Musique-se
Paulo Cunha
A importância dos pais no gosto musical dos filhos
- Partilhar 30/09/2021
A cada início de
ano letivo, solicito aos meus alunos do
segundo ciclo de escolaridade que me
preencham uma ficha com informações
relativas ao contacto com a música por
parte do seu agregado familiar. São
informações que me ajudarão a
contextualizar, programar e envolver as
famílias no percurso musical dos alunos,
na escola e fora dela.
Invariavelmente, os gostos musicais dos
petizes refletem as tendências musicais
veiculadas pelos vários canais de
divulgação musical colocados ao seu
dispor. Mas nem sempre assim é. Por
vezes sou surpreendido por gostos
peculiares e diferenciados por parte
dalguns alunos. São preferências por
géneros e grupos musicais que refletem a
influência da audição ativa, conjunta e
participada por parte do agregado
familiar. Para aferir tal constatação
basta confrontar as respostas dadas nas
fichas individuais de recolha de dados
musicais.
É
interessante verificar que, a par com os
vários canais de divulgação digital, a
influência familiar continua a ser um
dos fatores preponderantes na formação
do gosto musical dos jovens.
Desengane-se quem espera que sejam
apenas os professores de Educação
Musical, em duas únicas horas semanais e
apenas a partir dos dez anos, que
moldarão e/ou apurarão o sentido
estético e qualitativo dos futuros
produtores e consumidores de música.
Estando as
tendências musicais mais populares
condicionadas e manietadas pelas
editoras multinacionais, é caso para
dizer: “Diz-me o que ouves, que eu direi
como cantarei!”. Aliás, é assim que
todos os anos procedo, tentando
inteirar-me e conhecer quais são os
cantores e grupos que os jovens ouvem e
partilham - até à exaustão - entre si.
Da mesma forma que lhes transmito
conhecimentos baseados e assentes na
música de ontem, tenho que me manter
atualizado para poder perceber e falar
de música, usando os códigos e termos de
hoje.
Não é,
pois, de estranhar que muitos músicos, à
medida que envelhecem, tentem, tal como
fazem consigo, remoçar a sua música para
assim continuar a agradar às novas
gerações. Mas será essa a melhor
estratégia de carreira? Penso que não.
Da mesma forma que os músicos
envelhecem, envelhecem com eles os seus
apreciadores e fãs. O segredo é tornar a
música intemporal, dando-a a conhecer,
entender e apreciar aos filhos de uma
geração que cresceu com determinados
músicos que marcaram um período temporal
da sua vida.
Sou
defensor que o nosso tempo é o tempo em
que vivemos, daí achar que a música tem
o tempo da altura em que é devidamente
ouvida, entendida e apreciada. Por isso,
apelo constantemente, de várias formas,
para que os pais interajam musicalmente
com os seus filhos. Apesar de nem sempre
ser bem entendido, continuo a marcar
trabalhos de casa onde o agregado
familiar é chamado a participar
ativamente, cantando ou interpretando
com os meus jovens alunos.
Nem imaginam a quantidade de alunos que me dizem ter esperado cerca de dez anos para conhecer os dotes musicais dos pais, conjuntamente com os seus gostos musicais. É também essa umas das tarefas dos professores de Educação Musical: aproximar as famílias através da música. Porque o ato de gostar também se aprende. Como? Educando!
- n.29 • outubro 2021