Paulo Cunha

Musique-se

Paulo Cunha

Palminhas, mãos ao ar!

Apesar de algum tipo de fado possuir músicas/letras consideradas tristes e melancólicas, os portugueses não escondem a sua miscigenação cultural quando a batida do bombo da bateria se mistura com o «groove» da guitarra baixo e, inconsciente e inevitavelmente, atraem e fazem soltar o percussionista amador que há escondido em si. Para tal, basta juntarem uma mão à outra e “afinarem” as palmas com o ritmo.

Seja através do trauteio das melodias/letras já memorizadas e/ou das palmas que marcam a pulsação da música, sentir e observar a participação do público é algo que todos os músicos almejam quando pisam um palco. Mas serão todos os géneros musicais atreitos a estas reações tão latinas?

Recordo-me que depois de cantar “Os putos”, Carlos do Carmo, acompanhado pela plateia com palmas, pediu que o público guardasse as mãos nos bolsos e deixasse as palmas apenas para o final das canções. Como bem o entendi: como poderia alguém que mascarava o ambiente musical com palmas, apreciar a beleza do poema de Ary do Santos e o esmerado acompanhamento dos excelentes músicos que acompanhavam o nosso fadista maior?

A atitude inapropriada, e por vezes incómoda, de interromper determinadas prestações e interpretações musicais com palmas, impede a maioria do público de apreciar e fruir todas as diversas nuances musicais (poéticas, melódicas, rítmicas, tímbricas, agógicas, de forma, de textura, de arranjo e interpretativas) que integram e constituem o elemento diferenciador duma música interpretada ao vivo.

Entendo que o poder, a atração e a ação da música sejam tão contagiantes que apeteça participar na sua execução, nem que seja com palmas. A esses “músicos de ocasião” aconselho que usem partes do corpo que não emitam um som muito audível, pois o que se faz de improviso, no calor do momento, não deverá colidir com o trabalho de um profissional.

Se existem músicas de caráter mais popular que, naturalmente, impelem à participação do público, outras há em que o silêncio é de ouro, tal a concentração e introspeção interpretativa necessárias. Os músicos sabem-no e por isso, em conformidade, tocam para o público ou tocam com o público. Afinal de contas, o que realmente interessa é tocar o público!
Tomando como referência a famosa frase com que o mandador no Baile de Roda Mandado nos brinda no final, deixemos as palmas para quem delas faz o uso adequado: “Tudo certo, devagar. Palminhas, mãos ao ar até ao baile acabar. Palminhas, acabou e o baile de roda terminou.”