Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

“Mãe e filha. Que mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição”: Sonata de Outono

Sonata de Outono (título original: Höstsonaten) é um filme sueco de 1978 realizado e escrito por Ingmar Bergman, um dos autores mais importantes do cinema europeu e um dos grandes mestres da Sétima Arte.

O filme é um drama que se foca em duas personagens femininas e na sua relação de mãe-filha. Charlotte Andergast, uma pianista bem-sucedida, depois de perder o companheiro Leonardo, reencontra-se pela primeira vez em sete anos com a filha, Eva, quando esta lhe escreve a pedir que a visite durante alguns dias. Eva está casada com um clérigo e vive numa pequena cidade. As duas mulheres têm uma relação complicada que se torna ainda mais tensa quando Charlotte descobre que a sua outra filha Helena, que sofre de uma doença terminal que a deixou paralisada e incapaz de falar, foi retirada da instituição e vive agora com Eva. O reencontro desencadeia um confronto entre Charlotte e Eva.

Ingmar Bergman disseca a relação entre as duas personagens ao abrir feridas do passado e expô-las pela primeira vez numa discussão longa e dolorosa. Charlotte desprezou o papel de mãe para se focar na carreira de pianista e Eva cresceu sem conhecer carinho, conhecendo apenas o controlo em forma de críticas da mãe, o que incutiu na jovem um sentimento de fraqueza e impotência desde cedo, e Eva despreza a mãe por não conseguir lidar com a situação de Helena.  Ambas são marcadas pela falta de afeto e pelo desejo do mesmo, a herdança de mãe para filha é a dor.

O passado condiciona o presente de Eva e Charlotte desde os seus relacionamentos às suas personalidades. Em Sonata de Outono, os planos gerais são compostos como quadros clássicos e a iluminação é pálida o que confere uma sensação de longinquidade e alienação. Estes planos são sempre usados quando Eva recorda o passado, a captação pitoresca ressalta como o passado aprisiona, mas ao mesmo tempo é intocável, como um sonho distante.  Quando estes planos são usados no presente é como se as personagens, por vezes, desvanecessem no meio em que se encontram.

Sonata de Outono é um escrutínio angustiante da relação repleta de incongruências de amor e ódio, desejo e repúdio que existe entre Eva e Charlotte. A forma como ambas são capturadas é quase cruel, Ingmar Bergman não nos permite desviar o olhar da fealdade que decorre ao usar grandes planos fechados, com a câmara a centímetros das faces das atrizes, durante os momentos de confronto, em que a raiva outrora adormecida explode.

A intensidade e honestidade emocional de Sonata de Outono recai não só na direção precisa de Ingmar Bergman, mas também nas atuações das conceituadas atrizes Liv Ullmann e Ingrid Bergman nos papeis de Eva e Charlotte, respetivamente.

Tal como o título indica, o filme é pautado por uma banda sonora exemplar, escolhida a dedo para as tonalidades emocionais certas, composta por peças de Händel, Chopin e Bach.

Sonata de Outono termina com um retorno ao início, com Eva a escrever uma carta para a mãe após esta partir abruptamente depois de terminarem a discussão, e num tom ambivalente, marcado por esperança e desilusão, nascido do confronto que era há muito necessário nesta relação conflituosa entre mãe e filha.