Musique-se
Paulo Cunha
Música Tik Tok
- Partilhar 04/10/2022
Todos os
anos em que recebo na escola onde ensino
alunos que iniciam um novo ciclo de
escolaridade, solicito-lhes que
preencham uma ficha informativa onde
constam as suas preferências musicais
quanto aos tipos/géneros de música e
intérpretes/grupos musicais.
Naturalmente, ano após ano, as respostas
vão variando consoante as predileções e
as músicas que estão então na moda. Nada
que me surpreenda!
Ora, uma das
vantagens de ser professor de Educação
Musical é poder estar constantemente a
“medir o pulso” às novas tendências
musicais que as novas gerações vão
abraçando e tomando como suas. Tenho
vindo a descobrir que, cada vez mais, os
alunos não conhecem intérpretes nem
géneros musicais. Hoje, numa turma de
5.º ano de escolaridade, ao perguntar
que música ouviam os seus pais, grande
parte dos alunos respondeu que não sabe
ou que os seus pais não escutam música
(o que duvido). Responderam-me também,
maioritariamente, que usam apenas o
telemóvel como fonte sonora.
Ao
responderem “Eu ovo determinada música”,
percebo que muitos jovens nunca
conjugaram o verbo ouvir, pois jamais
alguém lhes terá perguntado o que eu
questiono. Confesso que me tenho
surpreendido com as respostas redutoras
com que alguns jovens, entre os dez e os
doze anos, me respondem: “A minha música
preferida é da Rádio Comercial!” ou,
mais atualmente, “Só oiço e conheço as
músicas que dão no Tik Tok”.
Ao
comentar e perguntar aos meus alunos se
têm a noção que ao ouvirem a música duma
determinada estação de rádio, de tv ou
de uma rede social estão a deixar que
sejam os outros a escolher e a
condicionar o seu gosto musical, muitos
deles, sem sequer responder, só pela
expressão facial denotam que nunca terão
refletido ou pensado em tal questão. Por
analogia, de seguida, questiono se lhes
perguntar qual é a comida que mais
apreciam irão responder que é a de um
determinado restaurante. Obviamente,
respondem-me que não, pois num
restaurante existem muitos pratos na
lista e eles só escolhem o que mais
gostam. Naturalmente, percebem onde
quero chegar com a questão.
Pois…
tal como noutras áreas, desde tenra
idade temos já influencers
atentos às escolhas dos jovens
potenciais consumidores. Prontos a
condicionar e a decidir as preferências
daqueles que, pela ausência de
conhecimento, depositam nos outros o seu
gosto e, por consequência, muitos
“gostos”. Sabendo que assim é, as
multinacionais ligadas à produção
musical não olham a esforços e meios
para usar as redes sociais, youtube
e rádios privadas para
manietar, condicionar e assim
estandardizar o gosto por determinados
músicos que, a prazo, servirão os
interesses das mesmas.
Para além
do pouco que aprendem nas aulas de
Educação Musical, é vital que a família
desempenhe o importante e insubstituível
papel na formação musical das novas
gerações, sob pena de, a curto prazo,
enfermarmos de iliteracia musical.
Porque tal como noutras áreas da
cultura, nada é pior do que imaginar que
os vindouros serão desprovidos dos
conhecimentos que lhes permitirão ter
sentido crítico, analítico e estético,
inviabilizando-lhes assim a capacidade
de formular opiniões sustentadas e
justificadas sobre o que musicalmente
produzirão e consumirão.
- n.41 • outubro 2022