Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Mank (2020)

O realizador David Fincher, um dos cineastas americanos mais aclamados da atualidade, reconhecido e celebrado por Seven (1995), Fight Club (1999), Zodiac (2007) e The Social Network (2010), regressa finalmente ao grande ecrã, seis anos após Gone Girl (2014), com o filme biográfico Mank.  A adição mais recente à filmografia de Fincher estreou a 13 de novembro em algumas salas de cinema e a 4 de dezembro estreou globalmente na plataforma de streaming Netflix.

Mank não se trata somente da biografia de Herman J. Mankiewicz, argumentista e guionista de Citizen Kane, considerado por muitos cinéfilos como o melhor filme alguma vez realizado, como também é um retrato e crítica de Hollywood na década de 30 através dos olhos de Mank.

O actor Gary Oldman encarna Mankiewicz, conhecido e tratado por Mank, um dramaturgo e crítico do The New York Times tornado argumentista de cinema. O filme segue o processo de escrita do guião de Citizen Kane, escrito em 60 dias a pedido de Orson Wells (Tom Burke), enquanto em simultâneo, através de flashbacks, explora o início e final aparatoso da carreira profissional de Mank na indústria hollywoodiana nos anos trinta. Mank é um alcoólico, detentor de um sentido de humor astuto e de uma natureza extremamente opinativa. Estas qualidades, que outrora divertiam os outros, rapidamente se tornam defeitos quando Mank nada contra a corrente e cria tensões com indivíduos poderosos como William Hearst (Charles Dance), um magnata dos meios de comunicação, dono de um império de jornais e revistas, que serve de inspiração para a personagem de Kane.  Hearst tem um relacionamento amoroso com a estrela Marion Davies (Amanda Seyfriend) que se torna amiga de Mank e é tida por muitos como a inspiração para a amante de Kane.

Mank no estilo e na essência, homenageia Citizen Kane criando paralelos com esse filme clássico. A obra de Fincher foi filmada inteiramente a preto e branco e a narrativa consiste numa mistura de vários flashbacks com o enredo principal. A cinematografia é marcada por algumas transições e planos wellsianos (pessoas aparentam ser bastante maiores em comparação a outras; a utilização da escuridão para esconder faces ao enaltecer sombras; etc.) e o filme é editado como as produções “hollywoodianas” da altura, desde os créditos introdutórios às cue marks (pequenas marcas no canto direito que serviam para sinalizar que o rolo de filme estava a terminar). Mank é pautado por uma soundtrack de jazz adequada à época e energia do filme e o elenco, na sua totalidade, têm desempenhos que fazem justiça ao argumento e estilo exemplar de Fincher. No entanto, em algumas ocasiões, o guião perde toda a sua força e agudez ao ponto de ser tornar insípido.

Ambos os filmes são sintetizados pela seguinte frase, proferida por Mank relativamente ao guião de Citizen Kane: “É impossível capturar a vida inteira de um homem em duas horas. Só se pode dar uma ideia dessa vida”. É neste aspecto que Fincher triunfa. Ele não se limita só a demonstrar o processo tumultuoso de escrita de Citizen Kane (dificultado pela recuperação de um acidente de carro e pelo alcoolismo de Mank) ou a luta entre em Wells e Mank para que o último seja creditado no filme. Fincher demonstra o carácter de Mank ao expor os seus valores, atitudes, qualidades e vícios enquanto contextualiza com o que o rodeia: o clima político da Califórnia (caracterizado pelo medo do socialismo); a influência, ganância e exuberância dos titãs dos meios de comunicação (dos grandes estúdios de filmes aos magnatas dos jornais); o processo de escrita e produção da indústria e o grupo social em que insere. É nesta exposição narrativa abrangente que apreendemos quem Mank era e como encarava o seu ambiente, e é aqui que residem as inspirações e razões por trás do guião de Citizen Kane.

Mank emerge assim de 2020, um ano em que streaming online foi uma solução face aos problemas vividos na indústria fílmica, como um dos filmes mais memoráveis e imperdíveis

Classificação: ★★★★