Musique-se
Paulo Cunha
Palminhas, mãos ao ar!
- Partilhar 01/07/2021
Apesar de algum
tipo de fado possuir músicas/letras
consideradas tristes e melancólicas, os
portugueses não escondem a sua
miscigenação cultural quando a batida do
bombo da bateria se mistura com o
«groove» da guitarra baixo e,
inconsciente e inevitavelmente, atraem e
fazem soltar o percussionista amador que
há escondido em si. Para tal, basta
juntarem uma mão à outra e “afinarem” as
palmas com o ritmo.
Seja através
do trauteio das melodias/letras já
memorizadas e/ou das palmas que marcam a
pulsação da música, sentir e observar a
participação do público é algo que todos
os músicos almejam quando pisam um
palco. Mas serão todos os géneros
musicais atreitos a estas reações tão
latinas?
Recordo-me que depois
de cantar “Os putos”, Carlos do Carmo,
acompanhado pela plateia com palmas,
pediu que o público guardasse as mãos
nos bolsos e deixasse as palmas apenas
para o final das canções. Como bem o
entendi: como poderia alguém que
mascarava o ambiente musical com palmas,
apreciar a beleza do poema de Ary do
Santos e o esmerado acompanhamento dos
excelentes músicos que acompanhavam o
nosso fadista maior?
A atitude
inapropriada, e por vezes incómoda, de
interromper determinadas prestações e
interpretações musicais com palmas,
impede a maioria do público de apreciar
e fruir todas as diversas nuances
musicais (poéticas, melódicas, rítmicas,
tímbricas, agógicas, de forma, de
textura, de arranjo e interpretativas)
que integram e constituem o elemento
diferenciador duma música interpretada
ao vivo.
Entendo que o poder, a
atração e a ação da música sejam tão
contagiantes que apeteça participar na
sua execução, nem que seja com palmas. A
esses “músicos de ocasião” aconselho que
usem partes do corpo que não emitam um
som muito audível, pois o que se faz de
improviso, no calor do momento, não
deverá colidir com o trabalho de um
profissional.
Se existem músicas
de caráter mais popular que,
naturalmente, impelem à participação do
público, outras há em que o silêncio é
de ouro, tal a concentração e
introspeção interpretativa necessárias.
Os músicos sabem-no e por isso, em
conformidade, tocam para o público ou
tocam com o público. Afinal de contas, o
que realmente interessa é tocar o
público!
Tomando como referência a
famosa frase com que o mandador no Baile
de Roda Mandado nos brinda no final,
deixemos as palmas para quem delas faz o
uso adequado: “Tudo certo, devagar.
Palminhas, mãos ao ar até ao baile
acabar. Palminhas, acabou e o baile de
roda terminou.”
- n.26 • julho 2021