Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

“Eu sou grande! Os filmes é que ficaram pequenos”: Sunset Boulevard

“Sunset Boulevard”, cujo título em português é “O Crepúsculo dos Deuses “, é um filme de 1950 da autoria do realizador Billy Wilder, é um dos grandes clássicos do cinema americano e uma das obras fílmicas noir mais aclamadas. “Sunset Boulevard” é uma reflexão sobre a indústria do cinema, a sede pela fama e a incapacidade de encarar a realidade, no fundo, o filme é um pesadelo hollywoodesco.

Um grande filme é o culminar de vários fatores e decisões artísticas, mas a história é a essência da obra. “Sunset Boulevard” foi escrito por Billy Wilder, Charles Brackett e D.M Marshman Jr. e é considerado por muitos uma das melhores narrativas que nasceu de Hollywood, é uma história inesquecível com diálogo cortante. O filme é sobre a relação perigosa que se desenvolve entre o argumentista fracassado e endividado Joe Gillis e Norma Desmond, uma estrela do cinema mudo que caiu no esquecimento e na ilusão de magnificência.

“Sunset Boulevard” é marcado por um tom sombrio e fatalista, inicia-se com o assassínio de Joe Gillis e é narrado pelo mesmo, que retrocede no tempo para mostrar como chegou àquele fim. É uma reflexão sobre a indústria implacável de Hollywood e sobre todos os que a compõe desde os argumentistas aos atores, dos fãs aos jornalistas, e uma critica ao Star System, ao processo criativo e ao estado da indústria.

É um comentário ao papel do argumentista, que é muitas vezes esquecido pela audiência, e que se tem de submeter ao modelo dos estúdios que procuram apenas o lucro, prescindindo assim da originalidade e liberdade artística. Joe Gillis é um homem cínico e procura apenas sobreviver através da sua escrita, no entanto, ele muda quando conhece a jovem Betty Schaefer, uma aspirante a argumentista cheia de paixão que se foca na mensagem e honestidade necessária para criar uma boa história e não nas exigências dos estúdios. Betty e Joe são duas faces da mesma moeda, são as duas fases dos argumentistas face à máquina de Hollywood.

“Sunset Boulevard” é uma obra que mostra o lado negro da fama e como esta destrói artistas. Norma Desmond foi esquecida pelo mundo e vive sozinha na sua grande mansão, repleta de fotos de quando era jovem e outros artefactos dos seus tempos de glória, acompanhada apenas pelo seu mordomo Max, que é posteriormente revelado ser o realizador que a tornou famosa. Esta é uma mulher de meia-idade presa ao passado e incapaz de enfrentar o presente, obcecada com preservar a sua beleza e reprimir o envelhecimento, é uma megalomaníaca consumida por ilusões de grandeza que acredita no seu regresso ao grande ecrã, algo que nunca irá acontecer. Norma Desmond é interpretada por Gloria Swanson, que foi uma grande estrela do cinema mudo e regressou ao grande ecrã para este papel. A interpretação de Swanson é imbatível e solidificou Norma Desmond como uma personagem icónica, a sua expressividade facial e corporal e a loucura no seu olhar são assombrosas, são características únicas pertencentes a uma verdadeira estrela do cinema mudo.

Para além de Swanson o elenco é também composto por figuras do cinema mudo como o realizador Cecil B. DeMille que se interpreta a si mesmo no filme, Erich von Stroheim que interpreta o mordomo Max e H.B Warner, Buster Keaton e Anna Q. Nilsson que fazem aparições como os velhos contemporâneos da Norma Desmond. Os atores William Holden e Nancy Olson que interpretam Joe Gills e Betty Schaefer respetivamente têm desempenhos naturais que são perfeitos em oposição aos maneirismos dramáticos de Norma Desmond.

A cinematografia convenciona o tom sombrio da narrativa enquanto simultaneamente captura a riqueza e ostentação ofuscante a que Norma Desmond desesperadamente se agarra.

“Sunset Boulevard” é um filme sobre os artistas no grande ecrã e atrás das câmaras. É um olhar cru e critico sobre a indústria de Hollywood que engole e cospe pessoas, descartando-as. É um filme que nos compele do início ao fim, e que tem uma das sequências finais mais fortes do cinema com Norma Demonds a ser devorada pela loucura e pela ilusão de fama que fabricou, ela vive apenas para a glória das câmaras. “Sunset Boulevard” obriga a encarar a realidade e relembra que o motor para fazer cinema deve ser a devoção à arte de criar boas histórias e não à fama.