifiquem as acusações deve ser condenado!
Para animar ainda mais a festa temos o caso do assalto ao paiol de Tancos, onde as evidências parecem apontar para comportamentos eticamente incorretos por parte de altas figuras do Estado em assuntos de extrema delicadeza como é o caso do armamento militar. Contudo, tendo em conta os protagonistas da novela, não creio que esta investigação traga mais novidades do que aquelas que nos trouxe até agora – enquanto os altos cargos do poder judicial continuarem a ser nomeados e escolhidos pelo governo, o sistema judicial português nunca será isento.
Por fim temos o caso do coronavírus, lenha seca para esta fogueira mediática! No dia 3 de fevereiro uma jornalista da TVI relatava o seguinte: «18 portugueses aterraram às 23:53 na base aérea de Figo Maduro e seguiram de imediato para o hospital Pulido Valente para isolamento profilático, voluntário, para tranquilizar as famílias e o país». Um claro discurso de medo e tragédia com apenas um objetivo: alarmar audiências.
Estes são alguns exemplos de como os media tendem a transformar o simples em algo mais complexo, convidando-nos a sentar à volta de uma fogueira não para a “ouvir coisas de sonho e de verdade”, mas estórias sem fim que nos impedem de pensar.

(1) Ramonet, I. (1999). A Tirania da Comunicação. Porto: Campo das Letras.